Debate na Band (análise da Folha): Sucessão passa por 'Marina week'; Dilma e Aécio ficam atônitos

Publicado em 27/08/2014 15:00 e atualizado em 28/08/2014 15:34
por FERNANDO RODRIGUES, da FOLHA DE S. PAULO (SUCURSAL DE BRASÍLIA)

O debate entre candidatos a presidente promovido na noite de terça-feira (26) e início da madrugada desta quarta-feira (27) pela TV Bandeirantes mostrou dois ex-favoritos absolutos atônitos, sem saber reagir, e uma nova postulante surfando com sua alta nas pesquisas de intenção de voto.

"É a Marina week", foi a frase ouvida algumas vezes no auditório da Band nos intervalos do debate.

É uma referência ao fato de Marina Silva aproveitar seu melhor momento depois de entrar oficialmente na corrida sucessória há menos de duas semanas, após da morte de Eduardo Campos , que era o candidato a presidente pelo PSB.

Marina permaneceu a maior parte do debate mostrando estar mais à vontade e tranquila do que Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). A candidata do PSB começou cobrando da petista o resultado dos pactos propostos pelo Palácio do Planalto pós-junho de 2013 –e que não deram certo. A pergunta (objetiva, dura e afirmativa) marcou mais do que a resposta (com raciocínio helicoidal e inconclusivo da presidente).

As estratégias políticas dos três principais postulantes ficaram claras no debate da Band.

Marina foi ao encontro disposta a reafirmar seu conceito (muitas vezes vago) de nova política. Dilma continua a repetir que seu governo fez e faz muitas obras e que a economia não cresce mais por causa da "crise internacional". E Aécio segue desejando ser uma espécie de transição segura entre um governo do PT para outro do PSDB. Só que abraçou imagens que não trazem votos, como a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Robustecida pela divulgação da pesquisa Ibope, que a coloca como vencedora num eventual segundo turno, Marina se sentia desobrigada no debate da Band a explicar como fará para ter maioria dentro do Congresso e governar o país.

A pessebista chegou a dizer que pretende fazer um governo para unir o Brasil, e não uma política desagregadora como a protagonizada por PT e PSDB, cuja polarização "já deu o que tinha que dar".

É um truque retórico. A ex-senadora se aproveita do senso comum (errado) sobre tudo ser possível para os que têm "vontade política". Quem passa uma semana em Brasília sabe que as coisas não funcionam assim. Para sorte de Marina, menos de 2% dos 142 milhões de eleitores brasileiros vivem na capital da República.

Quando foi forçada a dizer como faria uma "nova política" tendo Neca Setubal (da família dos acionistas do Banco Itaú) como conselheira, Marina rebateu dizendo que considera errada a noção de elite usada por seus adversários. Disse que Neca é uma experiente educadora e por essa razão é da elite. Assim como o líder seringueiro Chico Mendes (morto em 1988) também foi da elite por causa das ideias que representava.

Se essa resposta foi boa e aceitável, os eleitores vão opinar nas próximas pesquisas. Mas essa fórmula tem dado certo para Marina desde 2010. É um discurso falado em "marinês" que encanta os seguidores da candidata do PSB.

Em resumo, a pegada política de Marina é por menos beligerância na política e mais união para construir um país equilibrado. Ela não explica como fará para compor com mais de 20 partidos representados no Congresso, todos sedentos por verbas e cargos. Apenas surfa num desejo difuso dos eleitores por uma mudança nas figuras tradicionais de Brasília que frequentam os telejornais todas as noites.

Eleição, como se sabe, às vezes se ganha vendendo esperança e emoção. Se no governo não der certo, é outra história.

SEM REAÇÃO

Essa fala de tom melífluo de Marina deixou Dilma e Aécio sem respostas convincentes no debate da Band. A petista ficava repetindo uma lista de obras executadas pelo país e como conseguiu fazer para que os brasileiros pudessem desfrutar de quase pleno emprego. Ocorre que ninguém parece estar interessando no que já tem. O site do PT na campanha, o Muda Mais, insistia em focar na realidade na manhã desta quarta-feira, com o seguinte destaque sobre o encontro entre presidenciáveis: "Dilma no debate da Band: resultados de uma gestão eficiente e propostas concretas para o futuro". Não entenderam que o eleitor parece estar ansiando por emoção e menos realidade, como em quase todas as eleições.

Um sinal de como o PT está atordoado foi visto em outro movimento na manhã de hoje na internet, em redes sociais. "Dormi seringueiro - acordei das elite" (sic) era uma das frases divulgadas de maneira viral sobre uma foto de Chico Mendes. Outra: "Blablarina, só queria te avisar: eu fui tudo, menos elite". Mais uma: "Eu? Elite? Não Marina, a elite foi quem me matou".

É evidente que Marina usou a expressão "elite" como metáfora para conferir a Chico Mendes uma posição que ele de fato não desfrutava na sociedade à época em que morreu –mas que certamente sua memória incorporou nos anos seguintes. Se o comando do PT e a campanha de Dilma não entendem esse jogo de palavras, não vão compreender nunca a razão pela qual a candidata do PSB está em alta nas pesquisas.

Aécio Neves teve um comportamento correto dentro de sua estratégia. Seu problema é que até agora quase nada funcionou para ele nesta eleição. Ele é o tucano com pior desempenho numa campanha presidencial num final de agosto desde 1994.

O epítome da incompreensão de Aécio a respeito do seu mau momento foi quando já na fase final do debate, ele "revelou" que seu ministro da Fazenda, caso seja eleito presidente, será Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Quantos votos de Dilma ou de Marina o tucano Aécio subtraiu ao anunciar o nome de Armínio Fraga? Possivelmente, nenhum. Na elite -para usar a expressão muito citada no debate– essa indicação nunca foi segredo. Entre os eleitores de renda média ou baixa, falar de Armínio Fraga na Fazenda é o equivalente a um candidato dizer que vai sugerir Kevin Spacey para ser o astro da próxima novela da TV Globo –exceto os abastados que assistem a "House of Cards" no Netflix, ninguém no Brasil sabe quem é Kevin Spacey.

A chance de Aécio desempacar depende de dois fatores, ambos intangíveis no momento. Primeiro, o tucano precisa torcer para Marina cometer um erro grave (como Ciro Gomes em 2002, dizendo que Patrícia Pilar na campanha tinha a função de dormir com ele). É possível que isso ocorra? Parece pouco provável que a candidata do PSB, depois de 16 anos no Senado, cometa uma impropriedade verbal dessa natureza.

A segunda torcida de Aécio é que os eleitores comecem a enxergá-lo como novo e moderno quando ele fala que deseja ter um "papo reto" com os brasileiros. Para um político que até seis meses atrás não participava de nenhuma rede social, não é uma tarefa fácil, além de parecer sempre algo postiço.

Para sorte do PSDB e do PT, esta "Marina week" terminará quando os jornais, rádios, internet e TVs repercutirem a pesquisa Datafolha de sexta-feira (29). O problema é que se a candidata do PSB voltar a registrar uma alta em sua intenção de votos, a "semana Marina" pode ir se prolongando até o dia da eleição, em 5 de outubro. 

Criação de conselhos populares coloca Aécio contra Dilma

O decreto dos conselhos populares foi tema de embate entre a presidente Dilma Rousseff (PT), autora da norma, e Aécio Neves (PSDB) durante o debate entre presidenciáveis promovido pela Band nesta terça-feira (26).

A decisão obriga órgãos do governo a fazer consulta pública antes de decidir temas de interesse da sociedade civil e foi assinada em maio deste ano.

"A democracia precisa de instituições sólidas. A participação popular é importante. Mas na formatação que busca trazer o PT, é algo que avilta um poder que deve ser independente e soberano, que foi eleito pela sociedade brasileiro", disse o tucano, a partir de pergunta feita por jornalista.

Aécio também criticou a proposta da presidente de fazer reforma política por meio de plebiscito e disse se preocupar com propostas de "controle social da mídia" do PT. Dilma rebateu afirmando que o PSDB sempre teve "muito receio de participação social".

"Os conselhos servem para consulta, não para decisão final, então não há motivo de preocupação", disse a petista. Quanto aos plebiscitos, a presidente ironizou: "Se plebiscitos forem instrumentos bolivarianos, então a Califórnia pratica o bolivarianismo".

CONTROLE SOCIAL DA MÍDIA

A discussão sobre a intervenção do governo nos veículos midiáticos surgiu em outro momento do debate.

Questionado por jornalista se adotaria algum tipo de controle social da mídia, Eduardo Jorge foi sintético: "Sou obrigado a concordar com a posição da presidente Dilma", e dispensou o tempo que ainda lhe restava para responder a questão.

A presidente afirmou que a liberdade da mídia é "um valor da democracia", mas que, como qualquer setor econômico, tem que ter algum nível de regulação para evitar o monopólio.

"Eu sou a favor da regulação econômica. Isso não vale só pra mídia, mas também internet e todos de expressão de liberdade do pensamento."

NA VEJA:

O debate na Band: Aécio Neves foi o melhor no show de horrores (por Rodrigo Constantino)

Terminou agora há pouco o primeiro debate entre os candidatos à presidência, organizado pela TV Bandeirantes. A verdade foi a primeira sacrificada, como de praxe. A língua portuguesa a segunda, em época na qual “nóis pega o peixe” passou a ser aceito como “apenas diferente”, e não mais algo incorreto. Marina Silva não quer que a conquista do tripé macroeconômico se “perda” (sic), o Pastor Everaldo quer que algo “seje” (sic) destacado, e por aí vai.

Mas se a forma fosse o principal ponto fraco, até dava para relevar. O problema é mesmo de conteúdo. Poucas propostas decentes, muita enrolação, fuga pela tangente, dados infundados e promessas vazias. Um espetáculo desprovido de essência, de solidez, de argumentos e propostas efetivas. Perde a democracia, ou talvez seja esta a democracia possível para nosso Brasil de hoje – quero crer que não. Abaixo, um rápido resumo de minha visão por candidato:

Aécio Neves

Foi o que se saiu melhor, sem dúvida. Manteve a postura e a calma, conseguiu colocar Dilma contra a parede em alguns momentos, como no caso da Petrobras, em que lembrou da perda de mais da metade do seu valor nos últimos anos e da transferência do noticiário econômico para o policial, com tantos escândalos e um diretor importante preso. Perguntou se a presidente não gostaria de aproveitar a oportunidade para pedir desculpas pela gestão temerária, o que foi um tiro certeiro. Não fugiu do legado positivo de FHC, das privatizações, como fizeram Alckmin e Serra antes. Soube explorar no final a diferença da equipe técnica, a experiência de Armínio Fraga, contra eventuais “aventuras” ou o “mais do mesmo”, que seria caótico. Teve uma tirada excelente ao dizer que “o sonho de todo brasileiro é viver no Brasil da propaganda do PT”. Só faltou emendar que o sonho da cúpula do PT é mais prosaico: sair da prisão! Pecou pela pusilanimidade ao não explorar melhor o Decreto 8.243, de viés bolivariano, preferindo falar em “preservar a separação dos poderes constitucionais”, em vez de mastigar melhor a mensagem e lembrar que representa o caminho da Venezuela, que o ex-presidente Lula considera viver em “excesso de democracia”. Poderia ter marcado ponto ao defender uma redução da maioridade penal logo de cara, o que não fez. E precisa maneirar nos termos para não reforçar a imagem de elitista. Falar coisas como “avilta” e “estertores” é música para nossos ouvidos, bem machucados pelos demais, mas não quer dizer patavina para um público mais simples. Dito isso tudo, é realmente assustador ver a (falta de) qualidade dos demais e pensar que Aécio poderá nem mesmo estar no segundo turno, o que nos dá vontade de jogar a toalha em ato de desespero e abandonar nosso país (o que, para a tristeza dos golpistas, não faremos).

Dilma Rousseff

Tensa, nervosa, na defensiva, e incapaz de responder uma só pergunta de forma direta. Mas treinou antes as táticas de enrolar e fugir, ou de defender o indefensável. Tenta se comparar ao governo FHC ignorando que foi nele que a inflação começou a ser efetivamente derrotada e que parte da crise na época foi causada pelo próprio PT e o risco Lula. Joga a responsabilidade pela estagflação atual na crise externa. Essa terrível crise externa de que Dilma tanto fala é aquela que fez os demais países emergentes crescerem mais que o dobro do Brasil com menos da metade de inflação? Talvez tenha conseguido enganar alguns incautos, mas em geral se saiu mal e deve ter perdido mais alguns votos, ao menos aqueles que não foram comprados. Enfatizou a importância de um plebiscito popular para uma nova Constituinte, o que é clara tentativa de golpe para quem esteve mais atento nos últimos anos. Fugiu pela tangente quando apertada sobre a relação promíscua com a ditadura cubana. Chamou a atenção, também, o fato de que concentrou sua munição mais em Aécio, sendo que Marina acaba de sair como favorita no segundo turno em nova pesquisa do Ibope. Será que o PT não confia nessas pesquisas e acha que o alvo deve ser mesmo o tucano?

Marina Silva

Postura de Gandhi, de quem paira acima de todos, da disputa partidária, o que é muito irritante para quem não sonha em “salvar o planeta” só com uma bike e comendo alface. Soube explorar a comoção nacional bancando a “viúva” política de Eduardo Campos. Não conseguiu escapar de suas contradições, mas tampouco escorregou feio. Para seu público típico, diria até que foi bem, pois quem acende sempre uma vela para o Diabo e outra para Deus tem como alegar que defende tudo, ou que é contra tudo. Marina é a favor do agronegócio (agora) e da ecologia sustentável. Quer aproveitar o melhor do PT e do PSDB, mas é a resposta para quem não aguenta mais a polarização entre ambos (e finge não ter sido do PT pelos últimos 30 anos). Ganhou pontos com os moderados quando, rebatendo a uma pergunta de Luciana Genro, disse que não dá mais para defender a velha esquerda que se julga dona da verdade absoluta (resta saber se ela não se considera esquerda). Mas quando questionada sobre o programa Mais Médicos, acabou o defendendo, ainda que como “paliativo”. É essa a “nova política” de Marina? Um bolivarianismo paliativo?

Luciana Genro

Uma piada a candidata do PSOL! A velha esquerda caricata, que “acusa” até o PT de neoliberal, lembrando que seu “papai” é não só do PT, como da linha dura esquerdista. A candidata de Gregório Duvivier acha que todos os males do mundo são responsabilidade do tal Capital Financeiro, um monstro mais malvado do que Hitler, pelo visto, como disse jocosamente um amigo. Ela quer combater a inflação com o MST! Mostra intolerância às religiões, especialmente ao cristianismo. E parece crer que as grandes prioridades do país são legalizar todas as drogas, o aborto e garantir mais direitos aos gays e transsexuais. Enfim, o simples fato de alguém com tais “ideias” retiradas diretamente de um panfleto marxista de um século atrás ser candidata e ainda receber o apoio de artistas e “intelectuais” mostra o atraso de nossa política.

Pastor Everaldo

O discurso é bom, mas o mensageiro não convence. Como brincou um leitor, parece que ele aprendeu sobre liberalismo pelo Twitter uma semana atrás. Toca nos pontos certos, fala em estado mínimo, em menos Brasília e mais Brasil, em federalismo com descentralização de poder, em reduzir a maioridade penal e valorizar quem trabalha de verdade, em cortar ministérios, até em privatizar a Petrobras! Mas fica tudo meio solto, sem convencer de verdade, sem o devido embasamento. O discurso certo na pessoa errada.

Levy Fidelix

O mesmo vale aqui. Foi uma surpresa interessante no debate, pois era um dos mais desconhecidos. Tem um jeito engraçado, e resolveu “bombardear” Marina com uma pergunta. Quer privatizar até as prisões (o discurso liberal vai ganhando força finalmente), liberar armas em casa para legítima-defesa e reduzir a maioridade penal. Como o Pastor Everaldo, tem discurso interessante, mas na fonte errada.

Eduardo Jorge

O candidato pelo PV foi a sensação da noite, pelo aspecto pitoresco. Uma espécie de Tiririca entre os outros (Luciana Genro é concorrente de peso quando tenta falar a sério). Pessoas maldosas poderiam até dizer que ele consumiu alguma clorofila estragada ou que tinha alguma substância estranha em sua granola. O fato é que o homem parecia ter saído de um hospício, e não juntava muito o lé com o cré. Chegou a encurtar uma resposta a míseros dois segundos, abrindo mão de seus três minutos, quando sabemos que o tempo é precioso demais em debates. Talvez estivesse com pressa para alguma coisa, em abstinência de granola, com muita fome, não sabemos.

O resumo geral é que nossa democracia é mesmo dominada por amadores, malucos ou safados, e assusta, como já disse, o fato de que o candidato que se destaca em termos de postura e apresentação de ideias corra o risco de sequer chegar ao segundo turno. É de tirar nosso sono mesmo…

Rodrigo Constantino, de VEJA.COM

 

REINALDO AZEVEDO: Aécio foi o melhor; Marina chuta canelas e grita “falta!”

A Rede Bandeirantes realizou ontem o primeiro debate entre os presidenciáveis. Por pouco, os maiores derrotados não são os telespectadores — muitos, creio, acabaram vencidos pelo sono. Três horas é tempo demais. Sei que a obrigação de chamar nanicos para o embate dificulta tudo. Mas que é pedreira, lá isso é. Não é fácil ter de ouvir Luciana Genro, do PSOL, a falar mais besteiras do que Levy Fidelix… O debate teve uma falha coletiva escandalosa, que beneficiou uma das candidatas. Já chego lá.

Um mínimo de honestidade intelectual, acho eu, obriga o crítico atento a considerar que o desempenho do tucano Aécio Neves, entre os três candidatos que contam, foi muito superior ao das adversárias. Respondeu ao que lhe foi perguntado, fez críticas, alinhavou propostas e aproveitou a oportunidade para anunciar o que já se dava como certo, mas sem chancela até a noite desta terça: se ele for eleito presidente, Armínio Fraga vai conduzir a economia. Antes assim. Quem estava em busca de conteúdo, basta rever o programa, encontrou um candidato do PSDB afiado.

Dilma também procurou responder às perguntas, justiça se lhe faça. O problema é que estava notavelmente atrapalhada, tropeçando na sintaxe e na fluência. Era visível sua tensão. Nessas horas, vimos isso já nos primeiros debates de 2010, suas frases se perdem em anacolutos, o ritmo da fala fica quebrado, e a gente tem dificuldade de acompanhar a linha de raciocínio.

Quem estava em busca de pose pôde se satisfazer com Marina Silva, do PSB, que estava especialmente agressiva, inclusive na aparência. Aquele ser doce e angelical do horário eleitoral, que fala sorrindo, com a vozinha quase sussurrante, beirando o meloso, não foi ao debate. Em seu lugar, compareceu uma senhora de cenho fechado, sobrancelhas arqueadas, óculos de leitura postos no meio do nariz, a olhar por cima, de modo arrogante. Quando lhe dirigiam uma pergunta, seu semblante reagia como se lhe tivessem dirigido uma ofensa. Nos dois últimos blocos, suponho que por sugestão de assessores, tirou os óculos e passou a sorrir. Não tivesse enveredado pela política, não faria feio como atriz.

Faço aqui um anúncio: quem conseguir achar uma proposta de Marina — uma só que seja — ganha um prêmio. Ela aproveitou seus momentos de fala para investir em paradoxos tão ao gosto dos que a incensam: ora demonstrava o seu lado inclusivo e reconhecia os benefícios que tanto o PSDB como o PT haviam proporcionado ao Brasil, ora tratava os dois partidos como expressões da velha política; ora dizia que queria governar com todos, ora sugeria que ninguém serve a seus propósitos — a menos, claro!, que passem por uma espécie de conversão. A líder da Rede foi notavelmente agressiva com Aécio e Dilma, mas chegou a lastimar, em entrevista posterior ao debate, o confronto entre os candidatos do PSDB e do PT. Ou por outra: chutava a canela e gritava: “Falta!”.

Incompreensível
Um dado me parece incompreensível. Para que serve um debate? Entre outras coisas, para que candidatos expliquem eventuais incongruências entre teoria e prática. Acho estupefaciente que nem os adversários de Marina nem os jornalistas tenham tratado do que, a esta altura, pode e deve ser visto como um escândalo: o avião do PSB que voada no caixa dois. Marina foi usuária da aeronave, é a herdeira da candidatura do partido, pertence legalmente à legenda e está obrigada a dar explicações, sim.

Pois bem! Nesta terça, o partido emitiu uma nota oficial em que nada explica. Na prática, admite a existência do caixa dois. Mais de uma hora antes do início do debate, o Jornal Nacional levara ao ar uma reportagem da maior gravidade (ver post): uma rede de empresas fantasmas, com seus respectivos laranjas, está envolvida na compra do avião. Isso quer dizer que não se está mais falando apenas de crime eleitoral.

O assunto, por incrível que pareça, ficou fora da conversa, enquanto Marina dava aula de educação moral e cívica para seus adversários e se colocava acima do bem e do mal, como representante da nova política. Talvez os jornalistas tenham deixado o caso para os candidatos. Pode ser que os candidatos tenham deixado o caso para os jornalistas. Quem acabou se dando bem foi Marina Silva, que não teve de lidar com seus fantasmas e ainda apontou o dedo acusador contra os adversários.

Assim, convenham, fica fácil.

Por Reinaldo Azevedo

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Fonte:
Folha de S. Paulo + VEJA

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