Governo recebe como um recado menção de Delcídio a Dilma Rousseff (MÔNICA BERGAMO)

Publicado em 30/11/2015 01:55
NA FOLHA DE S. PAULO DESTA SEGUNDA-FEIRA

O governo recebeu como um recado a citação que o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) fez de Dilma Rousseff no depoimento que prestou na semana passada na Polícia Federal. Ele disse que ela foi a responsável pela indicação de Nestor Cerveró para o cargo de diretor da área Internacional da Petrobras.

BALA PERDIDA
O governo acha que Delcídio pode ser o "fio desencapado" que os investigadores da Operação Lava Jato tanto buscavam e que o universo político tanto temia. Ou seja, aquele personagem capaz de, com suas revelações, envolver pessoas de partidos da situação e até da oposição em situações constrangedoras.

SÓ O COMEÇO
O depoimento do senador foi interrompido na sexta-feira porque, depois de quatro horas, a polícia ainda começaria a esmiuçar as dezenas de citações que ele fez em conversas gravadas por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras. Delcídio se disse exausto e sem condições de continuar.

LONGA-METRAGEM
As conversas selecionadas das gravações de Bernardo somam quase duas horas.

 

Afaste-se dele, presidente

Por VINICIUS MOTA

O sistema político brasileiro caminha para a ruptura, embora nada indique que ela implicará quebra ou relativização do regime democrático. Depois da explosão, o mais provável é que uma nova maioria se erga dos destroços.

A inércia, o marketing e a contingência produziram um grave descompasso entre a tipologia do governo eleito e a dos remédios exigidos para tocar os assuntos públicos. O Brasil reconduziu um projeto intervencionista e paternalista de centro-esquerda, quando a realidade já requeria uma guinada no sentido oposto.

O acaso também fez coincidir no tempo a afirmação das instituições de controle do abuso de poder. Policiais, procuradores e juízes extraem provas criminais a mancheias com a escavação de camadas geológicas sedimentadas no conúbio entre políticos e empresários, exacerbado pela lógica do nacional-desenvolvimentismo.

O resultado dessa confluência de fatores é que o governo eleito por estreita maioria em outubro de 2014, além de ver-se compelido a contrariar suas promessas e convicções, também agrega ao seu redor os políticos que, um a um, vão caindo na teia de inquéritos e condenações criminais.

Ruíram as sucessivas tentativas de remendar o que nasceu torto. A breve "regência" de Lula da Silva, a sua intrusão mais direta no governo, foi enterrada na semana passada, com as prisões do amigo pecuarista e do líder
no Senado e com uma nova fragilização da justificativa do filho do ex-presidente para o recebimento de R$ 2,5 milhões de um lobista.

Lula, como está claro há vários meses, ocupa-se apenas com salvar a própria pele, o que a esta altura seria uma façanha improvável. Vai levando para a cova e o presídio quem se abraçou a ele.

A presidente Dilma ainda pode escolher o seu destino. O ocaso de braços com o padrinho ou a separação definitiva enquanto ainda há um fio de esperança.

 

Como será o amanhã?

Por VALDO CRUZ

Dezembro, mês em que a capital do país entra em ritmo de festas e de recesso de final de ano, vai começar repleto de incertezas. Vamos lá, sem perder o fôlego.

Em clima de chantagem pura, Eduardo Cunha ameaça disparar o processo de impeachment da presidente Dilma se o Conselho de Ética acatar o pedido de cassação de seu mandato nesta terça-feira (1º).

Preso e talvez sem alternativa, Delcídio do Amaral (PT-MS) pode optar pela delação premiada para tentar passar o Natal ou o Ano Novo com a família. Possibilidade que atemoriza lulistas e dilmistas.

A Andrade Gutierrez vai começar a falar o que sabe das falcatruas e pagamentos de propinas. Sabe muito. Suas revelações têm potencial explosivo pelas relações muito próximas com o governo Lula.

Amigo de Lula, José Carlos Bumlai segue preso e há quem aposte alto que ele não se manterá calado quando perceber que vai ficar atrás das grades indefinidamente.

Tem muito mais no mundo sujo da corrupção, mas vamos para a economia. Dezembro começa com o governo sem aprovar a mudança na sua meta fiscal deste ano e também seu pacote fiscal para 2016 -com riscos de fechar o ano sem conseguir.

Resultado: a equipe econômica anuncia hoje mais cortes de gastos, que podem paralisar boa parte das atividades do governo. Algo nunca visto por aqui, mas que retrata a realidade atual de caos na economia.

Sem falar que, sem aprovar um ajuste nas suas contas para o próximo ano, gente graúda do governo já trabalha com um cenário de juros subindo em janeiro de 2016. Um horror num tempo de recessão.

Aí, sem ajuste e com risco de 2016 repetir 2015 na economia, interlocutores de Joaquim Levy (Fazenda) dizem que ele pode não ver mais sentido na sua permanência no cargo.

Enfim, dezembro entra no ritmo daquele samba "como será o amanhã? Responda quem puder". Há quem prefira não saber. O país quer.

 

A peste

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Tempos ingênuos aqueles da "Porém, cada crime ou bando solta brotos novos sem parar. Pode ser que, ainda que Dilma evaporasse e houvesse alternativa política (ora não há), um novo governo fosse assolado pela política que apodrece em ritmo de epidemia de peste.

prisão de José Carlos Bumlai abre um túnel do tempo para muitas perdições no espaço. Mais que amigo de Lula, ele liga bancos à Petrobras, o petrolão de hoje ao mensalão de ontem, tudo amarrado com o fio do PT, que, hoje ou ontem, é Lula.

Caso valha quanto pesa e fale, Bumlai pode até tirar das masmorras Marcos Valério, gerente do mensalão. Quem sabe agora o ex-publicitário tente delação premiada, se não está ameaçado de morte. Faz mais de dez anos, Bumlai e Valério arrecadavam dinheiros para o PT.

Além de revelar possíveis negociatas, o caso do banqueiro André Estevesserve para solapar frentes empresariais de ação política (ou similares). Empresários vão em pencas para a cadeia, empresas graúdas se sujaram na compra de medidas provisórias ou na corrupção do "tribunal de impostos" da Receita Federal, por exemplo.

Ninguém pode, pois, se arriscar a ser amigo de ninguém. O empresário com quem hoje se discute o "interesse nacional" pode ser delator amanhã –talvez o seu delator. O seu sócio no oligopólio "x" montado pelo governo com ajuda do BNDES pode ser o próximo pária da manhã dos camburões da PF.

delação premiada da Andrade Gutierrez deve começar por explodir pedaços do PMDB, o do Rio inclusive, que ora tem peso na Câmara. Os executivos da segunda maior empreiteira vão soltar a lama de Belo Monte, Angra 3, Copa, petroquímica da Petrobras e Norte-Sul. Pode sobrar para o PSDB.

Delcídio do Amaral é ainda incógnita, mas pode juntar Lula e parte do PMDB no mesmo samburá. Sobre a delação do condenado Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, um procurador diz que será "calamitosa".

Enfim, nesta semana Eduardo Cunha ameaça oferecer a cabeça de Dilma em troca da sua.

O governo está com os gastos travados por não ter, na prática, reaprovado o Orçamento mutante de 2015. Não tem Orçamento para 2016. O Congresso atolado na lama no máximo vota o mínimo para manter o país respirando. A isso se reduz o governo, que vai chegar ao final do ano sem nem aparecer com suas prometidas "reformas estruturais", as quais Dilma quer reduzir a fiasco e irrelevância.

Em vez disso, o governo vai soltar um novo pacote fiscal, com o que pretende dizer ao "mercado" que não haverá deficit também em 2016. Mas as medidas que cozinha (Cide etc.) já estão na conta do "mercado". Mesmo com esses remendos, a previsão é de deficit e dívida crescendo sem limite até 2018.

Não há governo, alternativa de oposição, movimento social; elites empresariais e políticas ainda vão se dissolver na lama; há recessão encomendada até 2017. Por ora, não há saída

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A caixa-preta da Andrade

Por BERNARDO MELLO FRANCO

A Andrade Gutierrez vai abrir sua caixa-preta para a Justiça. O resultado do acordo, que fechou uma semana marcada por prisões espetaculares, poderá ajudar a reescrever a história recente do país.

A empreiteira participa de grandes obras públicas desde o governo Dutra. Cresceu na onda desenvolvimentista de JK e se tornou uma gigante na ditadura militar, quando participou do consórcio de Itaipu.

Nas últimas décadas, continuou a faturar alto com a proximidade do poder. Lucrou com as privatizações da era FHC, quando abocanhou uma das maiores fatias da Telebrás, e se lambuzou no petrolão no governo Lula, como pivô de tenebrosas transações reveladas pela Lava Jato.

Pela primeira vez em mais de 50 anos, seus principais diretores conheceram a vida numa cadeia. Depois de cinco meses, resolveram falar. O acordo envolve a delação de seis altos funcionários, inclusive o ex-presidente
Otávio Azevedo, e o pagamento de multa de R$ 1 bilhão.

As primeiras notícias da negociação com a Justiça são devastadoras. A Andrade vai admitir o pagamento de propina na Petrobras, nos estádios da Copa do Mundo e nas bilionárias usinas de Belo Monte e Angra 3.

O pacote também inclui a ferrovia Norte-Sul, um monumento à corrupção nacional. Os acertos entre as construtoras começaram a ser revelados em 1987, na histórica reportagem de Janio de Freitas, e a estrada de ferro até hoje não ficou pronta.

A existência de desvios nessas obras faraônicas não surpreende ninguém. A novidade é que a segunda maior empreiteira do país vai contar quanto levou, quanto pagou e, especialmente, quem recebeu.

Outra consequência é que as construtoras que ainda resistem a abrir suas caixas-pretas ganharão motivos para se arrepender. Se entregar tudo o que promete, a Andrade complicará parceiras como a Odebrecht, com quem dividiu a reconstrução do Maracanã. O estádio custou R$ 1,2 bilhão, 70% a mais que o previsto.

 

A deslegitimação de um sistema político

Por ELIO GASPARI

Estava tudo planejado. Nestor Cerveró conseguiria um habeas corpus, atravessaria a fronteira com o Paraguai, tomaria um jatinho Falcon e desceria na Espanha. Deu errado porque Bernardo, o filho do ex-diretor da Petrobras, gravou a trama do senador Delcídio do Amaral e a narrativa de sua conversa com o banqueiro André Esteves. Depois do estouro, estava tudo combinado. Em votação secreta, o plenário do Senado mandaria a Justiça soltar Delcídio, ou talvez o transferisse para prisão domiciliar num apartamento funcional de Brasília. Deu errado porque a conta política ficou cara e sobretudo porque o ministro Luiz Fachin ordenou que a votação fosse aberta.

A Operação Lava Jato, com seus desdobramentos, está chegando ao cenário descrito há 11 anos pelo juiz Sergio Moro num artigo sobre a "Operação Mãos Limpas" italiana. Ela deslegitimou um sistema político corrupto.

É isso que está acontecendo no Brasil. Na Itália, depois da "Mãos Limpas", o partido Socialista e o da Democracia Cristã simplesmente desapareceram. Em Pindorama parece difícil que a coisa chegue a esse ponto, mas o Partido dos Trabalhadores associou sua imagem a roubalheiras. Já o PMDB está amarrado ao deputado Eduardo Cunha, com suas tenebrosas transações. O PSDB denuncia os malfeitos dos outros, mas os processos das maracutaias ocorridas sob suas asas estão parados há uma década.

A Lava Jato criou o primeiro embate do Estado brasileiro com a oligarquia política, financeira e econômica que controla o país. Essa oligarquia onipotente vive à custa de "acordões" e acreditava que gatos gordos não iam para a cadeia. Foram, mas Marcelo Odebrecht não iria. Foi, mas os políticos seriam poupados e a coisa nunca chegaria aos bancos. Numa mesma manhã foram encarcerados o líder do governo no Senado e o dono do oitavo maior banco do país. Desde o início da Lava Jato a oligarquia planeja, combina e quando dá tudo errado ela diz que a vaca vai para o brejo. Talvez isso aconteça porque ela gosta do brejo, onde poderá comer melhor.

Eduardo Cunha ainda acredita que terminará seu mandato. Sua agenda de fim do mundo desandou. A doutora Dilma Rousseff continua achando que não se deve confiar em "delator". Lula diz que Delcídio fez uma "grande burrada", mas não explica qual foi a "burrada".

Nunca é demais repetir. O artigo do juiz Moro está na rede. Chama-se "Considerações sobre a Operação Mani Pulite". Lendo-o, vê-se o que está acontecendo e o que poderá acontecer.

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COINCIDÊNCIAS

Lula é amigo de José Carlos Bumlai, pai de Fernando, marido de Neca, filha de Pedro Chaves dos Santos, o suplente que deverá assumir a cadeira de senador de Delcídio do Amaral, que discutiu o resgate de Nestor Cerveró com André Esteves, que comprou a fazenda Cristo Rei, de José Carlos Bumlai, que tomou R$ 12 milhões no banco de Salim Schahin, cuja empreiteira associou-se à Sete Brasil, presidida por João Carlos Ferraz, que era amigo de Lula.

TRINCA

É difícil acreditar que Delcídio e o banqueiro André Esteves estivessem numa operação solo.

Esteves não entrou na aventura da Sete Brasil porque estava distraído. Delcídio, por sua vez, sempre foi um suavizador de encrencas petistas.

Em 2006 ele contou a Lula que Marcos Valério, o tesoureiro do mensalão, ameaçava fechar um acordo com o Ministério Público. Lula ficou calado. Delcídio voltou ao assunto e desta vez Nosso Guia falou: "Manda ele falar com o Okamotto".

Paulo Okamotto é o fiel escudeiro de Lula.

VEM MAIS

Em setembro o empresário Fernando de Moura, amigo do comissário José Dirceu, passou a colaborar com as autoridades. Seus depoimentos deverão provocar o aparecimento de um novo colaborador que teria se prontificado a contar o que sabe.

O companheiro sabe bastante. Tinha uma empresa de construção em São Paulo e escritório vizinho a uma sede do PT. Juntou-se a um projeto de gasoduto da Petrobras e associou-se a uma grande empreiteira. Como não podia deixar de ser, foi chamado pela Sete Brasil para operar navios-sonda.

Seria um caso exemplar de colaboração oferecida.

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FACA NOS DENTES

O voto da ministra Cármen Lúcia na reunião do Supremo Tribunal Federal que determinou a prisão de Delcídio do Amaral e André Esteves -"o escárnio venceu o cinismo"- mostra que ela está com a faca nos dentes.

Em setembro do ano que vem, Cármen Lúcia assume a presidência do Supremo, com mandato de dois anos.

A ROTA DE ARIDA

A sorte foi malvada com o economista Persio Arida quando ele escolheu os banqueiros com quem se associou.

Depois de ter presidido o BNDES e o Banco Central, Arida foi para a iniciativa privada. Ligou-se ao banco Opportunity, de Daniel Dantas, o poderoso mago da privataria tucana. Arida deixou o Opportunity em 1999. Em 2004 Daniel Dantas foi preso durante a espetaculosa e malfadada Operação Satiagraha, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, que mais tarde viria a ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal por vazar informações sigilosas.

Em 2008 Arida associou-se a André Esteves no BTG Pactual. Com a prisão do novo mago, assumiu o comando do banco.

BANQUEIROS

No século passado o banqueiro Walther Moreira Salles comprou uma fazenda em Mato Grosso. Tinha como sócios os irmãos David e Nelson Rockefeller. Iam às matas da Bodoquena para caçar onças. David completou 100 anos e é um ícone da finança mundial. Nelson foi vice-presidente dos Estados Unidos.

Neste século o banqueiro André Esteves também comprou a fazenda Cristo Rei, no pantanal de Mato Grosso. Ela foi vendida pelo pecuarista José Carlos Bumlai. Lula gostava de pescar na Cristo Rei. Esteves e Bumlai estão encarcerados.

Não se fazem mais banqueiros como antigamente.

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A UTILIDADE DA MEMÓRIA DE MARCOS VALÉRIO

As investigações da Lava Jato indicam que as petrorroubalheiras e o mensalão compõem uma história só. Por exemplo: o banco Schahin emprestou R$ 12 milhões a José Carlos Bumlai em 2004, antes que a palavra "mensalão" entrasse no vocabulário político nacional. O dinheiro, como o dos empréstimos tomados pelo publicitário Marcos Valério, destinava-se ao PT. Na sua fúria arrecadadora, o comissariado ainda operava com personagens de segunda, mas já vendia facilidades na Petrobras. A Schahin levou um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar um navio-sonda.

É possível que Marcos Valério reapareça. Ele está na penitenciária de Nova Contagem (MG), condenado a 37 anos de prisão. Já pagou três. Vive só numa cela e dedica-se a pintar quadros medonhos.

Se ele tiver algo a contar, com provas, poderá negociar um acordo com o Ministério Público. Caso a Viúva revele interesse na sua memória, Marcos Valério pode conseguir uma passagem para o regime semiaberto.

 

Em memória de Douglass North

Por SAMUEL PESSOA

Keynes prescreveu aumento do gasto público, financiado por emissão monetária, para retirar uma economia presa na armadilha de juros baixos, deflação, desemprego aberto e recessão, quando esta situação era causada por carência de demanda agregada: cada indivíduo, ao tentar elevar sua poupança, gerava queda da demanda e, portanto, recessão e queda de renda.

O remédio de Keynes, simples e eficaz, foi tão influente que gerou o efeito colateral de os economistas considerarem que a superação do subdesenvolvimento econômico seria obtida por meio de um correto manejo das políticas macroeconômicas. A superação do subdesenvolvimento passou a ser tratada como mais um problema de engenharia econômica.

A macroeconomia passou a ser o campo mais nobre da economia e tornou-se estanque da microeconomia, que ficou relegada a chatíssimos cursos de graduação.

A agenda do desenvolvimento do Banco Mundial dos anos 1950 até o final dos anos 1970 era promover medidas para complementar a carência de poupança dos países pobres. A acumulação do capital geraria mecanicamente crescimento. Décadas de ajuda e transferências engordaram os bolsos das elites locais, estimularam guerras e em nada contribuíram para gerar crescimento na África subsaariana.

O historiador econômico Douglass North, morto na semana passada e agraciado com o Prêmio Nobel de Economia com Robert Fogel em 1993, atualizou Adam Smith para o século 21 e relembrou os economistas da principal lição do iluminista escocês: o desenvolvimento econômico é essencialmente um processo de desenvolvimento institucional.

O desenvolvimento pleno só ocorre em sociedades que conseguem resolver o complexo problema de estabelecer instituições que promovam o alinhamento dos retornos privados que os indivíduos auferem das suas ações aos retornos sociais que resultam dessas mesmas ações.

Ao analisar o desenvolvimento institucional da Inglaterra, que culminou na Revolução Industrial, North notou haver um processo virtuoso de seleção das instituições mais eficientes. Uma das etapas mais marcantes desse processo foi a Revolução Gloriosa, que circunscreveu os poderes da realeza britânica com a aprovação da "Bill of Rights" (Declaração de Direitos), na prática instituindo o parlamentarismo no país.

Nas últimas três décadas, North se debruçou sobre os obstáculos ao desenvolvimento. Quais são as barreiras que impedem que o processo virtuoso de seleção institucional seja reproduzido em todas as economias? Simplificando em demasia a complexidade do seu argumento, a interação entre ideologia –ou, como North chamava, modelos mentais compartilhados– e ações das elites para impedir a abertura de mercados e a liberdade de associação está na raiz da permanência do subdesenvolvimento.

O desastroso experimento de política econômica entre 2009 e 2014, a nova matriz econômica, no qual todos os princípios de eficiência alocativa foram jogados na lata do lixo, indica que infelizmente os escritos de North não foram absorvidos por parcela expressiva da academia brasileira. Estamos pagando muito por isso.

Meu colega Carlos Eduardo Gonçalves, em coautoria com Bruno Giovannetti, lança hoje na Livraria da Vila do Shopping Cidade Jardim o livro "Economia na Palma da Mão". Economia em linguagem simples e acessível para todos os interessados no tema. 

 

De freio a motor

Por HENRIQUE MEIRELLES

Depois de mais uma semana de crise no país, que conjugou episódios policiais e políticos agudos com dados de aumento no desemprego e maior incerteza sobre a aprovação das medidas fiscais no Congresso, é importante chamar a atenção à mudança na política econômica na Argentina, nosso maior parceiro comercial.

Logo depois de eleito presidente argentino, Mauricio Macri anunciou o desejo de reforçar as relações comerciais com outros países e especialmente com o Brasil. Essa abertura deve não só fortalecer o Mercosul como aumentar a inserção da região nas correntes mundiais de produção e comércio, gerando benefícios amplos na medida em que cada país pode se especializar em partes da cadeia produtiva nas quais é mais eficiente e importar componentes mais baratos e de maior qualidade, possibilitando aumento das exportações.

A Argentina nos últimos anos insistiu numa política oposta, de fechamento, impondo restrições às importações e controles cambiais que geraram dificuldades econômicas e reduziram seu desenvolvimento. Essas medidas ao final tiveram efeito contrário ao declarado objetivo de estimular a indústria, pois o país passou a depender ainda mais da exportação de produtos básicos e de baixo valor.

Agora Macri fala em modernização da economia, eliminação do intervencionismo estatal excessivo, funcionamento mais livre dos mercados e abertura ao Brasil. Se levadas a termo, essas medidas criarão oportunidades importantes, com aumento da escala e da competitividade global dos dois lados da fronteira.

Paralelamente, a Argentina, ao contrário dos últimos anos, pode ser importante vetor de abertura comercial no âmbito do Mercosul, destravando acordos com outras regiões, antes contestados de forma agressiva por Buenos Aires.

Não faltarão divergências naturais nesse caminho bilateral, mas é importante que o Brasil use essa oportunidade para aumentar o comércio com a Argentina e também com o resto do mundo. Se não, corremos o risco de perder o bonde da história e a oportunidade de elevar a nossa presença nas cadeias produtivas mundiais, como vimos recentemente na criação de um novo bloco internacional, o Tratado Transpacífico (TPP), que aglutinou
parceiros relevantes do Brasil na região andina com os EUA, o Japão e outros países asiáticos.

A virada na orientação da política econômica na Argentina, portanto, além de ser fator determinante no cenário interno do país ao eliminar distorções e restrições ao funcionamento dos mercados, pode também ser fundamental para as relações comerciais do Brasil uma vez que o país vizinho poderá agora funcionar não mais como freio, mas como motor de crescimento e abertura regionais.

 

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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