Temer tenta emparedar Lula, por FERNANDO CANZIAN, da FOLHA

Publicado em 28/04/2016 21:28
Folha de S. Paulo

As manifestações desta quinta (28) pró moradia e contra o impeachment da presidente Dilma e as previstas pela CUT no domingo, Dia do Trabalho, antecipam tempos ainda muito difíceis à frente dos trabalhadores no Brasil.

A única boa notícia no horizonte para quem trabalha e para as pessoas mais pobres é a queda da inflação, que pode perder mais de três pontos percentuais em 2016 e fechar o ano abaixo de 7%.

De resto, o desemprego (hoje em 10,2%) pode ultrapassar os 12% até o fim do ano, impondo perdas cada vez maiores à renda do trabalho. Nos últimos 12 meses, o rendimento médio real caiu 4%, ficando em R$ 1.934 (era R$ 2.012 há um ano).

O novo governo Temer terá de conviver com esse cenário, que tende a se deteriorar ainda mais antes de começar a melhorar.

Se o peemedebista escolher mesmo Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda ele não só agradará o mercado como tentará restringir eventuais críticas à sua política econômica de um Lula potencial candidato em 2018 e na oposição a partir do afastamento de Dilma Rousseff.

O novo ministro deverá tomar medidas que darão munição à oposição que sairá do pós-impeachment, com PT à frente de movimentos de trabalhadores que serão prejudicados.

Meirelles foi presidente do Banco Central sob Lula entre 2003 e 2010. O mais longevo no cargo, entregou em quase todos os anos a inflação dentro da meta, o que foi fundamental para o longo período de crescimento sob o petista.

Até poucos meses, era Lula quem queria Meirelles na Fazenda do governo Dilma Rousseff. A presidente rejeitou o nome, dizem, porque o provável futuro ministro de Temer demandou independência para agir.

Além de tentar conter o desemprego, o novo governo terá o enorme desafio de segurar o incontrolável crescimento dos gastos públicos, especialmente na área social, sem que seu governo passe a ser identificado rapidamente como responsável por aprofundar a crise.

Em pouco mais de uma década, houve um aumento de quase 3 pontos percentuais nas despesas sociais, enquanto os investimentos estatais ficaram estagnados.

O gasto social cresceu especialmente por conta da política de reajuste real do salário mínimo, que indexa benefícios previdenciários e alguns assistenciais.

Mexer nisso a fim de liberar recursos públicos para outras áreas e conter o atual rombo será um dos maiores vespeiros de Temer.

E uma grande bandeira para as críticas da nova oposição que começa a sair para as ruas.

 

Temer impõe a Meirelles nomeações ‘políticas’, por JOSIAS DE SOUZA (UOL)

Ao “sondar'' Henrique Meirelles para o comando da pasta da Fazenda, Michel Temer lhe encomendou a indicação de nomes para o restante da equipe econômica. Avisou, porém, que teria de cumprir compromissos que assumira com partidos políticos antes da votação do impeachment na Câmara. Prometara, por exemplo, a presidência da Caixa Econômica Federal ao PP, campeão no ranking de encrencados na Operação Lava Jato.

Confirmando-se o afastamento de Dilma pelo Senado, Temer entregará o comando da Caixa a Gilberto Occhi. É funcionário de carreira da instituição. Filiado ao PP, representava o partido no comando do Ministério da Integração Nacional até as vésperas do impechment. Demitiu-se em 13 de abril, depois que o PP decidiu trair Dilma na votação da Câmara.

Para que Meirelles digerisse este e outros “compromissos”, Temer firmou com ele algo parecido com uma regra de convivência: nos casos que envolvem apadrinhamento político, “nós indicamos e você demite”, disse o quase presidente da República ao quase ministro da Fazenda.

O que Temer afirmou, com outras palavras, foi o seguinte: na área econômica, se alguma nomeação política resultar em desastre, Meirelles poderá colocar o problema no olho da rua. A ver.

 

O trio liberal de Temer

Por VINICIUS TORRES FREIRE (na FOLHA)

Um trio liberal improvável pode comandar o governo da economia, segundo os rumores mais recentes da República do Jaburu, o governo virtual de transição de Michel Temer.

Um tanto mais improvável porque José Serra, senador tucano, pode vir a ser ministro de uma pasta costurada sob medida para ele. Trata-se de um Itamaraty vitaminado com funções de diplomacia comercial, tarefas que, em tese, estão hoje no Ministério do Desenvolvimento.

Desnecessário dizer que Serra não é liberal. Mas faz quase 20 anos diz às claras e mesmo em campanhas eleitorais que o presente acordo do Mercosul é um empecilho grande a uma política agressiva de acordos de livre-comércio entre o Brasil e outros países e blocos, do que teríamos necessidade urgente.

Henrique Meirelles é liberal, ponto; deixou de ser rumor forte, pois começa a montar o time da Fazenda.

Romero Jucá, dado como superministro do Planejamento, é voz de parte grossa do empresariado no Congresso e defende o catecismo básico de contas públicas em ordem, privatização e desregulamentação. Mas é senador do PMDB, partido que se vestiu de ultraliberal entre agosto e outubro de 2015, roupa para a festa de deposição de Dilma Rousseff.

Quase todo o restante do Ministério de Desenvolvimento ficaria sob Jucá em um também vitaminado Ministério do Planejamento, como antecipou nesta quinta (28) esta Folha. Note-se o tamanho do latifúndio ministerial de Jucá, caso não se repasse alguma parcela para outro ministro: Orçamento, planos de concessões e privatizações e, não é nada, não é nada, um BNDES.

Voltando ao caso de Serra, o senador não é, como se sabe, defensor de uma abertura comercial sem mais. Costuma pregar a criação de um sistema forte de defesa comercial.

Mas, seja em programas de governo, entrevistas ou artigos, o plano explícito de Serra seria transformar o Mercosul em apenas área de livre-comércio (o que nem chegou a ser, vide as gambiarras dos acordos automotivos). Ou seja, seria abandonada a união aduaneira (as tarifas de importação são comuns ou para isso devem convergir; mudanças dependem de consultas no bloco).

TRAQUE

À beira da defenestração, Dilma estuda implodir uma bombinha no caixa esburacado e rapado do governo federal. Conta, de resto, com apoio do grande deficit de espírito público do Judiciário, conduzido além do mais por lideranças sindicais do Supremo Tribunal Federal.

A classe judiciária, liderada por ministros do STF, faz lobby despudorado por aumento de salário, quando boa parte do país tem salários e rendimentos achatados, perde o emprego ou vai diretamente à miséria.

Nesses dias em que se sabe de rombo histórico das contas públicas, Dilma Rousseff pretende ainda reduzir a cobrança do Imposto de Renda para pessoas físicas e reajustar o Bolsa Família.

Francamente, dados a vida terrível que levam os pobres que dependem do Bolsa Família e o impacto menor no rombo desastroso, que viesse o reajuste. Por que não fez antes? Picuinha. A situação fiscal apenas piorou desde que Dilma 2 estreou. O deficit primário chegou a 2,3% do PIB, no acumulado dos últimos 12 meses, cerca de R$ 137,5 bilhões. 

 

Todos são culpados pela crise, exceto a Dilma

Inconformada com os rivais que a responsabilizam pela crise que carcome a economia brasileira, Dilma Rousseff decidiu reagir. Reiterou que a culpa é do mundo, que reduziu o preço que pagava pelas commodities do Brasil. E levou ao cadafalso um culpado novo. O Congresso Nacional não se engajou na aprovação de nenhuma reforma do país, disse ela numa entrevista à emissora americana CNN.

Dilma não explicou muito bem a que reformas se referia. Tampouco esclareceu por que foi abandonada pelos partidos do conglomerado governista, ultramajoritário no Legislativo. Um conglomerado movido pelo tilintar de cargos, de verbas orçamentárias, de mensalões e de petrolões.

No tempo em que era a supergerente vendida por Lula em 2010, Dilma sustentava que não havia crise no Brasil, que a Petrobras era uma empresa sólida e que reforma era coisa de oposicionista interessado em eliminar benefícios sociais. Agora, prestes a ser afastada da poltrona de presidente pelo Senado, Dilma parece se dar conta de que também está sujeita à condição humana. Logo, logo talvez enxergue outro responsável pela crise no reflexo do espelho.

 

A raiva sadia da sociedade civil brasileira, por JUAN ÁRIAS (no EL PAÍS)

Melhor uma sociedade com raiva, inclusive dividida em suas opiniões, que uma apática ou sem vontade de lutar, o melhor cheque em branco para os governantes

O mundo está olhando para o Brasil. A imprensa internacional se pergunta se é verdade que o colosso da América Latina está quebrado. Olhava para o país antes, quando era visto como a nova Meca, e o analisa hoje, quando parece que os deuses o abandonaram.

Durante o milagre, até meus amigos espanhóis queriam correr para trabalhar e viver aqui. O Brasil era um sonho.

Hoje o país vive uma de suas maiores crises, não só econômica, mas até de identidade, de ética e estética, como escreve Eliane Brum em sua magnífica coluna Tupi or not to be.

Talvez o Brasil então nem tivesse chegado ao ápice, nem hoje se precipitou irremediavelmente no inferno de uma crise sem esperança.

Talvez nos anos dourados de Lula, sob a magia da caravana de milhões de pobres resgatados da miséria, faltaram as grandes reformas estruturais que impedissem a crise no futuro.

E hoje, talvez, aqueles que acreditam que o Brasil está rodando para o abismo não consigam ver que a crise poderia marcar o tempo das reformas (começando pela do Estado) que ninguém até agora foi capaz de enfrentar e que agora se tornaram indispensáveis e urgentes para resgatar o país da crise.

O grande protagonista do possível resgate do Brasil é hoje, sem dúvida, a sociedade civil com seu despertar (até mesmo agressivo), sua rejeição unânime aos corruptos e sua falta de piedade com a classe política, que com maior ou menor responsabilidade paralisou e apequenou o país.

Há quem acuse a sociedade de ter permanecido adormecida enquanto a classe política mergulhava na corrupção. E talvez essa letargia, que retardou o nascimento dos indignados, também teve sua parcela de responsabilidade.

Hoje, no entanto, essa sociedade ainda conservadora, mas indignada, com raiva, dividida entre as possíveis saídas para a crise, a favor ou contra a destituição presidencial (impeachment), é o que existe de mais vivo neste país.

Uma sociedade que descobriu que os representantes que elegeu para o Congresso se assemelham mais a um circo do que a um Parlamento, com uma boa maioria de congressistas envolvida na corrupção, alheia às reformas que o país necessita.

O que está acontecendo no Brasil é uma epifania da sociedade, que hoje está convencida de que o país representado por aqueles que elegeu não é o que hoje escolheria, e grita: “Fora todos eles!”

É um pleonasmo, mas retrata que o tecido social não é hoje, como foi no passado, o espelho da mediocridade dos políticos.

O assombro que hoje produz nos brasileiros a corrupção, os privilégios de seus governantes, o luxo dos gastos públicas e a dor daqueles que começam a sentir na carne os frutos amargos de crise econômica é a primeira luz em meio a tantas sombras.

Melhor uma sociedade com raiva, inclusive asperamente dividida em suas opiniões, que uma apática, passiva ou sem vontade de lutar, perigosamente embalada no popular: “Fazer o quê?”, que era o melhor cheque em branco para os governantes.

Hoje a sociedade está acordada, discute, se irrita. É uma sociedade que talvez ainda não saiba bem o que quer, mas que está começando a saber o que já não quer.

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Fonte:
Folha de S. Paulo + UOL

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