Dia Mundial do Solo: da comemoração à luta pela gestão ecológica dos solos urbanos

Publicado em 05/12/2025 14:58

O Dia Mundial do Solo, institucionalizado pela ONU/FAO, não deveria ser apenas uma data comemorativa em nossos calendários, mas um marco anual de denúncia e de mobilização. O solo, base silenciosa de toda a vida terrestre, segue sendo degradado de maneira acelerada pela combinação perversa entre modelos produtivos predatórios, expansão urbana desordenada e políticas públicas fragmentadas. Celebrar o solo sem encarar a profundidade da crise é repetir a lógica que transformou um recurso vital em mera mercadoria ou suporte físico para as obras humanas. Por isso, mais do que comemorar, este dia exige que emprestemos nossa voz, nossa força e nosso conhecimento para recolocar o solo no centro das agendas ambientais, agrícolas e urbanas.

A degradação do solo não é apenas uma questão agronômica. É uma crise química, física, biológica e ecossistêmica. Quimicamente, a simplificação nutricional, a acidificação, a contaminação por metais pesados e resíduos de agrotóxicos comprometem a fertilidade de longo prazo e a segurança alimentar. Fisicamente, a desagregação que leva a compactação, a selagem superficial, a erosão laminar e em ravinas reduzem a infiltração de água, a capacidade de armazenamento hídrico e a estabilidade estrutural. Biologicamente, a perda de biodiversidade microbiana e de mesofauna destrói a rede de processos que mantém a ciclagem de nutrientes, a agregação do solo e a supressão natural de patógenos. No plano ecossistêmico, a fragmentação das paisagens, a perda de áreas de recarga hídrica e a impermeabilização contínua rompem as conexões entre solo, água, vegetação e clima local.

Neste ano, ao voltar as atenções para a gestão dos solos urbanos, a pauta torna-se ainda mais desafiadora e, ao mesmo tempo, estratégica. As cidades concentram a maior parte da população mundial, grande parte do consumo de recursos e um passivo crescente de áreas impermeabilizadas, taludes instáveis, terrenos contaminados e espaços abandonados. O solo urbano, quando existe e quando ainda não foi selado por concreto e asfalto, é frequentemente visto como um obstáculo à “modernização”, e não como infraestrutura ecológica. Entretanto, é justamente nesse território densamente ocupado que o manejo qualificado do solo pode contribuir para reduzir enchentes, mitigar ilhas de calor, aumentar a infiltração, recarregar aquíferos, produzir alimentos em hortas urbanas e comunitárias e melhorar a qualidade de vida de populações vulneráveis.

Falar em gestão de solos urbanos como marco de luta significa reconhecer que o planejamento das cidades precisa incorporar o solo como variável estruturante, e não residual. Ruas, praças, canteiros, parques lineares, jardins de chuva, taludes de contenção, áreas de servidão de linhas férreas, margens de córregos canalizados ou ainda a céu aberto: todos esses espaços são oportunidades para restaurar a função ecológica do solo e reconectar a cidade com os ciclos naturais. Isso implica rever padrões de drenagem que aceleram o escoamento e transferem o problema para jusante, substituindo-os por soluções baseadas na natureza, que privilegiem a infiltração, o armazenamento descentralizado de água e o uso de vegetação adequada às condições locais.

Ao mesmo tempo, a luta pela conservação dos solos urbanos é uma luta política e educativa. Governantes, técnicos e a população em geral precisam ser sensibilizados para o fato de que combater a degradação do solo é um ato de humanidade e de coerência planetária com a vida. Políticas de habitação, mobilidade, saneamento, paisagismo e defesa civil devem dialogar com a ciência do solo, com a hidrologia e com a ecologia urbana. Não se trata apenas de “embelezar” a cidade, mas de construir uma infraestrutura viva, capaz de absorver choques climáticos, reduzir desastres e ampliar a justiça ambiental.

Neste Dia Mundial do Solo, o convite é claro: transformar a data em um ponto de convergência entre ciência, gestão pública e ação comunitária. Em vez de discursos protocolados, precisamos de diagnósticos objetivos, metas mensuráveis e programas de capacitação que formem multiplicadores em bairros, escolas, conselhos municipais e movimentos sociais. O solo urbano, tantas vezes esquecido sob camadas de concreto, precisa voltar a ser reconhecido como aquilo que de fato é: a pele viva da Terra, que sustenta não apenas plantas e construções, mas a dignidade das presentes e futuras gerações.

Fonte: Afonso Peche

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