Governo quer intervir mais no futebol: agora é que não ganhamos nem da seleção do Butão!

Publicado em 10/07/2014 16:02 e atualizado em 07/03/2020 17:20
por Rodrigo Constantino, de veja.com.br

Governo quer intervir mais no futebol: agora é que não ganhamos nem da seleção do Butão!

O comunista quer controlar até o nosso futebol. Fonte: Estadão

“Se colocarem o governo federal para administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia.” - Milton Friedman

Parece piada. Mas no Brasil as coisas são assim mesmo: você começa duvidando, achando que é uma brincadeira, e depois recolhe o queixo no chão ao descobrir que falavam a sério. Foi minha sensação ao ler no Estadão que Aldo Rebelo, o ministro dos Esportes, acha que é papel do estado cuidar do futebol brasileiro:

Dois dias depois da humilhação do Brasil na Copa, o governo anuncia que quer assumir parte das funções de legislar sobre o futebol, exige mudanças na estrutura do esporte e rejeita a ideia de que a CBF pode, sem participação estatal, administrar o setor.

A Fifa proíbe que governos promovam qualquer intervenção nas federações nacionais, sob a ameaça de expulsar o país das Copas. Mas Brasília estima que existe espaço para agir.

“Eu sempre defendi que o Estado não fosse excluído por completo do futebol”, disse Aldo Rebelo, ministro dos Esportes. “É uma intervenção indireta”. Segundo ele, existe áreas de “interesse público”  e uma mudança pode alcançar até mesmo a CBF.

“Isso se houver uma reforma na lei que de ao estado a atribuição de regular. A Lei Pelé tirou do estado qualquer tipo de poder de atribuição e poder de intervenção. Ela determinou a prática do esporte como algo privado, atribuição do mundo privado e isso só pode ser modificado se a legislação também for modificada”, declarou.

“Se depender de mim, não teríamos tirado o estado completamente dessa atribuição. Se depender de mim, parte dessa atribuição deve voltar”, defendeu Aldo Rebelo.

Se há um “esporte” nacional que tem ainda mais fãs do que o futebol, é a estatolatria, a arte de delegar tudo ao estado, visto sempre de forma idealizada, como um ente formado por santos clarividentes, abnegados e onipotentes. Há um problema? Então a solução é uma nova lei, ou mais intervenção estatal. Isso é uma doença, uma patologia nacional.

A “lição” que o ministro comunista tirou da goleada foi essa: faltou estado! Nada a ver com a falta de treinos, com o estilo “paternalista” do técnico, com a negligência, a esperança acima do trabalho árduo, a escalação equivocada, etc. O problema é que o estado não estava tomando conta da coisa! Qual o próximo passo? Criar o programa “Mais Jogadores” e importar atletas cubanos?

Curiosamente, o estado alemão não se mete na seleção do país, mas isso não a impediu de meter a humilhante goleada na nossa. Outra curiosidade bastante irônica: todas as áreas em que o Brasil é lanterna mundial são justamente aquelas com mais controle estatal, como educação, saúde, infraestrutura e segurança. Coincidência?

Aldo quer rever até mesmo essa coisa de “exportar” jogadores: ”Precisamos discutir a legislação do ponto de vista de trabalho de menores. Somos exportadores de matéria prima e somos importadores de produto acabado”. Ora, ministro da foice e do martelo, isso se deve aos incentivos em jogo! Os atletas migram para onde há melhores condições de carreira.

Assim como há o “brain drain” quando se trata de atividades intelectuais, com os melhores cérebros atraídos pelas universidades de ponta dos países desenvolvidos, há também o “body drain”, quando atletas são convidados para jogar em países cujo ambiente esportivo é melhor.

Sabe qual a solução, ministro? Melhorar as condições internas! E sabe como se faz isso? Dica: não passa por mais intervenção estatal ou medidas “protecionistas”, que apenas retirariam as liberdades básicas dos jogadores; e sim pela redução de tantos obstáculos criados pelo próprio governo!

De certa forma, o nosso futebol é um microcosmo de nosso país: tomado por bandidos, cartolas, incompetentes, com raras exceções. O jeitinho e a malandragem imperam, e falta profissionalismo. Acreditar que a estatização vai resolver isso é realmente tão absurdo, mas tão absurdo, que só poderia sair da caixola de alguém que ainda pertence a um partido que tem comunista no nome, em pleno século 21!

Por favor, ministro, vamos aprender realmente alguma lição com isso tudo. Chega de “soluções mágicas”, de sensacionalismo, demagogia, intervencionismo estatal. Essa mania de querer controlar tudo de cima para baixo é bizarra. Está na hora de valorizar mais a liberdade.

Incluir até o futebol no discurso nacionalista, para justificar intervenções estatais com base no argumento de “interesse nacional” e “setor estratégico”, seria hilário, não fosse trágico. Se o estado realmente se intrometer no assunto, aí é que não ganharemos mais nada. Nem da seleção do Butão!

Rodrigo Constantino

 

Democracia

Apesar de você amanhã há de ser outro dia

Sim, o título vem da música de Chico Buarque, ícone da esquerda caviar. Ao contrário da própria esquerda, sei separar as coisas. Combato o Chico socialista e hipócrita, engajado, petista, amigo de tiranos e desfrutador das benesses capitalistas. Mas posso apreciar o Chico compositor. E, convenhamos, sua música em questão se aplica perfeitamente aos dias de hoje. Vejam:

Apesar de você

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu

Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro

Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
Lá lá lá lá laiá

Cada um escolha o “você” acima. Já foi o regime militar, claro. Hoje eu fico com Dilma e Felipão. Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia. A esperança está na UTI, mas é a última que morre.

Por falar em Dilma, em entrevista para a CNN e tentando se proteger do impacto com a frustração dos brasileiros na Copa, ela disse: ”As pessoas devem entender que, apesar de todas as adversidades, o fato é que o Brasil organizou e sediou uma Copa considerada por mim uma das melhores Copas. E isso é sobretudo por conta da habilidade do povo brasileiro de ser hospitaleiro“.

Concordo! Acho positivo Dilma admitir que o relativo sucesso desta Copa, que não foi exatamente a “Copa das Copas” (ufanismo bobo na tentativa de politizar o evento por parte do próprio governo), se deveu à hospitalidade do povo brasileiro. Ou seja: uma vez mais, foi um sucesso apesar de você, Dilma.

A infraestrutura não é boa, e teve até viaduto assassino caindo e matando duas pessoas. Os aeroportos não são bons. O trânsito é caótico, e os governos resolveram dar feriados durante os jogos. O país praticamente parou para ver a Copa. Isso não é coisa de primeiro mundo. Isso é gambiarra, jeitinho, malandragem, resolver os problemas nas coxas.

Mas a animação valeu. Foi o povo que fez a festa, que compensou a falta de preparo por parte das autoridades, que tiveram, não custa lembrar, sete anos para organizar tudo. Foi o povo que espalhou felicidade mesmo com uma seleção jogando bastante aquém de seu potencial, sem muitas condições de honrar o peso do pentacampeonato.

Infelizmente, não deu. Não deu nem pro começo com a Alemanha. Ficou a humilhação e, de preferência (espero eu), a lição: não dá para confiar apenas na sorte ou no “futebol arte”. Que o país possa amadurecer na adversidade, e entender também que o esporte é divertido, até importante, mas jamais pode ser um substituto de autoestima para a falta de motivos para um legítimo orgulho nacional.

Crescer nas adversidades é, de fato, o que o brasileiro se acostumou. Uma vez mais: apesar de você, ou seja, o governo, a burocracia, os impostos, as leis trabalhistas, a péssima qualidade das escolas públicas. O país poderia crescer muito mais sem tantos obstáculos criados pelo governo, e que Dilma conseguiu expandir, piorar.

Sim, não resta dúvida: tudo pode ser muito melhor e será, apesar de você!

Rodrigo Constantino

 

Corrupção

Abreu e Lima: mais escândalos na Petrobras

Fonte: GLOBO

Deu no GLOBO: Auditorias apontam favorecimento a empreiteiras na obra da refinaria

Auditorias internas da Petrobras revelam que a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, contou com projeções de lucro acima do mercado por fornecedores, favorecimento em licitações, contratações sem concorrência e sem disputa e pagamentos a mais a empreiteiras. Os relatórios inéditos, obtidos pelo GLOBO, foram elaborados entre 2011 e 2014 e detalham supostas irregularidades num empreendimento cujo orçamento saltou de US$ 2,3 bilhões para mais de US$ 20 bilhões, valor do gasto total estimado até novembro deste ano, data prevista para o início do funcionamento da refinaria. O superfaturamento em Abreu e Lima, segundo as estimativas mais recentes do Tribunal de Contas da União (TCU), ultrapassa R$ 1,1 bilhão.

Um relatório de sete páginas, elaborado por três auditores da Petrobras, apontou um lucro indevido projetado pelo Consórcio Alusa-CBM, responsável por um contrato de R$ 651,7 milhões. Para implantar a unidade da carteira de enxofre da refinaria, o consórcio estimou um lucro de 12%, inclusive para a elaboração do projeto, delegada a outra empresa. Os auditores compararam, então, esses ganhos com o “ranking” das 14 maiores construtoras, cuja margem média de lucro era de 7%, “sendo que 60% dessas empresas apresentaram percentuais inferiores ou iguais a 6%”.

[...]

Outra equipe de três auditores lançou suspeita sobre um segundo contrato com a Alusa*. A empresa foi contratada por R$ 921 milhões para realizar do projeto executivo à implementação da casa de força da refinaria. A Alusa, porém, não atendia aos requisitos expressos no edital de licitação. Na ocasião, em 2008, foram encaminhados convites a 12 empresas. A empreiteira só conseguiu participar após enviar e-mail a um gerente da área de engenharia demonstrando interesse em disputar.

As investigações estão apenas começando, raspando a superfície do monstrengo. Um projeto inicialmente orçado a US$ 2 bilhões que já consumiu quase dez vezes mais levanta inúmeras suspeitas. Abreu e Lima pode fazer Pasadena parecer brincadeira de criança, roubo de ladrão de galinha. É preciso ir bem mais a fundo, pois desse mato deverá sair muito cachorro.

Independentemente de falcatruas, que devem ter aos montes, fiz um “valuation” da refinaria com base em estimativas de seu fluxo de caixa, e encontrei um valor presente negativo de cerca de R$ 30 bilhões!  A Petrobras vem sangrando ano a ano, endividando-se e perdendo valor de mercado em velocidade impressionante.

Estamos vendo um sistemático ataque a maior empresa nacional, de propriedade mista e controle estatal. Os acionistas minoritários, que indiretamente somos todos nós, pagam o preço da incompetência, negligência, politicagem  e corrupção dentro da empresa. É necessário punir os culpados. Algo assim simplesmente não pode ficar impune.

* A assessoria de imprensa da Alusa envia a seguinte nota de esclarecimento:

A Alusa Engenharia refuta completamente as acusações e suspeitas que foram lançadas na reportagem publicada pelo jornal O Globo. A empresa lamenta que não tenha sido ouvida antes pelo jornal. Cabe esclarecer que a empresa não tomou conhecimento de qualquer auditoria interna, nem mesmo jamais foi procurada pelos supostos auditores para prestar quaisquer esclarecimentos. Reforçamos que todos os contratos são absolutamente regulares e estão de acordo com o objeto da contratação. As margens de lucro apontadas pela reportagem nem de longe correspondem à realidade. Esclarecemos, ainda, que a Alusa preencheu todos os requisitos para participar da concorrência e disputou o certame em igualdade de condições com as demais empresas.

Assessoria de Imprensa da Alusa Engenharia

Rodrigo Constantino

 

Crise InternacionalEconomia

Fim de estímulos americanos exige muita cautela nossa

Janet Yellen, do Fed

Deu no GLOBO: BC dos EUA marca para outubro fim do programa de estímulos

O maior programa de estímulos financeiros já colocado em prática nos Estados Unidos será encerrado em outubro deste ano. Daqui a três meses, informou nesta quarta-feira o Federal Reserve (Fed), banco central americano, será feita a última aquisição mensal de títulos soberanos e lastreados em hipotecas, o chamado Quantitative Easing (QE), no valor de US$ 15 bilhões. Herança da grave crise desencadeada pela quebra do banco Lehman Brothers, o programa – que representa injeção de recursos no mercado para destravar o crédito – está em sua terceira fase, já consumiu US$ 4 trilhões desde novembro de 2008 e foi um dos principais responsáveis pela saída da economia americana do abismo.

Em dezembro de 2013, o Fed havia anunciado que terminaria o QE3 ao longo de 2014, com reduções mensais de US$ 10 bilhões no volume de compras, que até então era de US$ 85 bilhões. Na semana passada, o Comitê de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês, o equivalente ao Copom brasileiro) fixou para julho o patamar de US$ 35 bilhões. No ritmo definido, chegaria-se a outubro com US$ 15 bilhões, deixando aberta a possibilidade de que o encerramento ocorresse em dezembro, com corte final de US$ 5 bilhões.

“A maioria dos participantes (do FOMC) vê esta questão como uma tecnicalidade, sem consequências macroeconômicas práticas”, afirmou o Fed na ata da reunião, divulgada ontem. “É apropriado encerrar as compras de ativos com uma redução de US$ 15 bilhões (…) Se a economia evoluir da forma que o Comitê espera, essa redução final ocorrerá no encontro de outubro”.

É verdade que a retirada dos estímulos já vem sendo esperada faz algum tempo, mas mesmo assim ela representa perigo para as economias. Afinal de contas, é impossível saber até que ponto foram tais estímulos monetários que seguraram a principal economia do mundo até aqui, ou garantiram o fluxo de capital para países emergentes, como o Brasil.

Uma boa analogia é com um paciente na UTI, que começa a mostrar sinais de recuperação, mas os médicos ainda não sabem até que ponto isso depende dos remédios administrados na veia. Será que o paciente pode continuar com sua gradual recuperação sem tais estímulos? Ninguém sabe ao certo.

Outra analogia ainda melhor é com um bêbado ou viciado. Sua euforia depende da manutenção da dosagem da droga. Na verdade, costuma seguir a lógica de retornos decrescentes, e cada vez é preciso injetar mais droga para sentir a mesma euforia. Até que ponto ele suportará a ressaca quando a liquidez não estiver mais disponível?

Já escrevi aqui alguns textos sobre isso, um deles com base nos alertas de Stephen Roach. O S&P 500, índice de ações das maiores empresas americanas, está perto dos 2 mil pontos. Isso pode sinalizar tanto a crença na recuperação econômica como a liquidez abundante provida pelo Fed, e nada mais. Quando os estímulos forem de fato retirados é que saberemos a resposta.

No passado, sempre que um QE era terminado os ativos acusavam o golpe, entravam em queda acentuada, isso tinha impacto nas expectativas econômicas e o Fed iniciava nova rodada de estímulos. É como um ciclista que não pode parar de pedalar, pois quando para perde o controle e a direção. Será diferente desta vez? Ou será que o Fed criou uma enorme armadilha, tornando o mundo inteiro dependente de suas injeções de adrenalina? Quem viver, verá…

Rodrigo Constantino

 

Filosofia políticaPolítica

Por uma direita sã

Por Lucas Berlanza Corrêa*, publicado no Instituto Liberal

Uma nova atmosfera se desenha, um esperançoso painel parece se configurar em nossa frágil e combalida democracia. Aqui e acolá, vê-se o despontar de um movimento em reação ao status quo político-ideológico, até então quase que plenamente sufocado por um único lado do espectro. A política partidária e os espaços culturais, editoriais e midiáticos, restringindo-se quase por completo a diferentes tons de vermelho, hoje assistem a uma articulação louvável à direita do quadro político. Amplia-se a consciência do mal causado ao país por lideranças bolivarianas, mergulhadas no socialismo mais “jurássico” – como já dizia o saudoso Roberto Campos, mente lúcida em terreno inóspito. Essa “nova direita” – ou, se preferirem, esse novo grupo de “anti-esquerdistas” – se caracteriza pela pluralidade.

Encontramos pessoas de mentalidades bastante diferentes, com gostos distintos e opiniões distintas; há desde o liberalismo mais radical até o liberal-conservadorismo, convivendo com algumas rusgas e discussões ainda incipientes, mas caminhando no propósito de ampliar sua significância e obter cada vez mais consistência popular. As divergências são saudáveis, e é uma característica nossa, seja exatamente em que matiz nos encaixarmos, não nos reduzirmos a um pensamento de manada típico de nosso oponente comum, que se pretende um grande Leviatã a engolir toda a diversidade e destruir o debate público. Mas uma bandeira sólida temos todos em comum, que nos identifica como contrários ao que aí está: a ordem liberal. Propomos todos, com essas ou aquelas diferenças de tom, a importância da livre iniciativa, da propriedade privada, da responsabilidade individual; reclamamos descentralização de poder e economia de mercado. E disto não podemos abrir mão, sob pena de nos diferenciarmos do inimigo fundamentalmente apenas na retórica.

Essa lição temos a aprender com a história de nosso próprio país. Lá se vai um bom tempo em que pululam anticomunistas no Brasil que, em que pese atacarem ou até perseguirem a esquerda, adotam posturas ou convicções bastante distanciadas dos pilares que acabamos de destacar. Estes acabam se tornando, antes que presenças positivas e estimulantes (com discordâncias aqui e acolá, como temos entre nós), uma variante esdrúxula do que eles mesmos teoricamente se propõem a combater. Neste afã, muito necessário, de reagirmos ao mainstream, precisamos nos lembrar disso e evitar que mentalidades similares assumam protagonismo e respondam, perante a percepção pública, por todos nós, pelo simples fato de se apresentarem como críticos dos socialistas ou do petismo. Já tivemos o movimento integralista – que ainda existe em alguma quantidade -, com seu discurso nacionalista exacerbado e sua oposição ao capitalismo liberal. Tivemos também Getúlio Vargas, com sua ditadura anticomunista, mas extremamente centralizadora. Entre boa parte dos governos militares, também encontramos a mesma característica.

Mas gostaríamos de ilustrar este alerta com um exemplo mais recente. Com todos os respeitos que lhe devemos, o conhecido médico e político Enéas Carneiro (1938-2007), com seu partido PRONA (Partido da Reedificação da Ordem Nacional) e seu famoso slogan “meu nome é Enéas”, pronunciado estridentemente, chamava a atenção até há alguns anos atrás por seus discursos frontalmente antipetistas e anticomunistas e sua verve nacionalista (chegou mesmo a ter por grande projeto a criação da bomba atômica!). Não deixou de fazer denúncias interessantes, e afirmações de alguma coerência. Era, inegavelmente, uma figura de grandes conhecimentos. No entanto, seu comportamento fez dele e de sua experiência política uma lamentável caricatura. O melhor meio de atestar isso é consultar os registros de uma sua entrevista ao programa Roda Viva, por ocasião das eleições de 1994. Vejamos algumas de suas pérolas:

“O PRONA defende um Estado forte, técnico e intervencionista, um Estado que se preocupe realmente com a nação e que não seja propriedade de um grupo reduzido de políticos.”

Enéas infelizmente não explica como evitar que esse “Estado intervencionista” funcione como mera ferramenta de preenchimento dos bolsos desses mesmos políticos, receita que os socialistas que ele combatia não identificaram até o momento – nem, sejamos francos, quiseram identificar.

Referindo-se a Fernando Henrique Cardoso, que todos que têm um pingo de bom senso sabem ser um social-democrata (ainda que de um tipo mais civilizado, tendo sido capaz de privatizações, o que é inerentemente positivo, a despeito de se poder discutir como foram feitas), Enéas se expressa como um típico esquerdista, ao dizer que “é um homem que defende um processo neoliberal que estraçalhou a Argentina”. Bastou ver a palavra “neoliberal”, que serve atualmente para significar qualquer coisa, e já podemos ligar nosso desconfiômetro…

Mais à frente, Enéas consegue dizer-se um defensor da livre iniciativa e da economia de mercado, mas ao mesmo tempo um crítico do “neoliberalismo” e proponente de um Estado “intervencionista”, como já vimos. Faltou mostrar a mais mínima coerência em sua plataforma, onde ele pouco mais fez que usar palavras fortes e tentar conciliar o inconciliável. Mais não diremos; aos interessados a entrevista está disponível na Internet, no site da Memória Roda Viva. Basta acrescentar que Getúlio Vargas e Fidel Castro são elogiados na entrevista – o primeiro, reconhecido por Enéas como um grande estadista “preocupado com a nação”, e o segundo, pasmem, pela sua “personalidade forte” e sua “coragem de enfrentar o monstro”. Que monstro? Ora, os malditos ianques, os porcos neoliberais do Ocidente, os EUA. Acredite se quiser. Com uma direita assim, quem precisará de esquerda?

Procuramos nos expressar com todo respeito à memória do falecido Enéas Carneiro, que reputamos como um homem de bem. Entretanto, o alerta é válido, muito válido. Não nos permitamos associação com certos nacionalismos enviesados (particularmente, sem que eu me oponha, de forma alguma, a um saudável patriotismo) e com retóricas ufanistas que, sob o pretexto de atacarem o socialismo, uma vez que assumem o poder, oferecem aos mesmos socialistas a faca e o queijo para que se deliciem em apontar fracassos. Somos diferentes entre nós, e nada contra isso; mas faremos juntos a verdadeira diferença no contexto nacional, enquanto os méritos e virtudes da ordem liberal forem nossa bandeira comum.

*Graduando do 6º período do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Fonte:
Blog Rodrigo Constantino (VEJA)

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