O impacto da eleição Argentina no mercado mundial de grãos, por Flávio França Jr

Publicado em 27/11/2015 23:31

Prezados amigos. Nas últimas semanas, e especialmente na semana anterior, o mercado de grãos, em particular o de soja, passou a ser pressionado pelas notícias que vinham da Argentina relacionadas ao segundo turno da eleição presidencial. Tudo por conta da possibilidade, que no último domingo acabou sendo confirmada, de que o candidato da oposição, Maurício Macri, líder de centro-direita e prefeito de Buenos Aires, pudesse por fim a 12 anos de Kirchnerismo. Em outras palavras, o sentimento dominante no mercado era o de que a eleição de um governo, digamos, mais liberal, pudesse se transformar em fator de reativação do agronegócio argentino e aumentar a sua participação na produção e no comércio mundial de grãos. Façamos então algumas reflexões sobre o assunto, e o que pode acontecer após a posse do novo presidente argentino no próximo dia 10.

Primeiro acho interessante posicionar o mercado argentino dos principais grãos dentro do contexto global. Na soja, com produção de 60 milhões de toneladas, o país ocupa a 3ª posição no ranking mundial, sendo o 3º maior exportador de soja, mas líder na exportação de farelo e óleo de soja. Este foi praticamente o único caso entre os principais grãos produzidos no país que não foi afetado de forma mais drástica pelo nocivo intervencionismo dos Kirchner, uma vez que no início dos anos 2000 já ocupava essas mesmas posições. No milho, com produção próxima de 25 mls de t, é o 5º maior produtor, e o 4º maior exportador. Mas no início da década passada a produção se situava em torno de 15 mls de t, sendo o 6º maior produtor, e 2º maior exportador mundial. Outro produto que andou para trás nesses últimos 12 anos foi o trigo. Com produção atual em torno de 11 mls de t, é apenas o 13º maior produtor mundial, e o 7º maior exportador. Mas no passado a produção já chegou a se aproximar dos 20 mls de t, e o país já foi o 5º maior exportador.

Mas quais foram as alegações do mercado para entender que um governo Macri pudesse ser positivo para a produção e exportação de grãos na Argentina, e consequentemente ruim para os preços globais?

  1. Primeiro, porque o novo presidente tem trajetória, e manteve um discurso na eleição bem mais liberal em relação ao papel do Estado sobre a economia e nas relações com os agentes produtivos. A expectativa geral é que tenhamos forte retração no intervencionismo do governo.
  2. Segundo, porque em campanha o presidente eleito se comprometeu com o agronegócio em reduzir os pesados impostos de exportação, as chamadas retenciones, incidentes sobre os produtos agropecuários do país. Atualmente o governo retém 35% do valor de exportação da soja, 32% do farelo e óleo, 28% do trigo e 25% do milho.
  3. Terceiro, porque o mercado receia que o resultado da eleição leve os produtores argentinos a inundar o mercado de soja com ofertas de seus represados estoques, avaliados atualmente em torno de 11 milhões de toneladas.
  4. E quarto, porque a melhora do ambiente político poderia levar o produtor a rever para cima o seu planejamento de cultivo já para a temporada 2014/15, cujo plantio da safra de verão está em andamento.

Entretanto, apesar de em tese esses argumentos fazerem todo o sentido, e efetivamente tenderem a pelo menos parcialmente acontecerem, entendemos que o processo de mudança não deve ser tão abrupto quanto o mercado chegou a imaginar há alguns dias atrás. Dá para imaginar, por exemplo, que a tendência é clara para a diminuição da participação e da ingerência do Estado na economia. Mas isso deve acontecer de forma gradual, notadamente durante o próximo ano.

Também não esperamos uma redução imediata de impostos. Pelo simples fato de que somente após a posse no próximo dia 10 é que o novo governo poderá tomar ciência exatamente das condições de caixa do governo. Esse é um ponto central na decisão para qualquer tipo de relaxamento fiscal. Notadamente para um país mergulhado em crise econômica, política e social, com dívida externa em moratória, e absolutamente sem credibilidade interna e externa. Uma coisa é promessa de campanha e outra bem diferente é a administração das contas públicas. O próprio Macri nesta semana foi rápido em desmentir que o governo estivesse preparando uma medida emergencial de suspensão das retenciones para os próximos 90 dias.

Igualmente não esperamos por uma inundação de ofertas por parte dos produtores. De um lado porque antes de embarcar, os produtores precisam primeiro fechar efetivamente os negócios. Com isso a tendência é que exista ainda um delay considerável até que o produto chegue efetivamente ao mercado internacional. E segundo, até pelo contrário, qualquer vendedor argentino neste primeiro momento vai ficar em absoluto compasso de espera, no aguardo das medidas que o novo governo começará a implementar a partir de dezembro. Ou seja, enquanto as retenciones não forem efetivamente reduzidas, o mercado tende a continuar com ofertas escassas, apenas para atender a necessidade imediata dos produtores. Na soja, por exemplo, fala em capacidade de embarque de apenas 1,5 a 2,0 milhões de t a partir do mês de janeiro.

Mas embora não de forma imediata, a tendência é de que as retenciones sejam efetivamente revistas na sequência, e que o intervencionismo na comercialização seja reduzido drasticamente. E se isso se confirmar, é certo o impacto no aumento da área plantada no país. E, por consequência, na formação dos preços internacionais. Especialmente no caso do milho e do trigo que hoje tem as suas negociações com a exportação totalmente controladas pelo governo em sistema de cotas. Entretanto, por uma questão de falta de tempo hábil, entendemos que possivelmente esse movimento só comece a se caracterizar a partir do cultivo da próxima safra de inverno.  Não devendo atingir a safra de verão que está em andamento. Mas apesar desse viés até certo ponto baixista de médio e longo prazo para os preços globais, não podemos esconder a feliz sensação de que novos ares talvez estejam mesmo soprando sobre a política sul-americana.

 

Um “AgroAbraço” a todos!!!

Flávio Roberto de França Junior

Analista de Mercado, Consultor em Agribusiness e Diretor da França Junior Consultoria

www.francajunior.com.br e [email protected]

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França Junior Consultoria

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1 comentário

  • Carlos Massayuki Sekine Ubiratã - PR

    Os argentinos têm duas vantagens importantes sobre o Brasil na produção agropecuária. A primeira, uma logística de escoamento funcional e de baixo custo. A segunda, um solo fértil que exige muito pouco de fertilizantes e corretivos. A maior desvantagem deles, que era o populismo kirchnerista, já foi descartado. Resta saber se esse tal de Macri vai realmente implementar as reformas necessárias ou vai simplesmente se render ao populismo corrupto e a todos os benefícios pessoais que isso pode trazer. Acredito que na Argentina, assim como no Brasil, a corrupção é endêmica e arraigada na estrutura do poder. Não acredito que vá mudar muita coisa no país dos hermanos. Melhor assim porque, se fosse um país organizado, a Argentina seria um adversário valoroso e um player poderoso no mercado mundial de commodities agrícolas. Buena suerte hermanos, Pero no mucho!

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    • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

      Sr. Carlos a diferença maior é que na Argentina, as commodities são processadas e agrega-se valor ao produto. Um exemplo é no soja, eles produzem bem menos soja que o Brasil, mas exportam um volume muito maior de óleo de soja. Veja que a Argentina tem uma produção de lácteos, com um volume exportado que nos causa inveja, isto porque as proteínas vegetais, como farelo de soja, são transformadas em proteínas animal, de maior valor agregado, além de consumir mão-de-obra nacional. O petismo optou em exportar as commodities in natura. Até quando isso é saudável para a economia de um país?

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    • dejair minotti jaboticabal - SP

      Paulo,embora o pt seja o simbolo da corrupção e da incompetência, neste caso

      precisamos retornar em 1996 e falar um pouco do Kandir, o qual nunca mais ouvi falar, numa analise sem planejamento e consequencias o congresso aprovou a dita lei.A partir daí o brasil criou empregos no exterior para chineses e outros, aqui fechamos fabricas,especialmente no estado de São Paulo.Deixamos de agregar valor além do governo prometer um subsídios por perdas arrecadatórias a qual nunca cumpriu 100%.

      Desisti de acreditar neste país por estes idiotas que nos representam, os grandes players deveriam erguer uma estatua para este idiota que tanto bem fez a eles,exportamos também minério e não temos controle se esta sendo exportado ferro ou outro minério de inestimável valor, exportamos o minério de ferro e depois compramos produtos manufaturados por valor infinitamente maior.Eta Brasil.

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    • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

      Sr. Dejair, nos anos 70 do século passado, os navios descarregavam no porto de Santos e "subiam" até o Nordeste, para colocar areia em seus porões, que segundo os entendidos era para servir de lastro e, evitar que o navio balançasse muito. Depois as autoridades brasileiras foram verificar e descobriu-se que a areia que estava servindo de lastro era rica em Urânio, mineral usado como combustível nas nas usinas nucleares. Nosso país é rico em "estórias" desse tipo.

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