Pátria subtraída, por Rogério Arioli

Publicado em 23/04/2014 14:58 e atualizado em 04/03/2020 15:33
Rogério Arioli é engenheiro agrônomo e produtor rural.

É prática recomendável a tentativa de retirar algo de proveitoso em meio ao caos e à desordem generalizada.  Embora o nível de sujidade das notícias que envolvem a maior empresa do Brasil tenha superado as expectativas mais pessimistas, não se deve perder a chance de incrementar a mambembe cultura popular através da utilização de tão deprimente situação.  Se essa imundície toda que está jogando na lona a Petebrás for convertida em letra de música ou peça de teatro quem sabe não seria resgatada parte da mediocridade que hoje assola as produções culturais nacionais, inclusive por ela patrocinadas?

A primeira oportunidade que surge é a urgência de Chico Buarque voltar a compor como fazia antes.  Afinal as “tenebrosas transações das quais a pátria mãe era subtraída” voltaram, parece que até mesmo numa intensidade maior do que no passado recente.  Enquanto seus filhos continuam “errando cegos pelo continente” os compositores nacionais perdem seu tempo com lepos-lepos e beijinhos no ombro, deixando de incorporar à sua arte esse imensurável potencial de falcatruas e desmandos que poderiam, ao menos, provocar um riso em meio a tanta desgraça.  Caetano precisa denunciar que novamente “o sol está se repartindo em crimes” e embora as “cardinales e bardots” não permaneçam tão belas e as guerrilhas tenham arrefecido, as bancas de revista não nos enchem mais de alegria e preguiça, mas sim de indignação e revolta. 

É preciso alguém como Gonzaguinha pra lembrar que “a gente quer é ter todo respeito, a gente quer viver uma nação” ou mesmo Gonzagão que já alertava dizendo: “uma esmola para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.  Cazuza, que também já se foi, soltava o verbo pedindo ao Brasil que “mostrasse sua cara” e assim soubéssemos quem pagava para a gente ficar assim.  É possível até mesmo acusá-lo de ingenuidade nos dias de hoje, pois bem se sabe que o negócio do Brasil não é apenas um e os nomes dos seus sócios também são cada vez mais numerosos, além de gananciosos, é claro.

Vandré que venha falar novamente de flores uma vez que hoje os soldados não podem mais andar de armas na mão, tornou-se brega “morrer pela pátria” e, agora, é preciso encontrar novas razões para viver.  Renato Russo perguntou no passado: “Que país era esse”? Pergunta difícil que até o momento não conseguimos responder não porque não tenhamos voz, mas, sobretudo, porque ainda nem sabemos mesmo, atolados que estamos num lamaçal de escândalos que parecem não acabar nunca.  A mosca que caiu na sopa do Raul foi tragada na primeira sorvida, comprovando que a ganância dos novos comandantes é até maior do que a dos anteriores.

Millôr Fernandes com seu refinadíssimo humor deixou um vácuo que precisa ser preenchido pelos novos escritores.  É necessário e urgente que alguém, no seu lugar, comece a transformar essa imensa variedade de sacanagens e empulhações que virou a vida política nacional em temas de livros e encenações teatrais.  Não se pode perder mais tempo uma vez que não é todo o país que tem essa diversidade de escândalos a fazer parte da sua rotina.  Assim como Shakespeare sugeriu em “A tempestade” (1611) que somos feitos da “matéria dos nossos sonhos” é bem possível que os brasileiros se transformem na matéria dos seus próprios pesadelos.  Por que não?  Se esses temas servirem para fertilizar a mente estagnada da cultura nacional que tem sobrevivido apenas entre o interregno do carnaval e, este ano, da copa do mundo, já será um avanço considerável.

Voltando aos bilionários contratos celebrados pela maior empresa brasileira e por tantos outros superfaturamentos que se sucedem a cada noticioso diário, temos uma gama de assuntos que bem poderiam virar samba, onde doleiros, deputados e administradores públicos chafurdam num lamaçal putrefeito de corrupção e impunidade.  Refinaria, por exemplo, rima com alegria, propina com esquina e doleiro com fuleiro.  Comissão por sua vez rima com popozão e “até o chão” pra entrar no clima do funk. E, por que não rimar superfaturado com apaixonado ou desafinado, só pra lembrarmo-nos da bossa nova, onde ainda reinava aquele romantismo suave e ingênuo que hoje desapareceu, face à mediocridade em que o país mergulhou.

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Fonte:
Rogério Arioli

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3 comentários

  • Liones Severo Porto Alegre - RS

    Prezado Senhor Rogério Arioli, obrigado por nos trazer essa reflexão. Como disseram Kleyton e Kledir: ´´Mas se alguém segura o leme dessa nave incandescente. Que incendeia a minha vida. Que era viajante lenta. Tão faminta da alegria. Hoje é porto de partida``. Seguremos esse leme e não deixemos que continuem abduzindo nosso povo. Façamos nosso ponto de partida na competencia de nossos agricultores e vamos eleger nossos jovens do campo futuros lideres do amanhã. Não podemos recorrer ao que já nos foi subtraido, vamos mudar a direção. Já empunho essa bandeira em minhas palestras. Grande abraço

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  • João Alves da Fonseca Paracatu - MG

    Senhor Rogério Arioli,de tempos em tempos surgem os chamados intelectuais de ocasião,embora a maioria desta turma fez sim, bem para a humanidade escrevendo as mazelas da política,hoje,talvez decepcionados com suas convicções e vendo que o poder para poder era a busca de seus pupilos,e,quando o alcançaram fizeram dele a 'casa da mãe Joana',transformando o fruto do trabalho de várias gerações em feudo podres e mal cheirosos,silenciaram...É triste ver nossa Petrobrás se transformar em PODREBRÁS

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  • Eduardo Lima Porto Porto Alegre - RS

    Prezado Senhor Rogerio Arioli, não o conheço pessoalmente, mas tenho um amigo no Mato Grosso que me falou algumas vezes acerca da sua Inteligencia privilegiada. Achei Genial a analogia e muito apropriada com o momento que estamos vivendo. Parabéns!!!

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