De frequentador de zona a crítico dos juros altos, José Alencar está a caminho da canonização

Publicado em 04/04/2011 08:40
Por Ucho Haddad, jornalista, analista e comentarista político, poeta e escritor.
No Brasil, a exemplo  do que ocorre em boa parte do planeta, exigir coerência no mundo político é a mais  hercúlea das tarefas. Quiçá não seja uma empreitada completamente impossível.  Quando um político passa para o outro lado da vida, se é que isso de fato existe, suas mazelas   chegam à sepultura muito  antes do cadáver. O mau vira bom, o desonesto vira honesto, o implacável vira um coitado.

Sem  querer duvidar da sua honestidade, esse cenário já recobre a morte de José  Alencar Gomes da Silva, vice-presidente da República nos dois mandatos de Lula  da Silva (2003-2010), que morreu em São Paulo após mais de uma década de luta  contra um câncer abdominal.

Tão logo subiu a  rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez, José Alencar não demorou a tecer suas críticas  contra as altas taxas de  juros. Mal sabia Alencar que  os banqueiros derramaram verdadeiras fortunas na campanha de Lula e ao incauto  povo brasileiro cabia  pagar a conta. Como cabe até  hoje. E o esperneio discursivo do empresário José Alencar pouco adiantou. Fosse  um homem coerente, Alencar teria alcançado o boné e renunciado. Só não o fez por
conta de interesses maiores.

Ano e meio depois de  tomar posse ao lado de Lula, o simpático José Alencar adotou obsequioso silêncio diante  do escândalo que ficou nacionalmente conhecido como _MENSALÃO DO  PT_, esquema criminoso de cooptação de parlamentares que trocaram a  consciência por um punhado de dinheiro imundo. É verdade que todos são inocentes  até prova em contrário, mas no PT de outrora rezava a regra de que para condenar  alguém bastavam apenas evidências. A profecia é de
autoria de José Dirceu de  Oliveira e Silva, o Pedro Caroço, figura com a qual José Alencar conviveu sem  qualquer reserva.

O agora santificado  José Alencar apostou nas palavras do companheiro Lula, que certa vez disse com todas as  letras que a China é uma economia de mercado. Certo de que o parceiro palaciano  sabia das coisas, Alencar  deflagrou um processo para  abrir uma unidade de seu conglomerado têxtil no país da lendária muralha. Mesmo  com o Brasil sofrendo há anos a concorrência desleal dos fabricantes chineses de tecidos e afins, Alencar exigiu que o projeto fosse cumprido à  risca. E o mercado brasileiro de tecidos, que deveria ser defendido pelas  autoridades verde-louras e também pelo então vice-presidente, foi mandado às  favas inclusive por José Alencar.
Por ocasião da CPI  dos Correios, que acabou investigando a fonte de financiamento do Mensalão petista, o nome  da Coteminas veio à baila, pois a empresa de José Alencar recebeu em  uma de suas contas bancárias um depósito de R$ 1 milhão feito pelo PT. Alencar,  que logo tratou de isentar de qualquer culpa o seu conglomerado empresarial,  alegou que as explicações deveriam ser cobradas do próprio PT. A operação,  segundo José Alencar, decorreu do fornecimento de 2,75 milhões de camisetas aos  candidatos petistas nas eleições municipais de 2004. O então presidente nacional  do PT, Ricardo Berzoini, informou a José Alencar, horas depois da
eclosão do  escândalo, que o repasse à Coteminas não foi contabilizado pelo partido. A  dívida, de R$ 12 milhões, correspondia à época a 50 carretas abarrotadas de  camisetas. Para
contemplar as necessidades de Lula e Alencar, o caso foi  devidamente
abafado.

Guindado ao  Ministério da Defesa por decisão de Lula, o empresário José Alencar viu a sua Coteminas vender cada  vez mais uniformes para o Exército brasileiro. Coincidência? Talvez, mas na política essa palavra não existe no dicionário. Em 2006, ao aceitar o convite  para novamente fazer dupla com Lula da Silva, José Alencar acabou por endossar o  _MENSALãO_ e outros tantos escândalos de corrupção patrocinados pelo  Partido dos Trabalhadores e por muitos
palacianos. Na ocasião eclodiu o  escândalo do Dossiê Cuiabá, conjunto de documentos apócrifos para prejudicar os  então candidatos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra. Mais uma vez, diante
de  um novo escárnio com a digital da esquerda brasileira, Alencar preferiu  submergir.

No quase infindável  imbróglio da Varig, coube a José Alencar aproximar o empresário Constantino Oliveira, o nada  diplomático Nenê, do presidente Lula, que implorou para que o dono da Gol comprasse a outrora mais  importante companhia de  aviação do País. Muito estranhamente, Nenê Constantino, tão mineiro quanto José Alencar, atendeu aos apelos de  Lula e arrematou a Varig por  US$ 300 milhões, uma empresa que estava resumida à própria marca. Até hoje  ninguém conseguiu entender a transação que nem mesmo o mais incauto investidor  seria capaz de apostar suas economias, mas o universo do poder tem essas  situações inexplicáveis.

Em agosto de 2010,  ao ser entrevistado pelo apresentador Jô Soares, o nada elegante José Alencar aceitou falar  sobre o processo de investigação de paternidade que lhe movia Rosemary de  Morais, sua suposta filha, e a  recusa em se submeter a um  teste de DNA. Ao apresentador global o agora bonzinho José Alencar repetiu o que disse à Justiça. Que a mãe de sua suposta filha era prostituta e que ele [José  Alencar] foi um frequentador contumaz das zonas de
meretrício das cidades onde  morou desde jovem. Ao expor a mãe da sua suposta filha de forma tão covarde e  aviltante, José Alencar não apenas escancarou o seu caráter, mas mostrou ao  mundo ser ele alguém bem diferente daquele que hoje, após a morte, a consternada
população brasileira tenta canonizar.

Ter pena de José  Alencar por conta da sua luta contra o câncer não causa espanto. Mas há milhares de brasileiros na  mesma situação de Alencar e  que lamentavelmente dependem  do sistema público da saúde para lutar contra a morte. Esses sim são bravos lutadores, dignos de pena e do respeito incondicional de todos.

Em momento algum  quero festejar a morte de alguém, até porque esse é o tipo de atitude que não se  toma nem mesmo com os mais figadais inimigos, mas não se pode alçar aos céus com  tanta
rapidez quem ainda tem contas a acertar com o Criador.
      
De igual maneira, a  minha manifestação não se trata de moralismo oportunista, mas serve como apelo aos  brasileiros para que releiam a recente história política  nacional e que mantenham a coerência no momento em que mais um político se  despede da vida terrena.

Errar é humano, é  verdade, mas o erro pontual pode ser transformado em plataforma de acertos futuros se o errante  tiver um mínimo de massa  cinzenta Como sempre escrevo,  digo e não canso de repetir, sou o melhor produto dos meus próprios erros. Ainda  bem! E é por isso que espero que no momento da minha morte os meus inimigos preservem a coerência e mantenham as críticas que me fizeram ao longo da vida.  Só assim descansarei em paz, ciente de que mesmo
longe dessa barafunda  continuarei coerente e incomodando.

O meu finado pai,  que tantos bons exemplos me deixou, por certo não encontrou minha mãe na zona mais próxima,  mas os que me odeiam podem continuar me chamando de “filho da puta” O genial  Jânio Quadros dizia que o melhor é se referir ao desafeto como “filho de puta”  com a anuência da minha respeitadíssima genitora.

Fora isso, é preciso  considerar que, assim como acontece com os
árbitros de futebol, jornalistas políticos polêmicos sempre têm
uma mãe sobressalente  para os costumeiros e inevitáveis
xingamentos.

E que o Criador  escute as minhas preces e dispense ao ser humano José Alencar o tratamento devido, pois a sua  luta pela vida foi inglória.

Amém!

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Por:
Ucho Haddad
Fonte:
Ucho Haddad

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