Cafés do Brasil: qualidade, competitividade e reconhecimento... Só que não!, por Celso Vegro e Eduardo Heron Campos

Publicado em 12/04/2018 10:02

Em âmbito global, foi a partir dos anos 1990 que ocorreu a inflexão na curva de consumo global de café. Nos primeiros 30 anos do período considerado (1970-1999), a taxa de crescimento geométrico médio por década saltou de 1,3% a.a. para 1,8% a.a. Esse ritmo de crescimento mantinha-se similar ao do aumento vegetativo da população mundial. Entretanto, foi a partir dos anos 2000 que se acelera a taxa de crescimento do consumo que evolui para 2,5% a.a. e, na década seguinte (2010-2017), ainda que exiba ligeiro arrefecimento, o consumo se expande a taxa de 2,3% a.a., mantendo-se em ritmo mais intenso do que nas primeiras três décadas da série (Figura 1).

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Ainda que já estivesse presente entre consumidores japoneses, a aceleração recente do consumo de café é, reconhecidamente, resultado da crescente aceitação do hábito entre as demais populações dos países asiáticos. O chamado Eixo Pacífico ganha proeminência, destacando-se em quantidades face as qualidades, caminhando para deslocar a habitual rota Atlântica, tradicionalmente até então percorrida pelos embarques de café no comércio internacional da bebida.

Considerando o atual dinamismo para o consumo global de café, torna-se possível estabelecer cenários para o desempenho da demanda para a próxima década. Naquele que é considerado o cenário mais provável (a taxa de crescimento anual da demanda de 2,0% a.a.), a quantidade de café necessária para manter o suprimento mundial, em 2030, seria da ordem de mais de 205 milhões de sacas, podendo atingir 219 milhões de sacas se o cenário considerado for o otimista (Figura 2).

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Essas projeções sinalizam como será o futuro do agronegócio café e, especialmente, posicionam objetivamente os desafios que esse segmento terá pela frente em território brasileiro. Todos os agentes econômicos envolvidos terão que ampliar suas iniciativas centrando-se mais no incremento da produção e da produtividade do que na expansão da área cultivada, e a indústria inovando na tecnologia de processamento e de apresen-

tação do produto e o comércio atendendo prontamente o clamor global por mais e melhores cafés. Ao setor público caberá estabelecer, com criatividade e ações pró-mercado (visando garantir a renda do cafeicultor), difundir novas tecnologias e normatizar quesitos de sustentabilidade, sanidade, saudabilidade e padronização dos tipos, entre outros temas necessários para a boa governança entre os agentes de mercado.

As informações exibidas denotam futuro promissor para agronegócio café no mundo. O Brasil, enquanto principal produtor, exportador e segundo maior consumidor, deveria, ao menos em tese, assumir protagonismo nesse mercado. A história dessa cultura em nosso país, a tecnologia agronômica aplicada à lavoura que aqui se desenvolveu, a excelência comercial dos exportadores, o empenho da indústria em oferecer segmentada linha de produtos e uma grande população majoritariamente apreciadora da bebida configuram poderoso arranjo para posicionar o Brasil como país de maior êxito no contexto de dinâmico desse negócio.

Todavia, submetendo a análise pormenorizada dos dados do comércio global de café por parte do Brasil, constata-se que, nos últimos dez anos, os resultados obtidos seguem na contramão da tendência mais geral destacada. No decênio 2008-2017, o ritmo de incremento dos embarques brasileiros (considerando todos os segmentos) foi de apenas 1,1% a.a. Mesmo tomando-se aquele de melhor desempenho (as exportações de arábica), a taxa de crescimento do quantum enviado ao exterior foi de 1,4% a.a., ou seja, 0,6% a.a., abaixo da média mundial (Tabela 1).

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Sendo o Brasil o principal player do mercado e tendo incrementado tão pouco seus negócios internacionais em café, seus competidores certamente foram os responsáveis pelo crescimento apurado de 2% a.a. para transações do produto (Figura 1). No quesito valor apurado nas exportações de arábica, resultado de 1,8% a.a., denota que cafés brasileiros foram algo mais valorizados (interesse maior pelos cafés certificados, gourmet e pelas duas maravilhas da cafeicultura brasileira: o cereja descascado e o bourbon amarelo).

Muitos países competidores suplantaram em quantum exportado o desempenho brasileiro em arábica. A pífia expansão de 1,4% a.a., no decênio passado, não se compara com os 26,3% a.a. da Indonésia, 8,1% a.a. de Uganda ou 3,2% a.a. da Etiópia. Procedendo--se mesmíssima análise para os competidores em robusta, constatou-se que esse mercado cresceu 2,1% a.a. no decênio, com forte incremento dos embarques de desse tipo na Índia, Vietnã e Uganda. Em contrapartida, o Brasil amarga declínio dos embarques de -19,5% a.a. no mesmo período considerado. O lamentável desempenho brasileiro se repete no caso do solúvel com taxa mundial crescendo 7,3% a.a. (destaque para Vietnã, Indonésia e Índia) e Brasil com ridículos 0,3% a.a. (Tabela 2).

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A essa altura surgem questionamentos. O que será que esses países líderes atuais no avanço do comércio internacional de café, com muito menos história na lavoura, com pior tecnologia e menor conhecimento comercial e industrial, têm de melhor que o Brasil? Onde é que residem tais competências que por aqui não se vislumbram? Tais questionamen-tos NÃO deveriam estar na ordem do dia das lideranças do segmento e dos gestores das políticas públicas destinadas ao agronegócio capazes de reinserir o país na rota de ampliação de seu market share no suprimento mundial?

Entre 2012 e 2017, segundo dados da OIC1, a taxa de crescimento do consumo de café entre países exportadores alcançou 2,0% a.a. (totalizando cerca de 49 milhões de sacas em 2017), suplantando a taxa calculada para países importadores que, no período considerado, atingiu 1,7% a.a. (Tabela 3).

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Para atender ao ritmo de aumento do consumo dos países exportadores, melhor se prepararam a Indonésia e o Vietnã que o Brasil. Os dois primeiros, em 2017, perfizeram 47% e 26% das exportações totais para tais destinos, respectivamente, enquanto o Brasil incrementou suas exportações em apenas 8%2.

Ilegítimo tentar argumentar que a distância do Brasil do Eixo Pacífico favorece nossos competidores, deslocando o país da até então consolidada liderança do comércio exportador. Tomando-se como referência, por exemplo, os embarques para os EUA (maior mercado consumidor), pertencente ao Eixo Atlântico, evidencia-se acelerada substituição da origem Brasil pela de outros países concorrentes (Tabela 4).

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Admirável o avanço hondurenho no mercado estadunidense. A imagem de república de bananas, ao menos em café, pertence a outro país, esse de dimensões continentais.

O que temos de fato no Brasil é um deficit no crescimento da produção associado a políticas mal desenhadas (vide o ranço contra o drawback e da destinação errática das linhas de crédito), e persistente desconfiança entre os membros do mercado (cafeicultor contra indústria, indústria contra exportação, etc.). Essa incapacidade de produzir consensos e mútua confiança e, consequentemente, crescimento econômico, não é exclusividade do segmento café, mas da economia como um todo que permanece refém de modelos de desenvolvimento que já não mais atende aos princípios que norteiam aqueles países que avançam aceleradamente, crescem e se tornam mais prósperos que o Brasil. Em 2017, a participação da origem Brasil (todos os tipos) no comércio mundial de café foi de apenas 25%3! O rei está nu. Aqueles que acreditam que veem, e os cegos também, parecem não desconfiar que uma ruptura está prestes a acontecer.

 

1Tabulação especial a partir do banco de dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ).

2Tabulação especial dos dados estatísticos, fornecida aos autores pela Organização Internacional do Café (OIC).

3CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉ DO BRASIL - CECAFÉ. Relatório mensal: fevereiro 2018. São Paulo: CECAFÉ, 2018. Disponível em: <https://docs.google.com/viewerng/viewer?url=https://www.cecafe.com.br/
site/wp-content/uploads/graficos/CECAFE-Relatorio-Mensal-FEVEREIRO-2018.pdf&hl=en>.  Acesso em: abr. 2018.

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro e Eduardo Heron Campos (IEA)

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IEA

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