Na FOLHA: O começo e o fim (editorial). "O governo Dilma é o pior da República, talvez o pior da história"

Publicado em 05/05/2016 04:47
na edição desta 5a.-feira da FOLHA DE S. PAULO

O começo e o fim, editorial da FOLHA

Ainda que suas consequências jurídicas venham a desdobrar-se por mais tempo, as últimas iniciativas do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, possuem devastador impacto político.

É como se o laborioso e complexo edifício de desvios e irregularidades construído pelo PT desde os tempos do mensalão fosse enfim atingido em sua principal estrutura de sustentação.

Preservado dos inquéritos que levaram à condenação de seu maior parceiro, José Dirceu, o ex-presidente Lula (PT) vê fechar-se em torno de si o círculo das suspeitas que, embora há tempos se generalizassem na opinião pública, ainda não conheciam formalização jurídica em sua integridade.

Diga-se, de todo modo, que a manifestação de Janot não se reveste, por si mesma, de poder condenatório. O procurador-geral expressou a suspeita, ainda genérica, de que seria impossível ao líder petista não ter participado do esquema de pilhagem na Petrobras.

O acerto na estatal de fato pressupõe uma coordenação que dificilmente outra figura poderia efetuar. Cabe, entretanto, obter provas concretas de sua atuação.

Mais específica é a denúncia, também apresentada por Janot, quanto à participação de Lula em caso correlato. Trata-se da suposta tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras já comprometido a fazer revelações sobre o escândalo, em acordo de delação premiada.

Acrescenta-se à movimentação do procurador-geral um terceiro foco de possíveis incriminações, atribuindo à presidente Dilma Rousseff (PT) a intenção de proteger Lula dos rigores da primeira instância, nomeando-o para a Casa Civil.

Fundamentados em gravações e depoimentos como a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), os pedidos de Janot podem ou não ser aceitos no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Faltam ainda evidências capazes de tornar indubitáveis as suspeitas apresentadas.

Dissipa-se, de todo modo, a impressão de que a Operação Lava Jato perdia fôlego.

Há muito a investigar, sem dúvida, também no campo da oposição: de Aécio Neves (PSDB-MG) a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), são muitas as figuras estranhas ao petismo que se encontram igualmente sob a mira de Janot.

Um desfecho rápido para tantos escândalos se torna improvável, justamente pela quantidade de figuras envolvidas. É o começo de um longo processo judicial.

Do ponto de vista da opinião pública, todavia, pode-se dizer que não só o esquema petista, mas todo um modelo multipartidário de corrupção e financiamento político já está exposto, desmoralizado e agonizante, à luz do dia.

 

As consequências econômicas de Dilma

Por ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O governo Dilma é o pior da República, talvez o pior da história. Não é fácil receber um país crescendo decentemente, contas públicas razoavelmente em ordem (com tarefas a cumprir, registre-se), histórico de inflação ao redor da meta, contas externas controladas e, em meros quatro anos, demolir esse legado, construído ao longo de mais de uma década por vários governos.

Não é por outro motivo que sua administração, assim como seus cúmplices, tem imensa dificuldade para assumir a responsabilidade pelo desastre. Originalmente a desculpa era a crise externa, convenientemente deixando de lado que o crescimento mundial de 2011 a 2014 foi igual ao registrado nos quatro anos anteriores, enquanto a relação entre os preços das coisas que exportamos e as que importamos (os termos de troca) foi a melhor da história recente, algo como 24% superior à sua média de 38 anos.

A desculpa agora é a oposição, que não teria compactuado com "as propostas de ajuste das contas públicas", eufemismo para aumento de impostos, em particular a CPMF. Nas palavras da presidente, os opositores "são responsáveis pela economia brasileira estar passando por uma grande crise".

Nada é dito, claro, sobre o aumento dos gastos observado sob seu governo, muito menos sobre seu papel no extermínio (em 2005, ainda no governo Lula) da proposta de ajuste fiscal de longo prazo, formulada pela equipe de Antonio Palocci e fulminada por ela como se fosse uma "proposta rudimentar" sob o argumento de que "gasto corrente é vida".

Pelo que me lembro, também não foi a oposição quem baixou, na marra, as tarifas de energia, medida elogiada à época por ninguém menos que Delfim Netto, o mesmo que hoje reconhece o erro da política, apenas se esquecendo de dizer que estava entre os que a aplaudiram.

Desconheço também qualquer papel da oposição na decisão de aumentar o volume de crédito do BNDES em R$ 212 bilhões (a preços de hoje) entre 2010 e 2014, valor integralmente financiado por créditos do Tesouro Nacional, que se endividou no mesmo montante para beneficiar um punhado de setores e empresas selecionadas por critérios muito pouco transparentes.

Da mesma forma, a oposição não parece ter sido ouvida quando o governo decidiu segurar artificialmente os preços dos combustíveis, levando não apenas a Petrobras a uma situação delicada do ponto de vista de seu endividamento (limitando assim sua capacidade de investimento) como também, de quebra, desarticulando o setor sucroalcooleiro.

A lista poderia se estender ainda mais, tendo como fator comum a ausência de deliberação da oposição em decisões que, ao final das contas, caíam todas na esfera governamental. Não deve restar dúvida de que há um único responsável pelo desastre econômico em que o país se encontra: o governo federal, sob comando da presidente Dilma Rousseff.

E que não se exima o PT, que apoiou entusiasticamente a política econômica (assim como os keynesianos de quermesse que hoje fingem não ter nada a ver com assunto), mas se opõe ferozmente às tentativas de corrigir a Previdência ou atacar vinculações orçamentárias.

A oposição não é grande coisa, mas há apenas um culpado pela crise: o atual governo, presidente à frente e PT no apoio. O resto é apenas covardia e (mais) mentira para a campanha de 2018.

 

Na ponta do lápis

Por MARCELO COELHO

Não estamos tratando de "tecnicismos", afirmou o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), ao apresentar seu relatório na comissão especial que analisa o impeachment de Dilma Rousseff.

Que o assunto dos créditos suplementares e das pedaladas fiscais é espinhoso, ninguém duvida. Por horas a fio, Anastasia explicou em detalhes as possíveis ilegalidades cometidas por Dilma Rousseff na gestão das contas públicas em 2015.

Atentar contra o orçamento, lembrou, foi sempre motivo de impeachment em todas as Constituições brasileiras –com exceção da carta ditatorial de Getúlio Vargas em 1937.

Com a experiência de muitas crises inflacionárias, prosseguiu o relator, a legislação brasileira passou a dedicar especial atenção ao perigo de descontrole nas contas do governo. A estabilidade da moeda é um bem público, a ser protegido legalmente quando autoridades agem de modo a atacá-la.

Várias leis diferentes –ademais da Constituição–cuidam de regular os gastos do Executivo. Existe, como se sabe, a Lei do Orçamento Anual, LOA, votada pelo Congresso, prevendo despesas ao longo do ano. Existe também a LDO, Lei de Diretrizes Orçamentárias, que estabelece metas de superavit nas contas do governo. E há a LRF, Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe um governante de gastar além de suas possibilidades.

É nesse contexto que surgem os famosos "decretos não autorizados" que Dilma emitiu em 2015, e que seriam um dos principais motivos para seu impeachment. Com pressa, mas também com paciência, Anastasia foi expondo como funciona, em linhas gerais, o mecanismo dos gastos de governo.

Ficamos sabendo, assim, que há três tipos de "despesas adicionais" que podem ser feitas pelo Executivo, mesmo depois de aprovada a lei de orçamento.

"Créditos extraordinários" podem ser abertos em casos de tragédia ou de imprevisto, sem autorização do Congresso. Esta é necessária nos "créditos especiais", que contemplam pontos não contemplados pelo orçamento. E há os "créditos suplementares", que aumentam gastos em pontos que já tinham sido aprovados pelo Legislativo.

Nesse caso dos créditos suplementares, é até possível que o Congresso, quando aprovou a Lei Orçamentária, dê ao Executivo uma autorização prévia para abri-los, conferindo alguma flexibilidade na gestão desses gastos. Essa permissão existiu em 2015.

Claro: nunca se tem certeza absoluta, na hora de elaborar o Orçamento, sobre quanto vai se arrecadar ou gastar ao longo do ano. Essa é a base, aliás, dos argumentos do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa: só no final do ano a presidente poderia saber se estava estourando as metas de controle do deficit; decretou gastos suplementares de boa fé, autorizada pela lei orçamentária.

Não, argumentou Anastasia. O governo federal já fazia e refazia revisões quanto às suas disponibilidades de recursos. Começou prevendo um superavit de R$ 114 bilhões em 2015. Meses depois, reduziu a meta para R$ 55 bilhões. Em agosto, fez nova lei mudando a meta para R$ 5,8 bilhões. Em outubro, a meta afundou num deficit de R$ 51,8 bilhões.

Uma queda livre, portanto. Os seis créditos suplementares mencionados no pedido de impeachment foram editados em julho e agosto –quando já se percebia que o governo não tinha folga para gastar. E o Congresso só autorizava esses créditos se não viessem a comprometer as metas do deficit.

Anastasia examinou os decretos um a um, avaliando se poderiam ser "neutros", isto é, sem efeito de aumentar o deficit público. Conforme a interpretação, a maior parte deles não escapa de ter efeitos negativos. Um deles aumentou o deficit em, hum, R$ 7 milhões. Outro, mais robusto, terá trazido um rombo de R$ 251 milhões, ou R$ 493 milhões numa interpretação mais rigorosa.

O assunto é técnico mesmo, como se vê. Feitas todas as contas, os tais decretos determinaram um buraco de R$ 977,8 milhões, conforme Anastasia.

Certamente, num quadro em que o déficit de 2015 chegou a um número 50 vezes maior, não foi essa ilegalidade no comportamento de Dilma a causa da desgraça geral.

Mas a ilegalidade existiu, afirma Anastasia; o processo seguirá seu curso. 

 

Ao desqualificar Delcídio, Dilma revela-se cega (JOSIAS DE SOUZA)

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Três inimigos de Dilma neste fim de linha: os traidores, os delatores e os vazamentos. Os traidores a apunhalam nas votações do impeachment, os delatores a arrastam para o epicentro da Lava Jato e os vazamentos transformam a degradação em devastadoras manchetes.

Acusada por Delcídio Amaral de ter tramado contra o bom andamento da Lava Jato, Dilma tornou-se protagonista de um pedido de inquérito que o procurador-geral Rodrigo Janot protocolou no STF.

Madame apressou-se em desqualificar o acusador. Chamou-o de leviano e mentiroso. Beleza. Agora falta apenas marcar uma consulta com o oftalmologista. Só a cegueira explica o fato de Dilma ter nomeado Delcídio, o mentiroso, para o posto de líder do seu governo no Senado.

 

Temer, notáveis e notórios

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Michel Temer planeja aprovar um plano ambicioso de reformas no Congresso, a julgar pela composição provável do seu governo ainda virtual. Ou não? Quais outros restos a pagar ainda estariam na conta do vice quase presidente?

A coalizão temerista deve ter mais votos que os 367 do impeachment na Câmara. Para tanto, o ministério que deveria ser de notáveis conta cada vez mais com notórios.

Dilma Rousseff começou o primeiro mandato com mais de 400 deputados em sua coalizão; Dilma 2, com nominais e, viu-se logo, fictícios 322 votos: foi derrotada e em seguida triturada no Congresso. Lula 2 começou com pouco mais de 350, aliança mais modesta, mas ainda bastante para aprovar emendas constitucionais com alguma folga.

Se ainda fosse necessário dizê-lo, percebe-se que comprar deputados em baciadas não é bem o único nó do rolo do Congresso. Temer firmou com as lideranças algum acordo de votação de um pacote mínimo de mudanças? Não, parece improvável.

Para começar, quem são as lideranças? Do quê? Existe um bloco chamado de "centrão", com uns 200 deputados. Quem lidera essa turma, até hoje, pelo menos, inspirada por Eduardo Cunha? Facções diferentes do PP, por exemplo, disputam cargos entre si. Há lamúrias fortes no PMDB de Temer, bidu.

Segundo, nem na República do Jaburu se sabe muito bem que pacote de reformas econômicas vai ao Congresso, até porque Henrique Meirelles, em tese, ficou de dar um formato geral na coisa, que ainda será passada pela peneira do comitê central de Temer, PMDB puro-sangue.

Havendo "base aliada", essa expressão cafona, passaria boi e boiada no Congresso, argumenta-se. Dados os cargos, tudo bem. Tanto faz que ainda em março 402 deputados votassem contra um dos planos principais de Temer, a desvinculação de gastos em saúde. Os deputados seriam perfeitamente maleáveis, pelo menos enquanto exista esperança de que a popularidade Temer suba.

Suponha-se que a barganha de ministérios com uma coalizão negocista produza maiorias confiáveis no Congresso. Esse ministério será capaz de administrar incêndios e ruínas deixados por Dilma Rouseff? Ressalte-se: ministérios e coalizão são praticamente os mesmos da presidente ora no cadafalso.

Temer pode "dar diretrizes firmes", ou o nome que se dê a delírios sobre os poderes e as convicções de qualquer presidente. Nem de longe basta, claro. Dado esse ministério mais notório do que notável, haverá gente tecnicamente capaz de tocar o barco?

Não se presta muita atenção ao fato de que governos lidam com assuntos reais e sérios, que exigem dúzias de equipes qualificadas e relativamente autônomas para resolver problemas. O descrédito do serviço público e dos governos é tamanho que tudo por lá parece apenas ficção para inglês ver e roubança.

Não se trata apenas de administrar, mas reconstruir setores centrais do governo da economia, se não os mais devastados, pelo menos os cruciais para atenuar a recessão, sem o que Temer corre o risco de adernar. Com a barca avariada e tantos alvos notórios, torna-se ainda mais provável que os nomeados notórios comecem a levar tiros: crise.

Enfim, a esperteza de nomear notórios demais pode sair logo pela culatra.

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Fonte:
Folha de S. Paulo + UOL

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