Um novo samba do crioulo doido? Por Armando Portas

Publicado em 27/02/2017 09:25
Armando Azevedo Portas, foi professor de História, é produtor rural e Eng. Agrônomo consultor.

“ Foi em Diamantina, onde nasceu JK que a Princesa Leopoldina resolveu se casar”.

Assim se inicia a letra deste magnifico samba, que deveria ter sido um enredo de uma fictícia escola, idealizado pelo grande jornalista Sergio Porto que também usava o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta.  Antes, porém, há uma fala declamada que explica o porque de um samba enredo de escola ter a pretensão de retratar a história do Brasil. Acontece que durante muitos anos, em especial na ditadura Vargas, só eram permitidos temas nacionais, meio “nacionalistas”, visto que naquela época a bola da vez era ser nacionalista.

Foram muitos os erros que se cometeram sobre a verdadeira história do Brasil, inventando-se estórias e acontecimentos que jamais teriam se passado, só para facilitar uma rima, acomodar uma frase em um verso, ou simplesmente melhorar um refrão. Tudo por uma boa causa:  colocar o samba na avenida, fazer com que o povo o assimilasse, continuasse naquele grupo de escolas ou subisse ao grupo acima na hierarquia, e (talvez o mais importante) fazer jus a cota que o poder público dava as escolas de samba.

Naquela época educação era precária muito mais que hoje. Os que estudavam concluíam o grupo escolar, só quatro anos e o que se aprendia de história era nada ou quase isso. Quem vivia no morro, em barraco de madeira e teto de zinco   não tinha a obrigação de ser letrado muito menos tinha meios de procurar a verdade histórica. Para resumir:  não havia internet.

Sergio Porto captou tudo isso e imaginou um samba que teria como título: “ Atual Conjuntura”. O compositor da escola pegou o tema ajeitou-o à sua maneira e saiu essa pérola.   Para quem não o conhece ou não se lembra o Google está aí para isso.

O tempo foi passando, as escolas de samba crescendo em participantes e orçamentos. Mais e mais dinheiro é necessário para “por” uma escola na avenida. Há pouco, tempo muita gente se escandalizou pelo fato de um paupérrimo país africano, dominado há décadas por um ditador, tivesse dado vultosos recursos para que se fizesse apologia desse país e de quebra dos feitos do seu governante. 

Neste ano a escola de Samba Imperatriz Leopoldinense vem com um samba enredo sobre o Xingu. A letra não ataca diretamente a agricultura, os agricultores e o agronegócio, no entanto fantasias e alas inteiras fazem ilações entre os agricultores e a perda do verde, o uso indiscriminado de venenos, pois é assim que os leigos vêm o que se chama tecnicamente de defensivos agrícolas ou agrotóxicos. Uma ala inteira se chamará:   “ Fazendeiros e seus agrotóxicos “. Pergunta-se:  como a população leiga vai interpretar isso? Se no fim não vai servir para tentar achincalhar quem trabalha o ano todo e não só nos meses que precedem o carnaval? O presidente da Escola em nota recente nega essa intensão, mas vamos ver com o povo vai interpretar a mensagem subliminar que ela parece carregar.

Longe de mim   imaginar que o carnavalesco da escola deveria se preocupar também de onde vem o seu café da manhã, o almoço, o jantar, o algodão ou a lã da sua cama. Se ele sabe que   alguém que se levanta de madrugada para tirar o seu leite e que plantou milho de noite e de dia sem parar a segunda safra (mesmo nos dias de carnaval) para que o cereal se tornasse mais barato e por consequência o seu frango, o suíno, a farofa e a polenta.

 Enquanto ele estava apreensivo sobre o sucesso da Escola, alguém colhia alfaces (com ou sem agrotóxicos) debaixo de chuva para elas chegarem frescas para o seu almoço.

Mas nada disso agora importa muito menos o aumento de 20% na safra de grãos neste ano seguido por excelentes safras de café, frutas, fibras etc. Não se fala também nos avanços da produção de carnes e proteína animal como um todo. Que a agricultura e a sua cadeia, emprega 33% dos brasileiros e ainda gera o maior excedente de câmbio que se tem notícia no Brasil, quando os demais setores da economia, infelizmente, ainda patinam no atoleiro que nos meteram

Não vamos crucificar ninguém, por não saber e desconhecer essas coisas, da mesma maneira que Sergio Porto não julgou o seu suposto compositor, mesmo quando ele escreveu os versos: ” Joaquim José, que também é da Silva Xavier/ Queria ser dono do Mundo/ E se elegeu Pedro ll / Das estradas de Minas, seguiu para S. Paulo/ E falou com Anchieta / O vigário dos índios/ Aliou-se a D. Pedro / E acabou com a falseta/ Da união deles dois ficou resolvida a questão/ E foi proclamada a escravidão”. Vamos fazer o que ele fez, tratar isso com falta de instrução, de conhecimento, ignorância no mais puro significado da palavra: ou seja desconhecer o que já conhecido. No entanto, como vimos, naquele tempo havia menos conhecimento e não existia a internet onde qualquer escolar vai hoje buscar informação.  Portanto hoje podemos compreender isso mas não haverá perdão para que propositalmente divulgue inverdades.

Esse episódio será assim tratado como mais um novo samba do crioulo doido, vai para o esquecimento, em especial se a escola não ganhar e o samba não “pegar”.

 Há, no entanto, um diálogo de um telefonema   que circula nas redes sociais, com gravações de presumíveis representantes de escolas de samba e de membro de prefeitura de um município do Centro Oeste que precisa ser esclarecido.  Nessa conversa   uma pessoa que se intitula diretor de outra escola de samba e   tenta explicar que comprometeram   o setor do agro “ pois eles não quiseram dar dinheiro para a escola Imperatriz Leopoldinense”, dirigida por um amigo seu. ”  Como não deu, outro deu” e é por isso que a escola escolheu esse tema. Se isso for verdade não será mais um novo samba de crioulo doido, escrito por pura falta de conhecimento, será uma extorsão, uma chantagem e deve ser investigada pela polícia.

Em tempo: antes que queiram corrigir a palavra crioulo, ela está dentro do contexto histórico e a música foi gravada e fez sucesso na voz de Wilson Simonal.

 

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Fonte:
Armando Portas

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