No EL PAÍS: O Brasil está emperrado

Publicado em 21/09/2014 01:16
A economia brasileira, exemplo de estímulo durante uma década, começa a ficar paralisada devido ao cansaço do consumo interno, bem quando acontecem as eleições gerais, por ANTONIO JIMÉNEZ BARCA, de São Paulo para o El País, deste sábado

Muitos especialistas previam isso já faz algum tempo e por fim aconteceu há duas semanas: a economia brasileira, a sétima do mundo, enfrentava o segundo trimestre consecutivo de retrocesso do PIB e entrava no que, no jargão dos economistas, é chamado de “recessão técnica”. Paralelamente, a agência classificadora Moody’s baixou, na semana passada, a nota do país em um ponto, passando de “estável” a “negativa”. Nem as cifras, nem a chamada de atenção da agência são alarmantes, mas são significativas: de janeiro a março, o PIB brasileiro recuou 0,2%. Nos últimos três meses o recuo foi de 0,6%. Mais que o alcance, o importante é a novidade. Nos últimos anos, o Brasil só tinha registrado números vermelhos no último trimestre de 2008 e no primeiro de 2009, quer dizer, nos piores dias do turbilhão da crise planetária que sacudiu o mundo financeiro.

Outros países ficaram aí, no buraco, mas o Brasil, animado por um consumo interno vigoroso, pelas exportações à China e um ciclo econômico em alta, se recuperou em seguida. Até agora. Hoje, sem fôlego, o país parece condenado a parar a fim de conseguir recuperar suas forças. A maioria dos especialistas coincide que é uma parada quase técnica, um tipo de tempo morto para recompor suas linhas antes de recomeçar. Mas, no meio de uma disputada campanha eleitoral entre três candidatos cujo primeiro assalto será resolvido no próximo dia 5 de outubro, a notícia da recessão teve o efeito de um tijolo jogado no meio de um tanque. Os candidatos Marina Silva, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Aécio Neves, do mais conservador Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB) se apressaram a acusar a presidenta Dilma Rousseff de não reconhecer seus erros e de ter levado o país a um beco sem saída. Neves foi explícito: “A senhora vai entregar um Brasil pior do que encontrou e isso acontece pela primeira vez em nossa história moderna.”

De 2003 a 2010, coincidindo com os dois governos do carismático Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil cresceu uma média importante de 4% do PIB. Nem sequer a crise econômica que agarrou a Europa e imobilizou os Estados Unidos significou um obstáculo insuperável em sua trajetória ascendente, apenas um tropeção esquecível. Um círculo mágico de exportações bem-sucedidas, sobretudo de soja e sobretudo para a China, crédito fácil que chegava às famílias desejosas de gastar e adquirir, um escasso desemprego com tendência a desaparecer, redistribuição de riqueza graças à ação decidida do Governo que empurrava o aumento de salários o que, por sua vez, voltava para as empresas graças ao gasto e ao consumo, foram os elementos centrais que serviram para alimentar uma roda imparável que levou o país a dar um grande passo à frente. O desemprego caiu de 13% em 2004 para 5% em 2014. E o nível de renda média se elevou de 700 reais em 2003 para cerca de 1.100 em 2013. O Brasil viveu o melhor dos mundos possível. “Às vezes acontece: uma conjunção de astros. Lula tem o mérito de ter conseguido aproveitar as circunstâncias. Mas chupou tanto a laranja que para Dilma Rousseff, que chegou ao poder em 2010, só sobrou a casca. Foi uma época fantástica. Mas acabou. Tudo que é bom acaba”, diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista, ex-ministro de Comunicação do Governo conservador de Fernando Henrique Cardoso e atual diretor da agência Questinvest.

Durante este período de bonança econômica, o Brasil experimentou uma autêntica revolução social: mais de 30 milhões de pessoas, de uma população de 200 milhões, deixaram de ser a base da economia informal e passaram a ter contratos de trabalho e pagar impostos. Com um novo salário mensal médio que varia entre 1.000 e 3.000 reais, esta nova classe social (a chamada classe C no Brasil) foi a que, alavancada pelos créditos baixos, puxou o consumo interno (que constitui 60% do PIB total do país) e empurrou a economia durante esses anos de bonança. “O paradoxo é que essa faixa da população, a que o PT tirou da pobreza e colocou com um contrato de trabalho e garantias de crédito, agora, como está pagando impostos, começa a se fixar em outras alternativas políticas além do PT e olha mais à direita.”

Os dados são surpreendentes: nesta prodigiosa década brasileira, a porcentagem de pessoas que passaram da classe D a C, com contrato de trabalho (portanto, com possibilidades de pedir créditos e, entre outras coisas, ter férias ou seguro-desemprego, quer dizer, transformar-se em autênticos aspirantes a consumidores) passou de ser 1/3 a 2/3. Uma inversão completa que transformou o país. Entre 2004 e 2012, o consumo interno brasileiro disparou para uma média de 7% anual. Um detalhe: em 2004 a venda de carros (como a venda de quase tudo) começou a aumentar: nesse momento chegava aos 100.000 carros por mês. Chegou, em janeiro de 2012, a superar os 300.000. Esta superprodução automobilística explica (além de certos desastres urbanísticos) os monumentais engarrafamentos que torturam hoje as grandes cidades brasileiras, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo, convertendo em central o tema da mobilidade urbana na campanha eleitoral.

O ponto culminante deste crescimento coincidiu com o maior protesto de rua da história moderna do Brasil. Milhares de pessoas, em junho de 2013, saíram em massa às ruas, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, em uma onda imprevista que surpreendeu todo o país - incluindo o Governo - exigindo melhores serviços de transporte, educação e saúde, e reclamando contra, era a opinião geral, os gastos excessivos com a Copa do Mundo. O detonador do protesto foi, precisamente, um aumento mínimo na passagem de ônibus em algumas cidades (que posteriormente foi anulado), mas que constituiu a gota que fez o copo transbordar de uma população que tem a aspiração a entrar de vez no Primeiro Mundo, cansada de andar sempre pelo Terceiro.

Paralelamente aos protestos, em 2013, o combustível que alimentava boa parte desta máquina fenomenal, o consumo interno, começava a dar sintomas de cansaço e acabou se esgotando em 2014. Em 2005, a dívida dos lares brasileiros, incluindo os créditos imobiliários, não passava de 20% da renda total. Hoje supera 45%. “As famílias já chegaram ao limite do endividamento a partir do qual seu orçamento mensal está comprometido decididamente. Daí, entre outras coisas, a diminuição do consumo, uma das causas do retrocesso atual da economia”, diz Fernando Sampaio, da LCA Consultores.

Uma das heranças desta febre consumista agora estancada é a inflação, verdadeiro calcanhar de Aquiles da economia brasileira. O Governo respeitou o, já em si alto, limite de 6,5% estabelecido pelo Banco Central, mas graças ao congelamento artificial de preços como o da gasolina, o que termina afetando, como resultado, a maior empresa do país, a petroleira estatal Petrobrás. Contudo, os especialistas lembram que é um dado que coincide mais ou menos com a inflação do resto dos países emergentes.

O economista Antonio Correia de Lacerda acrescenta que, além desta queda no consumo interno, as exportações caíram pela crise europeia e norte-americana. E especialmente a crise argentina repercutiu na venda de automóveis ao país vizinho. Acrescenta também que a produtividade industrial caiu nos últimos anos como consequência não apenas das quedas nas vendas a nacionais e estrangeiros, mas também pela falta de investimento e pelo peso da enorme burocracia brasileira. Mas assegura que tudo é conjuntural e que em 2015 o Brasil voltará a crescer, a uma taxa de 1,5%. É verdade que não se registrarão mais os números impressionantes da década passada, mas os especialistas coincidem em assegurar que, em compensação, a economia brasileira entra ou já entrou - graças a essa faixa da população que se incorporou à legalidade - em uma fase de estabilidade duradoura.

Um sinal disto pode ser visto no fato de que, apesar da parada, há setores que estão crescendo agora e vão continuar. O setor de seguros, por exemplo. As empresas deste ramo, como explica José Carlos Macedo, da PAN Seguros, passam por um excelente momento e estão vendendo principalmente seguros de vida, de carros ou odontológicos, para essa parte da população que agora tenta assegurar o que comprou nos últimos anos.

A marcha da economia tornou-se um dos temas favoritos da campanha eleitoral. Dilma Rousseff defende um Estado intervencionista e quer perseverar nas políticas de assistência social que seu partido, o PT, está implementando desde 2002. O mais conservador Aécio Neves defende um programa mais liberal, com um Banco Central menos dirigido pelo Governo. Mesma posição que Marina Silva, de origem humilde (aprendeu a ler aos 16 anos), ex-ministra do Meio-Ambiente de Lula, durante muitos anos membro do PT, hoje cabeça de chapa do Partido Socialista do Brasil e a única candidata capaz de vencer a atual presidenta. “Essa faixa decisiva da população, esses 30 milhões de pessoas, não apoiam mais tanto o PT, mas jamais votarão em Aécio Neves, já que não é um deles. Pelo contrário, Marina Silva, de origem muito humilde, mas com um programa econômico mais liberal, é mais atrativa eleitoralmente”, explica Luiz Carlos Mendonça de Barros.

“No fundo, o que está por trás de tudo isso é uma grande perda de confiança, tanto dos empresários quanto dos consumidores. É preciso acrescentar incerteza a esta falta de confiança. As pessoas não sabem o que vai acontecer e não compram. E por que caiu a confiança? Pois, não se sabe. Isso as pesquisas não dizem”, Sampaio responde sua própria pergunta. Este especialista acrescenta que, ao longo dos últimos anos, o Brasil sofreu crises parecidas, mas que mesmo com piores números em relação ao desemprego ou à produtividade, essa confiança não desabou. “E agora, sim. É algo inclassificável. Um pessimismo difícil de medir. Que talvez tenha a ver com um excesso de otimismo anterior, com a certeza de que ia ser tudo muito fácil, e não foi assim, por isso a queda repentina. Talvez tenha a ver também com as manifestações ocorridas há um ano e meio, com o desencanto que mostraram e que se converteu, talvez, em algo contagioso.” Na opinião de Sampaio, será trabalho do próximo Governo, seja qual for, seja do partido que for, recuperar essa confiança para o país inteiro. “Ao ser algo bastante subjetivo, pode ser que passe rapidamente e possamos voltar a um crescimento baixo, mas sem crises, sem recessões. Antes tínhamos crise de balança de pagamentos, de falta de dólares. Agora isso não acontece. Temos uma reserva de 380 bilhões de dólares. Agora é algo mais difuso, no entanto também mais normal. O de antes, esse crescimento tão importante, também era anormal. Agora ingressamos na normalidade.”

Cristina Fernández em Formosa (Argentina) nesta terça-feira. / EFE

 
O Brasil padece, e a Argentina se ressente

A estagnação brasileira rebate na terra de Cristina Kirchner, que já tem problemas de sobra, por CARLA JIMÉNEZSão Paulo

O Brasil, assim como a América do Sul, já viveram dias bem melhores. Um passado em que os presidentes dos países vizinhos se miravam em Lula como exemplo de administração, quando ele gozava de grande popularidade com seus feitos econômicos. O ex-presidente surfava, naquela época, numa onda chinesa que veio compensar as perdas da crise financeira de 2008, que atingiu de frente os Estados Unidos e a Europa. Surfava, também, na expansão de crédito que garantiu o boom do consumo no mercado interno.

Em 2010, o Brasil teve um invejável crescimento de 7,5% do PIB, um número pouco usual para uma nação que vive, há décadas, uma expansão a um ritmo baixo. Houve uma sensação momentânea de que o país havia deixado para trás o que os economistas apelidaram de crescimento a “voo de galinha”, aquém de suas possibilidades. Mas, a letargia da atividade este ano, com demissões na indústria, e um consumidor mais retraído, deixam claro que o país não conseguiu se desvencilhar desse modelo.

A estagnação brasileira acaba atingindo também um dos seus principais parceiros comerciais, a Argentina. O Brasil compra de alimentos a carros da terra de Cristina Kirchner. Mas, neste ano, as importações do país vizinho, que é o terceiro parceiro do país, depois da China e dos Estados Unidos, já caíram quase 20%. “O Brasil continua sendo a economia mais dinâmica da América do Sul e o segundo emergente com estrutura econômica mais diversificada, só perdendo para a China. Nesse sentido, é natural que os movimentos da economia brasileira afetem os nossos vizinhos. Isso ocorre, por exemplo, pela via comercial, sobretudo no segmento de bens industriais”, afirma Octávio de Barros, economista chefe do banco Bradesco.

Dante Sica, economista argentino da consultoria Abeceb.com, explica que a Argentina sempre é afetada quando o Brasil cresce abaixo de 1,5%. Com a perspectiva de expansão de 1% este ano, segundo o Governo, e de 0,33%, segundo os analistas financeiros, os argentinos dificilmente sairiam ilesos. Sica lembra que os problemas domésticos já são tão grandes para Kirchner, que os efeitos da crise brasileira ficam em segundo plano. “Enquanto a Argentina não fechar acordos com seus credores [fundos abutres], continuará seu ciclo recessivo”, avalia.

Os argentinos, em todo caso, estão atentos ao processo eleitoral brasileiro, pois se está ruim com o governo de Dilma Rousseff, há um temor de mudanças bruscas caso a candidata do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Marina Silva, seja a próxima presidenta. “As primeiras expressões de Silva sobre a Argentina e o Mercosul têm sido duras. Mas seja quem for a vencedora, o Brasil precisa mudar a política econômica para voltar a se recuperar”, completa Sica.

Ingo Ploger, presidente do Conselho Empresarial da América Latina, acredita, no entanto, que o contágio brasileiro é relativo. “O Brasil é mais parte da solução do que do problema dos argentinos agora”, acredita. De fato, se o Brasil está comprando menos, eles também estão comprando menos daqui: quase 25% a menos, entre janeiro e agosto. O saldo comercial ainda é positivo para os vizinhos, que substituíram produtos manufaturados brasileiros por itens chineses. “Enquanto houver escassez de dólares, e a China oferecer financiamento para comprar seus produtos, será assim”, acredita Dante Sica.

As exportações para o Mercosul, que incluem as vendas tanto para a Argentina, como para o Paraguai e Uruguai, estão hoje na casa dos 13 bilhões de dólares, de janeiro até agosto, enquanto que no ano passado foi de 24,6 bilhões de dólares. “Provavelmente, não vamos conseguir empatar com os valores do ano passado”, acredita Barros, do Bradesco. Fica evidente o peso do mercado argentino nesse resultado, uma vez que as exportações brasileiras para o mercado uruguaio e paraguaio cresceram 40% e 9,5%, respectivamente, comparado ao mesmo período do ano passado. Os dois juntos, porém, representam uma fração ínfima do comércio exterior do Brasil.

O economista lembra que no caso específico do Mercosul, os principais itens da pauta exportadora brasileira são industrializados, o que tende a aumentar os desafios ao setor manufatureiro nacional. Hoje, a pauta brasileira está concentrada em commodities (mais de 70%), e a perda de competitividade em manufaturados prejudica a indústria, que vem sangrando desde o início do ano.

As exportações, em todo caso, representaram atualmente 12,6% do PIB do ano passado, ou seja, o grosso da economia brasileira está concentrada no mercado interno. “O comércio exterior é relevante para o Brasil, mas não é o vetor mais dinâmico de crescimento doméstico. Consumo das famílias e investimentos têm tido esse papel e creio que deverão continuar tendo nos próximos anos”, observa Barros, do Bradesco. “Manter ou melhorar as condições para esses componentes avançarem é o caminho”, alerta o economista.

A desaceleração chinesa influenciou o preço das comodities e está afetando o resultado da balança comercial, que deve fechar este ano com um pequeno saldo comercial, abaixo de 1 bilhão de dólares, segundo projeções da Associação dos Exportadores do Brasil (AEB). Em 2013, o saldo foi de 2,56 bilhões, já bem abaixo dos 19,4 bilhões do ano anterior.

O valor de mercado das principais vedetes brasileiras, soja e minério, está em queda e, embora o volume exportado seja similar ao do ano passado, a matemática é inexorável. “Só não teremos um déficit na balança porque as importações também estão caindo”, observa José Augusto Castro, presidente da AEB.

Apesar dos pesares, há alguns indicadores que demonstram que o Brasil continua na guerra para ao menos preservar seu lugar ao sol. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a instituição pública de fomento, que financia exportações de bens e serviços, deve direcionar 2,8 bilhões de dólares para a venda de empresas brasileiras ao mercado externo. Em 2013, esse número foi de 2,5 bilhões de dólares.

Luciene Machado, superintendente da área de comércio exterior do banco, explica que nesse valor estão incluídas operações de venda de produtos manufaturados e de serviços de empreiteiras, por exemplo, para a construção de hidrelétricas, rodovias, etc, em países parceiros. “São projetos de médio e longo prazos, em mercados onde as empresas brasileiras são competitivas, como a América Latina e África”, diz Machado. Só em serviços, que inclui a engenharia de obras infraestrutura, o valor é 1,3 bilhão de dólares.

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Fonte:
brasil.elpais.com

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