Floração em janeiro: cafeeiros com relógio biológico desajustado, por Prof. José Donizeti Alves

Publicado em 21/01/2019 17:18

Até então sabemos que antes da emissão de botões florais é necessário que as gemas indeterminadas, presentes nos ramos plagiotrópicos, passem pelo processo de iniciação floral em abril/maio, após o que estarão irremediavelmente aptas a florescerem em setembro/outubro. Esta cronologia de eventos ligados ao florescimento (iniciação floral, diferenciação, repouso, crescimento das gemas e florada), mostra que o relógio biológico (fenológico)1 do cafeeiro está perfeitamente sincronizado com as condições ambientais. No entanto, um fenômeno incomum tem sugerido que muitas lavouras de café, tanto jovens como adultas, estão com seus relógios fenológicos adiantados ao mostrar que, a porção de ramos com crescimento ativo, que deveria florescer no segundo semestre deste ano, está florescendo neste mês de janeiro. Da mesma maneira, outras estão com seu relógio atrasado pois floresceram em partes de ramos já com frutos.

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Não existe na literatura cafeeira pesquisas conclusivas que expliquem este fenômeno. Entretanto, duas evidências advindas de estudos no campo da fisiologia molecular das plantas permitem levantar uma hipótese que pode explicar o fenômeno da floração em janeiro. (i) A primeira evidência vem das recentes pesquisas desenvolvidas no CBMEG da Unicamp em parceria com grupos das universidades de Cambridge e de Bristol que demostraram que os açúcares, quando presentes em maiores ou menores concentrações, atuam acelerando ou retardando o relógio circadiano de Arabidopsis thaliana,respectivamente. (ii) A segunda vem da própria literatura cafeeira ao mostrar que iniciação floral e florada são mediadas por adequadas reservas de carboidratos.

Uma característica comum a todas as lavouras que floresceram neste mês é que elas se apresentavam vigorosas, bem enfolhadas, com bom aspecto nutricional/sanitário e em franco crescimento vegetativo; em um ambiente alternado de muita chuva/pequena estiagem, com altas temperaturas. Em conjunto, estas condições demonstram que as folhas estavam fotossinteticamente ativas, gerando uma abundante oferta de carboidratos. Em outras palavras, o excesso de energia produzido nesta época, pode ter provocado um reajuste fenológico nessas plantas ativando genes que anteciparam o florescimento em porções de ramos em crescimento ativo ao mesmo tempo que induziram o florescimento tardio em porções de ramos que cresceram na estação passada. Desse modo, é possível que as hipóteses levantadas para a ressincronização diária do relógio biológico possam ser ajustadas para períodos mais longos, o que caracterizaria um relógio fenológico que, ao ser alterado pelo ambiente, poderia sobrepor dois ciclos fenológicos diferentes como crescimento vegetativo e floração simultâneas em uma mesma parte do ramo. Chuvas abundantes e altas temperaturas diurnas e noturnas como as que estamos percebendo nos últimos meses poderiam ser a causa da floração em janeiro. Se isso é fruto das mudanças climáticas não dá para concluir, mas, caso se confirme, é preocupante.

Evidentemente é desejável que ao longo do tempo, as lavouras mantenham o ritmo do relógio biológico/fenológico frente ao ambiente externo sem grandes variações, o que proporcionaria boas produções. Entretanto, no caso particular, essa florada não deve ter grandes impactos no volume da safra desse ano. Por conta da competição acentuada entre os crescimentos vegetativo e reprodutivo, é provável que haja um baixo vingamento das flores e queda de chumbinhos imposta pela competição desses com os frutos das floradas anteriores. Dado o curto espaço de tempo entre esta florada e colheita, os frutos que não caírem terão um baixo rendimento e, por estarem verdes na época da colheita, influenciará negativamente na qualidade do produto. Para a safra do ano que vem, tudo vai depender da percentagem de lavouras que floresceram e da percentagem de gemas que passaram pelo processo de diferenciação. Como normalmente cada roseta pode abrigar mais de 40 gemas indeterminadas que potencialmente podem gerar frutos, as gemas remanescentes que não passaram neste mês pelos eventos da floração, deverão sofrer iniciação floral em abril/maio, e daí em diante seguir naturalmente seu rumo até a florada.  

1. Entende-se por relógio biológico a capacidade das plantas de perceber sinais ambientais e antecipar mudanças em torno de um ciclo de 24 horas (ritmo circadiano) ou fenômenos periódicos entre as estações do ano (ciclo fenológico).

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Por:
Prof. José Donizeti Alves
Fonte:
Rede social do Café

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