Blog do Josias: Ao falar de 2018, Lula antecipa o ‘fim’ de Dilma

Publicado em 30/08/2015 17:09 e atualizado em 30/08/2015 18:16
por Josias de Souza, do UOL

Visto pelo ângulo da propaganda de Dilma-2014, o Brasil iniciado em 2015 seria próspero e radioso. Não chegou. Nem se dignou a mandar dizer por que não veio. Em meio à onda de decepção, Lula recorre a um velho truque. Já que o amanhã de ontem não se realizou hoje, ele se apresenta como alternativa para 2018. Faz isso porque sabe que no futuro cabe tudo, pois nada pode ser cobrado nem conferido.

A movimentação de Lula, intensificada nas últimas 48 horas, deixa Dilma em má situação. Num instante em que a Lava Jato pesa-lhe sobre os ombros como um passado que não passa, jogam-lhe nas costas um futuro que não a inclui. Ao insinuar que não vê a hora de deixar o banco de reservas, o criador deixa claro que nem ele está gostando do que sua criatura anda fazendo em campo.

Neste sábado, discursando em São Bernardo, seu berço político, Lula disse coisas assim: “A direita desse país resolve dizer que o Lula está morto, que o Lula já era. […] Você só consegue matar um pássaro se ele ficar parado no galho olhando para você. Então, é o seguinte: eu voltei a voar outra vez.''

Em essência, a frase de Lula sobrevoa a ideia de que Dilma tornou-se uma presidente de asas quebradas com três anos e quatro meses de mandato pela frente.

 

Vaivém da CPMF expõe um desgoverno tonto, por Josias de Souza 

 
 

Aprovada por apenas 8% dos brasileiros, Dilma Rousseff é a presidente mais impopular do Brasil pós-redemocratização. Preside duas crises, uma política e outra econômica. Numa, conta votos no Câmara para evitar a abertura de um processo de impeachment. Noutra, cavalga uma ruína que combina três elementos de alta combustão: recessão, inflação e desemprego. Contra esse pano de fundo, a presidente decidiu testar a paciência alheia propondo a recriação da CPMF. A ideia durou 48 horas. Serviu apenas para potencializar a impressão de que Dilma tornou-se gestora de um desgoverno.

Proposta pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda), a ressurreição da CPMF começou a morrer numa conversa de Michel Temer com Dilma. O telefone do vice-presidente soou perto das 17h de quinta-feira, quando a novidade já estava pendurada nas manchetes. Ele dirigiu à presidente duas perguntas singelas: 1) o Levy já consultou os empresários? 2) a senhora já conversou com os líderes no Congresso? Não! O governo não consultura ninguém.

Temer tomou distância da encrenca. E previu que o governo arrostaria nova derrota no Congresso. Dilma respondeu que contaria com o apoio dos governadores. Na noite de sexta-feira, num jantar com governadores do Nordeste, em Fortaleza, a presidente tomou um choque de realidade. Até o piauiense Wellington Dias, do PT, levou o pé atrás. Resultado: inflado na quinta, o balão da recriação da CPMF murchou neste sábado, após reunião de Dilma com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Nelson Barbosa (Planejamento). O Planalto informa que a ideia continua no forno. Pode ressurgir num futuro debate sobre a diversificação das fontes de financiamento da Saúde.

Se a tentativa de trazer de volta a CPMF desafiava a paciência, o lero-lero segundo o qual o tributo irrigaria o orçamento da Saúde ofende a inteligência das ruas. O ministro Levy trouxe o imposto-defunto à mesa como salvação para um buraco de R$ 80 bilhões no Orçamento da União de 2016. A peça orçamentária tem de ser enviada ao Congresso nesta segunda-feira. Quer dizer: o desgoverno dispõe de poucas horas para providenciar uma mágica nova.

 

Na TV, Michel Temer já faz pose de pós-Dilma

A esse ponto chegou o Brasil: a crise deu ao PMDB, até aqui uma superestrutura pendurada no ar, um sentido de urgência. Dilma Rousseff deu a Michel Temer, por por ora um vice tratado como versa, uma sensação de utilidade. Servindo-se de um espaço que a lei assegura ao PMDB, Temer fará sua estreia no papel de pós-Dilma em comerciais exibidos a partir de terça-feira no horário nobre da TV, no intervalo de ‘A Regra do Jogo’, a nova novela das 21h.

“O Brasil vive momentos difíceis, mas já enfrentamos crises ainda maiores”, dirá Temer, rosto grave, num dos oito comerciais de 30 segundos que o PMDB levará ao ar. “Questões que pareciam insuperáveis, sempre demos a volta por cima. E não vai ser diferente agora”, ele prosseguirá, fronte crispada. “O momento pede equilíbrio, o momento pede grandeza. A hora é de diálogo, de ouvir, de reunificar a sociedade'', acrescentará, antes do arrematar: “O Brasil é um só. E sempre vai ser maior e mais importante do que qualquer governo. Esta é a verdade.”

A política é feita de poses. No momento, há três poses relevantes na praça: Dilma faz pose de quem preside. Mas já não há por trás da faixa presidencial nada que consiga projetar as aparências mínimas do poder. Lula finge que nada tem a ver com a conversão do PT em organização criminosa ou com o estilhaçamento do governo de sua “poste”. E faz pose de 2018. No esforço para salvar a própria pele, joga terra sobre os três anos e quatro meses que faltam para Dilma voltar para casa.

Imiscuindo-se entre o desespero do criador e a fantasia da criatura, Temer faz pose de solução constitucional, capaz de “reunificar a sociedade” caso sobrevenha a “grandeza” da renúncia de Dilma ou “a volta por cima” de um impeachment. A pose de Temer não se destina à sociedade. O vice de Dilma acena para dentro. É como se abandonasse o estilo lhano e, voltando-se para o Congresso, gritasse para a oposição hesitante e para o governismo atônito: “Para bons entendedores, meia palavra basta. Entenderam, …becis?”

As duas portas de saída que levam a Temer —a renúncia ou o afastamento da titular— não retirariam o país do beco sem saída em que se encontra. Apenas aplicariam na conjuntura uma meia-sola prevista na Constituição. Mas cabe perguntar: trocar Dilma por Temer para quê? Gente de boa vontade, como o deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), diz que a coisa poderia funcionar se resultasse na construção de uma transição à moda de Itamar Franco —o vice que herdou o caos produzido por Fernando Collor e permitiu ao país, meio aos trancos, livrar-se do pântano com a edição do Plano Real.

Antes, é preciso rezar para que o petrolão não respingue óleo queimado em Temer e decidir o que fazer com o entulho do PMDB. Renan Calheiros e Eduardo Cunha também protagonizam comerciais que o partido exibirá na TV. “Governos passam, e o Brasil sempre vai ser maior do que qualquer governo'', afirma Renan numa das peças. De fato, tudo passa no Brasil. Só Renan fica. Como presidente da Câmara, diz Cunha noutra propaganda, meu dever “é defender sua independência, cumprir rigorosamente a Constituição e, acima de tudo, priorizar o que é de interesse da sociedade.'' Tudo isso, evidentemente, se os delatores da Lava Jato permitirem.

A presença de Renan e Cunha em cena cobra dos antagonistas de Dilma que planejam se tornar apologistas de Temer uma reação qualquer. Uma cara de nojo já seria um bom começo. Depois, será necessário considerar que o PMDB, além de sócio do descalabro, é hoje apenas a casca de um partido. Esvaziado de qualquer tipo de conteúdo programático, pode ser a favor de tudo ou contra qualquer outra coisa. Quem se dispõe a compor um governo de união nacional liderado pelo PMDB?, eis a questão.

Admitindo-se que a crise leve a política a saltar todas as interrogações, nenhum arranjo ficará em pé sem o endosso das ruas. Elas já roncaram três vezes desde março. Não foram barulhos negligenciáveis. Mas o asfalto precisaria rugir mais forte. Jarbas Vasconcelos recorda que o PT, embora alquebrado, não é o PRN de Fernando Collor. Ainda exibe capacidade de reação. Para o deputado, a renúncia de Dilma simplificaria as coisas. “Não é impossível”, diz Jarbas. “Precisamos considerar que a economia ainda não chegou no fundo do poço. E não devemos esquecer que até o papa renunciou.”

A esse ponto chegou o Brasil! Torce para que Dilma vista um pijama de Bento 16 e reza por um milagre que converta Temer num neo-Francisco.

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