"De volta aos eixos", por ELIANE CANTANHÊDE, no ESTADÃO

Publicado em 18/05/2016 06:36
+ DORA KRAMER E REINALDO AZEVEDO (de VEJA)

A chegada de Michel Temer à Presidência ainda vai sofrer muitos solavancos, sobretudo nesses 180 dias de interinidade. Apesar disso, a expectativa é de que as coisas comecem a entrar nos seus próprios eixos. A oposição será oposição, os movimentos sociais voltarão a ser críticos, os governistas votarão com o governo. Natural assim, óbvio assim, mas não vinha sendo nem tão natural nem tão óbvio nos últimos 13 anos.

Já imaginaram que fantástico? A CUT vai descobrir do nada, subitamente, que há mais de 11 milhões de desempregados na rua da amargura, precisando de apoio, de protestos e de uma gritaria infernal. Contra o presidente interino Michel Temer, claro, que nem emplacou uma semana inteira no poder.

A dócil e governista UNE e as corporações fortemente petistas que habitam o Ministério da Educação, e ensinam a história ao seu jeito às crianças e adolescentes do País, vão dormir mudas e surdas num dia, como em todos os anos de Lula e Dilma, mas acordarão de repente estridentes e todas ouvidos para denunciar que a educação está o caos que está e que o Fies – ora, ora – desviou uma dinheirama pública para escolas privadas. Culpa do Temer?

O MST, tão passivo diante da não reforma agrária de Dilma, ficará ativíssimo contra a mesma não reforma agrária de Temer. E vai correr para cavar, plantar e semear crises no campo, invasões de propriedades produtivas e interrupção das estradas por onde escoa a produção brasileira interestadual e para o exterior.

O MTST, mais recente no cenário nacional e na órbita petista, também vai descobrir todas as mazelas nacionais da noite para o dia: a recessão, a indústria no buraco, a quebradeira de lojas e restaurantes, a falta de investimentos urbanos. Certamente, por incompetência desse tal de Temer...

Governadores condescendentes com Dilma mostrarão as garras para reclamar da falência em cadeia dos Estados. Até aqui, responsabilizavam os antecessores, agora culparão o governo federal. Num estalar de dedos, descobrirão que o atraso dos salários, pensões e aposentadorias de gaúchos e cariocas, entre outros, é por causa de uma crise... nacional! Que Temer e Henrique Meirelles produziram desde quinta-feira!

A guinada é também dos neo governistas. Fiesp e Força Sindical, que tanto condenaram Dilma e defenderam Temer, estão na linha de frente contra reformas e CPMF. E vamos assistir ao PMDB, PP, PSDB, PSD, PTB, DEM, PPS e outros correndo para votar projetos que até semana passada se recusavam a aprovar para corrigir os erros de Dilma na economia. E por que mudaram? Ah, porque Dilma era uma coisa, Temer é outra coisa. Mas o País é o mesmo.

Esse País que está quebrado, com um rombo de mais de R$ 100 bilhões nas contas públicas, indo para o terceiro ano de recessão, com juros e inflação muito acima do razoável, milhões de pessoas sem salário e renda, zika, dengue, chikungunya e H1N1 fazendo uma festa e a Olimpíada atraindo olhares – e desconfiança – de todo mundo.

Se a questão ideológica prevalecer sobre a racionalidade e sobre a urgência de soluções, o Brasil vai continuar afundando e arrastando os mais pobres e desvalidos da rua da amargura para o poço do desespero. Jornalistas, artistas, juristas, economistas e políticos sempre dão um jeito nas crises, mas a tal “base da pirâmide” não pode esperar. É preciso um consenso nacional mínimo para as medidas mais emergentes, para as votações fundamentais, para o início da recuperação.

Foi para o vice Temer que a Constituição, pedra basilar da democracia, apontou depois da tragédia Dilma. Nova oposição, não se esqueça que quem pôs ele lá e dividiu alegremente o poder com o PMDB nesses 13 anos foram vocês. Agora, aguentem, para o bem do País.

P.S.: – Quem deve estar gostando é Fernando Henrique. Antes, tudo era “culpa do FHC”. Agora, a culpa toda é do Temer!

 

Não vai ter CPMF, por DORA KRAMER (ESTADÃO)

Está completamente fora de cogitação a volta da CPMF. Pelo menos por ora e com o mesmo nome e configuração do imposto mais repudiado do País, cuja extinção rendeu ao então presidente Luiz Inácio da Silva sua maior derrota no Senado em pleno apogeu da popularidade.

A análise que se faz no governo leva em conta a viabilidade política e as consequências na economia. Experimentados em assuntos do Congresso, o presidente em exercício Michel Temer e seu grupo mais próximo sabem que a maioria parlamentar não se confirmaria em eventual votação do imposto do cheque. Insistir no envio, portanto, seria uma derrota previamente contratada. 

Do lado da economia há uma avaliação de que qualquer aumento da carga tributária neste momento poderia resultar no oposto do pretendido. “Um tiro no pé”, na expressão de um ministro com acesso livre ao gabinete presidencial. Pelo seguinte: se as pessoas não estão aguentando pagar os impostos atuais, muitos menos vão conseguir fazer frente a um aumento de tributos. O risco é haver queda na arrecadação em decorrência da opção da população de não pagar e ir para a informalidade.

Uma alternativa foi sugerida pelas centrais sindicais que se reuniram com o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na segunda-feira: a legalização dos jogos de azar no Brasil, sob o argumento de que hoje há jogo, mas, devido à condição de ilegal, o governo não pode tributar a atividade. 

A proposta é bem vista no governo em geral, presidente inclusive, embora se saiba que a proposta de legalização criaria atritos com vários setores, como igrejas e Ministério Público. De todo modo, o assunto sempre recorrente será posto em pauta. 

Bye, bye TV Brasil. Com um custo anual de R$ 750 milhões, a Empresa Brasileira de Comunicação, que engloba a TV Brasil, uma rádio e agência de notícias, vai passar por um processo de enxugamento que pode resultar no cancelamento das transmissões em canal aberto da televisão oficial criada no segundo governo Lula. Nesta hipótese, a estrutura passaria a servir à produção de conteúdo para abastecer a agência. 

A medida está ainda em estudos que visam à redução da empresa como um todo e, no mínimo, à adequação da televisão a uma relação de custo-benefício mais realista. Transformou-se num gigante de milhares de funcionários, sem audiência nem produção de material de qualidade e/ou interesse público. Gasta muito e oferece quase nada. 

A exoneração do atual presidente da empresa, Ricardo Melo, vai ensejar mudança na lei que criou a EBC determinando mandato de quatro anos para o presidente e estabilidade para os diretores executivos que não recebam dois votos de desconfiança do conselho curador no período de um ano.

Ricardo Melo foi nomeado por Dilma Rousseff menos de dez dias antes da aprovação da abertura do processo de impeachment no Senado e já anunciou que vai recorrer à Justiça para reaver o mandato. O entendimento é que Dilma fez a nomeação justamente para tentar manter o setor da comunicação oficial sob a área de influência do PT, como instrumento de combate ao governo por ora provisório.

Curto prazo. Nem as centrais sindicais nem o governo acreditam que será possível chegar a um acordo nos 30 dias combinados entre as partes sobre a reforma da Previdência. Os sindicalistas não querem nem ouvir falar em aumento do tempo de contribuição ou redução do limite de idade e o governo diz que uma das duas mudanças é imprescindível.

 

Demitido por Temer, nomeado por Dilma na última hora não quer sair

Lei que instituiu a EBC dá margem à ambiguidade, mas não pode se sobrepor à Constituição (por REINALDO AZEVEDO, NA VEJA.COM)

Dilma Rousseff, como se sabe, resolveu nomear Ricardo Melo diretor-presidente da EBC nove dias antes de deixar o Palácio, quando já tinha a certeza de que não permaneceria à frente do governo.

Foi mais um de seus atos de última hora para tentar manter o controle de áreas da administração, mesmo não estando mais na condução do país. Nesta terça, o presidente Michel Temer decidiu exonerar Mello, que, por sua vez, prometeu recorrer à Justiça.

Vamos ver. O Artigo 19 da Lei 11.652 estabelece, com efeito, o seguinte:
“Art. 19.  A Diretoria Executiva será composta de 1 (um) Diretor-Presidente e 1 (um) Diretor-Geral, nomeados pelo Presidente da República, e até 6 (seis) diretores, eleitos e destituíveis pelo Conselho de Administração.”

Até esse ponto, nada indica que Melo não pode ser demitido. Os parágrafos 2º e 3º estabelecem:
§ 2o  O mandato do Diretor-Presidente será de 4 (quatro) anos.
§ 3o Os membros  da  Diretoria  Executiva  serão  destituídos   nas hipóteses legais ou se receberem 2 (dois) votos de desconfiança do Conselho Curador, no período de 12 (doze) meses, emitidos com interstício mínimo de 30 (trinta) dias entre ambos.

Muito bem. As tais das “hipóteses legais” que permitem a destituição dos membros da Diretoria Executiva não são especificadas em lugar nenhum. E é evidente que a lei não é clara sobre a impossibilidade de o comandante da EBC ser demitido pelo presidente da República.

Mais: ainda que se quisesse fazer tal leitura da lei, é evidente que se estaria diante de uma clara inconstitucionalidade. A EBC é uma empresa pública e, como tal, não tem o direito de se autorregular. É como se uma lei decidisse que o presidente da República estaria impedido de demitir o presidente de outra estatal qualquer. A EBC não é uma agência reguladora.

Ainda que se quisesse fazer tal leitura da Lei 11.652, bastaria recorrer ao Supremo. O Artigo 173 da Constituição estabelece o seguinte:
“§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
(…)
V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.

Tal lei ainda não foi votada, e não me parece que a EBC possa, então, criar a sua própria, como se coubesse a uma empresa pública em particular regulamentar a Constituição.

Salvo uma decisão exótica da Justiça, Mello não conseguirá o cargo de volta, uma vez que a lei que instituiu a EBC não pode se sobrepor à Constituição, que prevê, aí sim, que se criem as mesmas normas para todas as empresas públicas.

Mello é um profissional experimentado. É claro que ele consegue arrumar outro emprego, né? Quando foi nomeado presidente da EBC, deve ter desconfiado que Dilma só estava tentando criar um embaraço a mais àquele que certamente a substituiria.

Ele não deveria insistir pra ficar. Caracteriza excesso de amor a uma causa que não parece ser principalmente jornalística. Aliás, considerando os motivos que o levaram pra lá, deveria ser o primeiro a pedir pra sair.

Ministro corta privilégio de petralhas no “Minha Casa Minha Vida” e gera gritaria

Ai, ai… Bruno Araújo (PSDB), ministro das Cidades, acabou caindo numa armadilha preparada por Dilma Rousseff, a afastada. No dia 11, quando seu julgamento já estava em curso e se tinha a certeza de que seria apeada do Palácio, a petista assinou uma portaria contratando a construção de 11.250 unidades do Minha Casa Minha Vida na modalidade “Entidades”.

Que estrovenga é essa? Ora, o governo repassa dinheiro para aparelhos políticos, como o MTST por exemplo, para que estes cuidem da construção das moradias, entenderam? É a forma esquerdista de privatização do Estado.

É claro que considero isso um absurdo. Ademais, é uma forma de institucionalizar o fura-fila no sistema. Quem aceitar se submeter, por exemplo, à, digamos, disciplina do sr. Guilherme Boulos acaba tendo prioridade. É mesmo o fim da picada!

Mais: Dilma assinou a portaria e não disse de onde tiraria o dinheiro. Pra quê? A medida fazia parte do seu pacote de bondades anunciado no ato da CUT e das esquerdas contra o impeachment, realizado no dia 1º de Maio.

E, ora vejam!, por óbvio, essa tal “Modalidade Entidades” é um exemplo de ineficiência. Informa VEJA.com que, do total de casas contratadas por esse meio na primeira etapa, ainda no governo Lula, mais da metade ainda precisa ser entregue. Da segunda fase, sob o comando de Dilma, apenas 8,9% das moradias foram finalizadas.

Digam aí: vocês esperavam coisa diferente? Eu não! Esses tais “movimentos sociais” costumam ter como prioridade fortalecer os… “movimentos sociais” e o partido ao qual estão ligados. Os pobres e necessitados são apenas um pretexto e a massa de manobra mobilizável.

Do ponto de vista técnico, pois, não tenho a menor dúvida de que Bruno Araújo fez a coisa certa. Mas lhe faltou um pouco de malícia política.

Ora, qual é a tecla em que insiste o PT desde quando o fantasma do impeachment de Dilma tomou corpo? Os “companheiros” asseguram que a intenção do governo Temer é cortar programas sociais. Araújo não está cortando nada. No máximo, quer rever uma mamata garantida a alguns petralhas. Mas e daí? Essa é a versão que vai prosperar e que está se tornando dominante inclusive na imprensa que se diz “isenta”.

Sim, é preciso que se revejam os privilégios concedidos a essas franjas do petismo que se travestem de “movimentos sociais”. Não é segredo para ninguém que parte dos bilionários recursos da agricultura familiar, por exemplo, vai parar nas mãos do MST, por intermédio de cooperativas. E, como se nota, prática semelhante se dá no programa de moradia. E não duvidem: onde quer que haja um programa social, lá estarão os companheiros prontos para mamar nas tetas oficiais.

Assim, a atitude de Bruno Araújo mereceria só aplausos não tivesse sido ele um tanto ingênuo, acho eu. Ainda que a atitude esteja essencialmente correta, não é hora de tornar verossímil o falso discurso dos golpistas de esquerda, segundo os quais o governo que aí está tem a intenção de acabar com os programas sociais.

Fazer o certo na hora errada será sempre um erro.

 

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Estadão + VEJA

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1 comentário

  • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

    Os fatos demonstram a real estratégia do lulopetismo. As recentes rebeliões orquestradas por funcionários e simpatizantes no Ministério da Cultura da nova ideologia, demonstram que são fieis seguidores de Gramsci.

    A estratégia gramsciana sustentava que nenhuma ideologia poderia impor-se pela força. Para impor uma mudança ideológica era necessário começar por conseguir a modificação do modo de pensar da sociedade civil (povo ou habitantes de um determinado país) através de pequenas mudanças realizadas ao longo do tempo no campo da cultura. Os pilares que deveriam ser atacados são: Desprestigiar a Igreja & Destruir a Família.

    Os analistas do novo governo Temer concluíram que a vocação de hegemonia e totalitarismo, a serviço da apropriação do Estado, estava impregnada no Ministério da Cultura. Identificaram o ministério como um aparelho, com incentivo dirigido a propagação da campanha do golpe. Dali partia um bombardeio contra a nascente gestão.

    Vejam que para desaparelhar as Instituições será um "trabalho de Golias".

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