Colapso industrial, editorial da FOLHA, e RUY CASTRO: "Por motivo de força maior" (imperdível!!!)

Publicado em 09/01/2016 06:59
na Folha de S. Paulo (edição deste sábado)

Colapso industrial, editorial da FOLHA

Após anos de retração, acentuada no ano passado, a produção manufatureira no Brasil caiu aos níveis de 2004. Um colapso que, de forma dramática para o país, evidencia o fracasso da política industrial dos governos petistas, nos últimos tempos fundada sobretudo no intervencionismo aventureiro e na ausência de estratégia coerente.

Como se o desastre geral já não bastasse para atestar a falência do modelo defendido pelo PT, a deterioração foi particularmente acentuada entre alguns dos setores mais protegidos e incentivados pelo governo, como o de máquinas e equipamentos e o automotivo.

De bilionários subsídios a financiamentos de bancos públicos, de políticas de conteúdo nacional a barreiras para importação, de aumento de tarifas a controle de preços de insumos, tentou-se de tudo.

Tudo de uma cartilha anacrônica, talvez conveniente para empresários ávidos por benesses e um mercado cativo, mas alheia aos grandes vetores de dinamismo no mundo moderno: a economia do conhecimento e da integração produtiva em bases globais.

Nada funcionou, naturalmente, em uma dinâmica bem exemplificada pelo setor automobilístico.

Em 2009, como resposta à crise financeira global, o governo Lula (PT) cortou impostos a fim de impulsionar a demanda. Os incentivos se prolongaram até 2014, embora com efeitos cada vez menores.

A produção respondeu e atingiu o pico de 3,7 milhões de unidades em 2013. Projetando vendas de 5 milhões adiante, as montadoras expandiram sua capacidade.

O mercado interno, todavia, já dava sinais de exaustão, e as fábricas perdiam competitividade. Em 2012, procurando contornar esse cenário, o governo aumentou as exigências de conteúdo nacional, na prática restringindo ainda mais o espaço para veículos importados.

Disso resultou uma indústria pouco inovadora, com produtos de qualidade inferior direcionados para um mercado protegido. Dito de outra forma, o setor se manteve dependente de uma demanda interna que, ainda pior, vinha se sustentando artificialmente.

Não espanta, portanto, o tamanho do ajuste forçado pela crise. As vendas caíram 26,6% em 2015, recuando para 2,6 milhões de unidades, pior nível desde 2008; cortaram-se 14,7 mil empregos, cerca de 10% do total.

Sem alternativa, as empresas são levadas a buscar novos caminhos, e o mercado externo se oferece como opção óbvia –especialmente diante da desvalorização do real.

A reorientação não deixa de ser um sinal auspicioso; o Brasil terá a ganhar se o governo começar a abrir progressivamente o mercado e celebrar acordos de comércio com mais países. Somente uma indústria competitiva e integrada ao restante do mundo pode sobreviver com as próprias pernas.

 

E o ano mal começou

Por IGOR GIELOW

As hostes governistas passaram 2015 tentando vender a falácia segundo a qual não era o Planalto o responsável pela crise em que o país se encontra. Na política, a culpa era da "oposição golpista", do Cunha, dos jornalistas. Na economia, dos efeitos da Lava Jato e do cenário externo desfavorável.

Ao menos na área econômica, houve uma ligeira inflexão a partir das declarações recentes de Dilma Rousseff e de seu novo e a cada dia mais frágil anteparo, Jaques Wagner. Um inespecífico mea-culpa tomou forma, variante pálida da admissão de dolo representada pela quitação das pedaladas fiscais –onde estarão os porta-vozes do indesculpável que as negavam agora?

É pouco, e tardio. Se o ano acabou com alívio para o Planalto, com a momentânea amarração do impeachment pelo Supremo, a sensação que o começo de 2016 transparece é a de exaustão. E a Lava Jato apenas começou sua nova temporada, esbarrando em Wagner de saída.

Se ainda mantém o discurso de vitimização, Dilma tem dado sinais contraditórios ao defender medidas sensatas na economia, como mexer na Previdência. Ela se posiciona como uma mandatária forte em início de gestão, mas é o oposto.

Nenhuma proposta de reforma estrutural no Brasil pode ser comprada pelo valor de face, claro, mas é curioso ver Dilma apostar numa agenda que afronta o que lhe restou de base de apoio no petismo de resultados.
Não é crível ver nisso tudo um aceno ao empresariado, já que mais impostos também estão no pacote. Já a aposta na injeção de crédito na economia parece só uma reprise de filme ruim. Falta credibilidade hoje.

Como tudo pode piorar, a opacidade da ditadura modernete chinesa pode estar a esconder uma hecatombe econômica externa de verdade, dando ao governo motivos para lembrar amargamente do popular dito derivado da psicanálise: "Cuidado com o que você deseja".

 

Por motivo de força maior

Por RUY CASTRO

Há um ano, Marcelo Odebrecht pediu a um executivo da Petrobras dados para um "aide-mémoire" que estava escrevendo para Lula usar numa visita que faria à Argentina. O homem se empolgou e escreveu demais. Odebrecht o cortou: "Um terço de página apenas, ou o cara não lê".

Bom saber que Odebrecht escrevia "aide-mémoires" para Lula usar em seus pronunciamentos no exterior. Significa que, naquela época, Lula não precisava falar por conta própria, como no dia em que, em visita oficial à África, em 2003, chegou à Namíbia, olhou em volta e declarou: "Tão limpa que nem parece a África!" – ofendendo todos os países africanos pelos quais passara.

O incrível é constatar como Lula é tido em baixa conta justamente pelo homem que, então, vivia contratando-o para dar palestras nos vários continentes. Não eram palestras comuns, para plateias indiferentes, mas "lectures" dirigidas à nata política, social e econômica de cada país – gente sem tempo a perder e ansiosa para ouvir os ensinamentos de um governante bem sucedido. Eram palestras tão importantes que Odebrecht pagou a Lula, em um ano, R$ 4 milhões por elas – R$ 400 mil cada.

Uma palestra desse porte dura duas horas. Como falar duas horas sobre qualquer assunto sem dominá-lo? E como fazer isso sem ter lido balanços, relatórios, pareceres e análises, ou mesmo resumos preparados por assessores? E será possível guardar de cor todos os dados? Não, o palestrante terá sempre de se valer de papéis à sua frente. Mas, segundo Marcelo Odebrecht, textos de mais de um terço de página, "o cara não lê".

Um dia, alguém terá acesso a um vídeo, áudio ou transcrição de uma palestra de Lula paga por Odebrecht – ninguém viu nada até hoje. Só então se descobrirá o insuperável palestrante que ele era e, hoje, por motivo de força maior, deixou de ser.

 

Horizonte mínimo

Por ANDRÉ SINGER

Para além de considerações menores, sobressai da entrevista com o ministro Jaques Wagner a vontade de ser realista. O governo se esforça por colocar os pés no chão e assumir a própria fraqueza, não sem um travo de amargura, como deixa claro a expressão da presidente Dilma na conversa com jornalistas quatro dias depois. O diagnóstico do núcleo planaltino no confronto com a realidade parece ser de que é bem pequena a margem de ação que teria até o fim do mandato.

Em função disso, na economia, onde a grande maioria da população sente as agruras da crise, o Executivo opta por política gradualista ao extremo. A frase do ministro, embora simples, é elucidativa: "Não acho que vamos ter crescimento em 2016, mas temos que ter um ambiente mais salutar". Em outras palavras, assume que a recessão continuará para, quem sabe, estancar em 2017. Tudo que almeja é terminar o ano com menor tensão.

Na mesma linha, o recém-nomeado para a Fazenda, Nelson Barbosa, finca pé em que não há possibilidade de apresentar qualquer plano de desenvolvimento agora. Coerente, propôs uma espécie de negociação que, sabe, vai envolver extenso período de maturação. Barbosa quer encetar uma reforma da Previdência de longo prazo em troca da confiança dos investidores.

Enquanto isso, o aumento do desemprego e a contração da demanda cuidariam de conter a inflação. O máximo que Barbosa promete de imediato é moderar algo o ajuste fiscal, o que equivale a atenuar alguns milímetros o garrote no pescoço da vítima. Saúde, educação, Estados e prefeituras continuarão à míngua, mas não fecharão as portas.

Na política, a opção minimalista representa o desastre. O PT levará uma tunda nas eleições municipais e Dilma, mesmo se escapar do impeachment, continuará acossada por pressões golpistas. Por isso, Lula e o PT cobram outra postura imediata.

Ao afirmar que o PT se lambuzou por usar, sem treino, a "ferramenta" do "financiamento privado", Wagner responde à pressão partidária com uma chamada à responsabilidade de cada um. Afinal, a crise econômica é também resultado parcial da Operação Lava Jato. O recado é: todos erramos e teremos que pagar o preço juntos, não há salvação individual.

A estratégia exposta praticamente sela a derrota do lulismo em 2018. Pelo desenho enunciado, não haveria tempo de recuperação eleitoral. Na prática, o que Dilma está propondo, tanto ao capital quanto à oposição, é que a deixem concluir o mandato em troca de passar o bastão a outro bloco daqui três anos. Se de fato houve negociação com o PMDB, como noticiou Vinicius Torres Freire, (VER ABAIXO) tal é o seu verdadeiro conteúdo.

O horizonte proposto é triste e ruim, mas possível.

 

Passarela para o amanhã

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Nos dias animados do impeachment, lá por outubro, o PMDB mandou fazer roupa nova no alfaiate. O banho de loja era uma tentativa do partido de se candidatar a líder confiável de uma nova coalizão antipetista. Era um programa liberal de governo, a "Ponte para o Futuro", também um obituário da política econômica de Dilma 1 e das ideias do PT, às quais atribuía a ruína do país.

Pois então. O pessoal do PMDB diz agora que Dilma Rousseff ofereceu uma gambiarra para o presente, um acordo de paz com o partido. Nos termos do armistício, está a adoção de partes da "Ponte para o Futuro", o "Plano Temer". Segundo o pessoal do PMDB, foi o que o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) ofereceu na reunião de quarta-feira com o vice-presidente, Michel Temer, que havia se tornado um dos líderes da destituição da presidente.

Há versões conflitantes sobre o que teria sido proposto e do que já foi conversado, por outras vias, com o PMDB. De menos incerto, seria o seguinte.

Primeiro, pode se discutir um limite para o crescimento das despesas de custeio do governo, que aumentariam a uma velocidade menor que a da economia, da expansão do PIB.

O que quer dizer "despesas de custeio" ninguém soube explicar direito (em tese, são todos os gastos que não os de investimento "em obras"). Várias despesas crescem mais do que o PIB (Previdência) ou tendem a crescer, em anos bons (tais como saúde e educação), pois são vinculadas ao tamanho da receita (se a arrecadação de impostos aumenta mais que o PIB, tais gastos vão junto). Qual gasto seria limitado?

Segundo, o governo se comprometeu com a fixação de uma idade mínima para o direito à aposentadoria, como disse ontem também a presidente em entrevista, em termos igualmente vagos.

Terceiro, o governo apresentaria um plano "amplo" de simplificação de impostos (menos variedade de impostos, menos alíquotas diferentes, menos exceções).

Quarto, haveria menos burocracia para a criação de empresas e para licenciamentos vários, ambientais inclusive.

Quinto, seriam criados programas de avaliação da eficiência de políticas públicas.

Gente do governo diz que a oferta não foi assim tão longe. Em especial, "não haveria hipótese" de acabar com a vinculação de recursos para saúde e educação ou com o reajuste automático, indexado, do salário mínimo e do piso dos benefícios do INSS.

Difícil acreditar que o PMDB vá se comover tanto assim com concessões programáticas, ainda mais tão vagas. Mas, caso o impeachment vá mesmo para o vinagre, pode ser um modo de o partido dourar a pílula da paz, de passar um verniz na reaproximação com o governo. Temer gostou da ideia.

Mais difícil ainda é acreditar que boa parte desse plano vá andar. Pode se tratar apenas de uma daquelas histórias dos recessos de verão (em anos mais amenos, por exemplo, a ideia de "reforma política" sempre aparecia em janeiro). Quando volta a briga de facas da política, tudo isso tende a virar picadinho.

Por enquanto, porém, o governo precisa de uma passarela para o amanhã, um caminho de vaca até abril, que seja, pois Dilma Rousseff ainda vive da mão para a boca, atolada na ruína econômica que criou e ameaçada ainda de deposição. Precisa de paz com Temer.

 

Talvez 2016 não seja um ano perdido

Por OSCAR VILHENA VIEIRA

É paradoxal que num momento tão pessimista, das perspectivas política e econômica, o país possa estar vivendo um significativo processo de transformação de um dos elementos mais profundos de sua cultura. Desde que nos dispusemos a refletir sobre nossa identidade, no início do século passado, ficou claro que nós, brasileiros, sempre tivemos uma enorme dificuldade em pautar nossas relações, bem como as nossas condutas, pela regra da lei.

Ao longo de séculos nos esmeramos na construção de uma sociabilidade barroca, pautada por privilégios, imunidades e impunidade, que têm como contrapartes necessárias a discriminação, o arbítrio ou a mera invisibilidade. Esse modelo de sociabilidade, no entanto, vem se exaurindo. No centro desse processo de mudança estão novas gerações que, em três décadas de democracia, têm aprendido a reivindicar seus direitos e exigir a responsabilização dos que descumprem a lei.

Embora uma boa parte de nossas lideranças políticas e empresariais não tenham percebido esse processo -daí se encontrarem enredadas em esquemas promíscuos que não parecem ter fim- alguns setores das agências de aplicação da lei não apenas captaram os novos ventos, como têm servido de catalisadores desse movimento de mudança.

Não se trata, evidentemente, de um processo linear. Se a condução do processo do mensalão e, agora, das operações Lava Jato, Zelotes e Catilinárias apontam para uma alteração de paradigma na aplicação do direito, as condições carcerárias, a violência policial, a lentidão e o arbítrio de diversos setores da justiça brasileira nos lembram que ainda há muito o que se fazer.

Os processos de desenvolvimento ocorrem muitas vezes de maneira desequilibrada, para tomar emprestado uma expressão do influente economista Albert Hirschman. Alguns setores avançam primeiro e com isso geram uma demanda pela modernização de outras esferas que com eles se relacionam. Nada garante, no entanto, que o avanço institucional que estamos assistindo não se demonstre apenas insular. Um espasmo de transformação, que logo será diluído pelo peso do atraso.

Nesse sentido os desafios das instituições jurídicas em 2016 serão enormes no campo da Justiça. Esses ruidosos processos passarão pelo filtro das instâncias superiores. Conter eventuais excessos, sem romper com o ciclo virtuoso de responsabilização dos que comprovadamente violaram a lei, será o mais difícil.

Também será um grande desafio persuadir os setores mais inertes do sistema de justiça que os espaços para a afronta ao direito, assim como a negligência na sua aplicação, ficaram mais apertados. Que devem se requalificar para a prestação de um serviço público mais efetivo, caso não queiram ser legados à irrelevância.

A expectativa otimista, porém, é que as esferas institucionais mais obsoletas não consigam resistir à pressão desse novo tempo e sejam paulatinamente influenciadas, induzidas ou mesmo constrangidas a também mudar suas práticas. Seja pelo contato com aqueles que já estão desestabilizando o sistema, seja por uma forte demanda da sociedade, que passou a contar com um novo padrão na aplicação do direito.

Se continuarmos avançando na consolidação do Estado de Direito, por mais pífio que seja o crescimento econômico e por mais constrangedora que seja a política, 2016 não terá sido um ano perdido. 

 

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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