LULA E O SUS: VAMOS PÔR A COISA NO SEU DEVIDO LUGAR. CONTRA A VONTADE DOS TOLOS
O texto ficou um tantinho longo. Leiam até o fim. Acho que vale a pena. Assistam a este vídeo. Volto em seguida.
Voltei
Não vou tratar do vídeo agora. Voltarei a ele mais tarde. Preciso fazer antes algumas considerações.
O cidadão Luiz Inácio Lula da Silva tem condições de ter o melhor plano de saúde que o dinheiro pode comprar. Não está, entendo, moralmente obrigado a se tratar no SUS. Esse é apenas um dos motivos. Há outros e já os expus aqui. Tentar impedir, no entanto, que as pessoas lhe façam essa cobrança, tachando-as de “agressivas” por isso, e se manifestem segundo a linguagem que o próprio Lula sempre empregou em sua militância, aí, meus caros, estamos diante de uma patrulha asquerosa, antidemocrática.
Os ai-ai-ais e ui-ui-uis se espalham por todo lugar. A rede petralha e os ex-jornalistas a soldo fazem o de sempre: desqualificam quem não é da turma. O PT deliberou, não faz tempo, que criaria grupos para patrulhar a Internet. Pelo visto, já estão em ação. Lamentável é que ecos em favor de uma censura informal, de matriz supostamente moral, tenha chegado também à grande imprensa — aquela que os petistas costumam acusar de “golpista”. Encerro este parágrafo com indagações, que serão retomadas a partir do próximo. Que político brasileiro dividiu o país em dois grupos: “nós” e “eles”? Que político brasileiro dividiu o país entre o povo e a Dona Zelite? Que político brasileiro expropriou dos adversários a sua história, o seu passado e as suas conquistas para se pôr como o marco inaugural de uma civilização? Seu nome é Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi ele quem estabeleceu que os que são seus aliados ou a ele se subordinam politicamente merecem a chancela de “povo” — e os adversários seriam a execrável Dona Zelite, inimiga das massas. No vídeo gravado ontem, sobre o qual escrevi, em que mistura miseravelmente a sua doença com o proselitismo político, vê-se, uma vez mais, a desqualificação dos opositores. Só há um jeito de torcer pelo Brasil: apoiar Dilma. Ora, o que aquele discurso tem a ver com o seu câncer? O pior é que ele não é neófito nessa prática. Já chego lá.
É Lula, pois, quem faz uma aposta permanente na divisão do Brasil, REIVINDICANDO PERMANENTEMENTE PARA SI A CONDIÇÃO DE HOMEM E DE REPRESENTANTE DO POVO — ELITES SÃO SEMPRE OS OUTROS. E o que é que milhares de pessoas estão lembrando de modo claro — e isso está sendo chamado de “ataque” por alguns babacas? Ora, povo, meu caro Lula, se trata no SUS, não no Sírio-Libanês! Alguém pode me dizer o que há de mentira nisso? A pergunta que segue agora não é dirigida aos que são pagos para me xingar. Esses estão trabalhando, ainda que um trabalhinho sujo. Pergunto aos idiotas que me xingam de graça: SUGERIR O SUS É UMA OFENSA PORQUE AQUELE É LUGAR DE POVO, É ISSO? Qual é, afinal, o lugar de Lula no discurso? Então os leitores/eleitores estão proibidos de confrontá-lo com as suas próprias palavras simplesmente porque ele é quem é?
Lula e Obama
Os candidatos a censores da opinião alheia hão de me perdoar — e, se não o fizeram, não dou a mínima —, mas é absolutamente legítimo, ainda que eu não concorde, que um cidadão brasileiro lhe sugira que recorra ao SUS porque ele próprio declarou o sistema “perto da perfeição”. Em novembro de 2009, ao abrir o 9º Congresso Brasileiro de Saúde Pública, em Olinda (PE), anunciou que, quando falasse com o presidente dos EUA, Barack Obama, iria lhe dar um conselho: “Obama, faça um SUS. Custa mais barato, é de qualidade e é universal.”
Fazer o quê? Lula é assim mesmo, não? Hiperbólico quando se trata de exaltar qualidades que acredita ter. E implacável com eventuais conquistas de adversários, das quais faz tabula rasa. O molde é sempre o mesmo: “nós X eles”, “povo X elite”. Será que os que agora, de modo um tanto irônico, sugerem que procure o SUS estão mesmo lhe fazendo um “ataque”? Há, a propósito, esta dimensão que está sendo ignorada: trata-se de… ironia! Nada além! Todos sabem que ele não aceitará a sugestão.
Agora o vídeo e as promessas criminosas das UPAs
Então vamos voltar ao vídeo que abre o post. Diz Lula:
“Eu tava visitando a UPA, e eu tava dizendo que ela tá tão bem organizada, ela tá tão bem estruturada, que dá até vontade de a gente ficar doente para ser atendido aqui”.
Essa fala está correndo na Internet. Em uma reportagem, a Folha de ontem a tomou como exemplo dos “ataques” que Lula vem sofrendo. Ataque? Por quê? Cumpre lembrar as circunstâncias. O então presidente inaugurava, em Recife, no dia 27 de janeiro de 2010, uma das poucas Unidades de Pronto Atendimento que fez em seu governo e falou aquela batatada. Ocorre que, logo depois, passou mal, teve uma crise hipertensiva e foi internado no Hospital Português, considerado o melhor de Recife e um dos melhores do Brasil. Sim, este escriba que lhes fala escreveu a respeito. O posto está aqui. Vamos ver se Tio Rei é coerente. Permitam-me transcrever um trechinho em azul:
Tenho horror ao populismo. Digo com todas as letras: não acho que um presidente da República ou governador do Estado devam se tratar em unidades públicas de emergência, que não podem mesmo contar com todos os recursos que a medicina pode oferecer. Não porque eles “não sejam homens comuns” (como disse Lula a respeito de Sarney), mas porque uma doença grave de um governante ou mesmo a sua morte podem ter repercussão negativa na vida de milhões de pessoas.
Assim, é correto que o mandatário tenha à disposição o que há de melhor no setor. E é uma tarefa sua, indeclinável, fazer o possível para elevar as condições de atendimento na saúde pública - QUE VIVE UM CAOS NO BRASIL. Ponto parágrafo. É preciso parar de tratar o povo como idiota ou como tutelado. A UPA, se e quando funcionar bem, será um benefício para os pobres. E Lula nunca botará os pés ali como paciente.
“Ah, Reinaldo, ele estava brincando…” É? Sem essa! Nos palanques, Lula divide o país entre “eles” (as elites) e “nós” (o povo). Chama “elite” a seus inimigos, ainda que mais pobres e menos poderosos do que ele próprio; chama “povo” a seus amigos, ainda que sejam alguns potentados da economia - muitos mamando nos subsídios e desonerações fiscais. Ele pode perfeitamente bem inaugurar uma unidade popular de saúde sem o apelo barato de que gostaria de ser atendido ali. Porque ele pertence à categoria dos que jamais serão atendidos ali. Quem recorre a essa linguagem não fala com o povo, mas com a platéia.
Volto a hoje
E então? O que lhe parece? Como se vê, não mudei de idéia. Indecente, se querem saber, foi o que se fez com as UPAs no país. Lula prometeu construir 500 em seu governo. Foram entregues apenas 91. Além daquelas 500, a então candidata Dilma Rousseff prometeu outras 500—- logo, teriam de ser mil até 2014. Até setembro, a presidente havia inaugurado… UMA!!! Isso, sim, é feio; isso, sim, é violento; isso, sim, é detestável. Os censores estão querendo impedir que a população cobre que os homens públicos cumpram as suas promesas.
O Vídeo em que Lula fala de sua doença
Fiz uma análise não mais do que técnica do vídeo em que Lula fala de sua doença. E aponte a clara exploração política do episódio. Diz ele: “Não foi a primeira e não será a última batalha que eu vou enfrentar”. Observei: “Que se saiba, Lula nunca enfrentou uma séria ‘batalha’ de saúde. Esta, de fato, é a primeira. As outras todas foram políticas. Logo, ele está falando sobre política, certo?” Um leitor, certamente um lulista, resolveu me passar um pito:“Lula nunca enfrentou um problema sério de saúde em sua vida, Azevedo? E a morte de sua primeira mulher, por acaso foi um problema político?”
Muito bem, Diorge Alceno Konrad (é o nome do missivista). Lembro-me que, na campanha eleitoral de 2002, Duda Mendonça botou Lula diante da câmera e deixou que ele falasse da mulher morta no parto (Maria de Lurdes), junto com bebê. Uma tragédia na vida de qualquer um, na dele também, suponho. Lula chorou muito. Eu fiquei constrangidíssimo, sentindo um baita desconforto, porque me pareceu que ele não deveria usar aquele caso numa campanha eleitoral, para ganhar voto. O filme nunca apareceu na Internet. Deve estar em algum lugar. O então candidato dizia como havia ficado arrasado, destacando seu enorme sofrimento nos anos subseqüentes. Durante muito tempo, teria vivido uma vida reclusa e solitária.
Pois é. Eu, que tinha lido uma entrevista que ele concedera à revista Playboy em 1979 e que tenho o mau hábito de ter boa memória, lembrava-me de abordagem um pouco diferente. À época, eu tinha só 18 anos, era comunista de trincar catedrais e fiquei horrorizado com o que li. Fui consultar os meus guardados (era pré-Internet…), e o Lula que se debulhava diante de Duda Mendonça em 2002 dissera outra coisa quando apenas sindicalista, 23 anos antes:
“Eu gostava muito da Maria de Lurdes. Vivi com ela só dois anos, de 1969 a 1971. Ela morreu de parto, e eu fiquei muito chocado. Perdi a vontade de tudo. Fiquei UNS SEIS MESES bem fodido na vida. Então percebi que estava vivo, não estava morto, não, porra! Aí comecei a cair na gandaia. Meu Deus do céu! Antes de conhecer a Marisa, FORAM TRÊS ANOS DE GANDAIA. Eu queria sair com mulher de segunda a domingo.”
Começo a encerrar
Não! Lula não tem, necessariamente, de se tratar no SUS pelos motivos elencados antes e agora. Mas pode e deve ser cobrado pelas palavras que disse, pelos discursos que fez e pelas obras que não fez. Não há rigorosamente nada de errado com quem o confronta com suas próprias promessas. Ao contrário. É saudável que a população tenha memória. Não se trata de um “ataque”, como quer parte da imprensa, ou de “recalque”, como afirmou FHC.
Quanto ao vídeo que gravou ontem, em que um drama pessoal é usado como alavanca política, a campanha eleitoral de 2002 evidencia não ser esta a primeira vez. Eu não vou pedir desculpas a ninguém por tratar Lula como um homem público racional, dono de seu nariz, que atua segundo o mais rigoroso cálculo político. No fim das contas, acho que sou mais respeitoso com ele do que esse bando de idiotas que o toma como um ser inimputável, uma força da natureza que diz supostas maravilhas em razão de sua intuição, como se fosse uma espécie de ogro bonzinho, um Shrek barbudo.
Trato Lula, vejam que ousadia!, como ser humano e como político. Um dos mais hábeis do país, gostem ou não. Quero que ele sare, que é a minha torcida por todos os enfermos, mesmo aqueles dos quais não gosto. Mas não vou parar de pensar por isso nem vou ignorar a história. É inútil ficar me xingando. Tentem é desmontar os argumentos. Aliás, não parei de pensar nem quando os petralhas torciam para que eu morresse. Torcida não mata ninguém, não!
O que mata é falta de UPA, o que mata é falta de equipamento para radioterapia, o que mata é falta de remédio para quimioterapia, o que mata é falta de médico para cuidar dos tumores, o que mata é falta de vagas em hospitais, o que mata é falta de cirurgiões.
Querem saber? A falta de vergonha na cara mata ainda mais do que todas essas outras faltas.
Lula grava vídeo em que mistura sua doença com política. Silenciem os covardes a respeito, mas é um mau momento do doente e do político
O ex-fotógrafo oficial da Presidência Ricardo Stuckert gravou um vídeo, com a assinatura do Instituto Lula, em que o ex-presidente fala sobre a sua saúde e sobre política. Assistam a vídeo. Volto em seguida.
Voltei
Eu não tenho motivo nenhum para alterar uma linha do que escrevi no meu primeiro post a respeito da doença do ex-presidente, ainda no sábado. Recomendando serenidade aos leitores, expressei a minha convicção:
“O câncer não é instrumento de vingança política, não é uma lição de vida, não é um livro didático! Ele só ensina que é preciso vencê-lo. Nada mais!”
E avisei que coibiria manifestações agressivas ou que fizessem votos de que Lula fosse malsucedido em sua batalha. Fui ainda mais claro:
“Em síntese: Lula não está doente porque quer, não está doente porque merece, não está doente para ter uma lição de vida. Estará hoje nas minhas orações. Doenças não tornam a gente nem melhor nem pior. Elas só nos ensinam que é preciso vencê-las.”
Continuo a acreditar nisso.
Mas também expressei o temor, naquele texto, de que o próprio PT usasse politicamente a doença de Lula, como usou a de Dilma. Não deu outra. A exploração está em curso. Se o câncer não existe para punir ninguém, também não existe para paralisar a inteligência e a crítica.
Lula vem a público, com a simpatia e o carisma habituais, para dizer que vai lutar para superar a doença, falando como indivíduo. É, sem dúvida, louvável. Na hora em que usa a doença para fazer exortações de natureza política, aí ele faz aquilo que os petistas acusam o antilulismo de fazer: recorrer à doença para fazer proselitismo político. Por que os críticos dos críticos de Lula não aparecem agora? Cadê o Gilberto Dimenstein para dizer que está “envergonhado”? Vamos analisar trechos da fala:
“Não foi a primeira e não será a última batalha que eu vou enfrentar”
Que se saiba, Lula nunca enfrentou uma séria “batalha” de saúde. Esta, de fato, é a primeira. As outras todas foram políticas. Logo, ele está falando sobre política, certo?
“Eu acho que a gente precisa continuar acreditando no Brasil, botando fé nesse país; Será inexorável a caminhada do país para se transformar numa grande economia, na melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro. E a gente fazer o que tem de ser feito: acreditar na nossa presidenta, ajudá-la, sabe?, porque é assim que o Brasil vai pra frente.”
O que isso tem a ver com o câncer? Rigorosamente nada! É evidente que Lula usa a sua condição — pessoalmente mais frágil, mas com a dimensão do mito reforçada — para obter dividendos para o seu partido e para o seu grupo político. As palavras fazem sentido: quem não “acredita” na presidente ou não a “ajuda” (a oposição, por exemplo?), pois, não colabora para o Brasil ir “para a frente”.
“Tou doido para falar nos companheiros e companheiras mais fortes, mas não tou podendo (…) Até a primeira assembléia. Ou primeiro comício. Ou primeiro ato público (…)”
Depois de ter falado da perseverança que todo ser humano deve ter, Lula voltou a mensagem para a sua grei, os “companheiros e companheiras”. Afinal de contas, ELE É O QUE SEUS ADVERSÁRIOS NÃO CONSEGUEM SER PORQUE TÊM MEDO, VERGONHA OU SE DEIXAM PATRULHAR: UM HOMEM DE PARTIDO!!! Falou com todo mundo, mas se referiu muito particularmente aos de sua turma, aludindo, como se vê, se lê e se ouve às eleições próximas.
Quem está politizando a doença de Lula senão o próprio Lula?
Muita gente poderia dizer, e eu concordo, sim: “Pô, Reinaldo, Lula é político. É natural que ele fale como político”. Está certo! Mas por que começou a patrulha cretina, obscurantista, policialesca, chamando de “ataques” manifestações que são apenas ABORDAGENS TAMBÉM POLÍTICAS DA DOENÇA?
Uma coisa é desejar que ele se dê mal. Acho isso detestável. Sei do que falo porque já tive os petralhas fazendo esses votos contra mim. É uma gente baixa, asquerosa. Tratei do assunto logo de cara, no sábado. OUTRA, DIFERENTE, É CONFRONTAR O POLÍTICO com suas próprias palavras.
Olhem aqui: eu tenho independência — tanto a de espírito como a ideológica, já que mando os patrulheiros comer capim — para fazer as duas coisas: censuro a abordagem mesquinha dos adversários de Lula e também a dos partidários; no caso acima, censuro a mesquinhez do próprio Lula, que não deveria ter usado a sua doença para uma mensagem de cunho partidário.
Um Gilberto Dimenstein virá agora a público para acusar Lula de usar a sua doença para obter dividendos para o seu partido? Duvido!
Vocês não sabem com que sinceridade rezo pelo bem de Lula! Eu o quero absolutamente saudável para que reste ainda mais claro e cristalino o meu repúdio a essa sua postura. Rezo, sim, pelo indivíduo, pelo pai, pelo avô e até pela figura na qual muitos brasileiros depositam suas esperanças. Mas não poderia ser maior o meu repúdio a essa partidarização da doença — que me parece, de resto, pouco generosa com a vida.
Como se nota, Lula não parou de pensar a política porque está doente. Gostaria de saber por que se faz essa exigência àqueles que são seus críticos.
Os critérios para publicação de comentários seguem os mesmos. Sejam dignos! Sejam decorosos! Sejam generosos! Mas não se deixem intimidar por censores e por covardes que atuam em nome dos policiais da opinião alheia.
PS: Atualizei o post. Havia escrito que Ricardo Stuckert é o atual fotógrafo oficial da Presidência. Corrigi. Era no tempo de Lula. Ele migrou para o Instituto Lula e deixou em seu lugar Roberto Stuckert Filho, seu irmão.