Um novo velho Brasil, por FERNANDO CANZIAN

Publicado em 24/10/2010 18:28

A última vez em que o Brasil cresceu os 7,5% previstos para este ano foi em 1986, ano do Plano Cruzado. Lá se vão quase 25 anos. Nesse intervalo, a economia oscilou até um grande vale recessivo (-4,3% em 1990) e em direção a alguns picos (6,1% em 2007 é o maior), que não se sustentaram.
Lançado em abril sob José Sarney, o Cruzado conteve artificialmente a inflação e, na prática, estourou seis dias depois das eleições de 15 de novembro de 1986, quando o Cruzado 2 foi anunciado.
Antes, o PMDB de Sarney (que abrigava muitos dos tucanos de hoje) deu uma "lavada" nas urnas. Elegeu 22 dos 23 governadores e a maioria na Câmara dos Deputados.
Três meses depois, o Brasil quebrou. Com reservas cambiais de apenas US$ 2,8 bilhões, suficientes para só três meses de importações, Sarney declarou a moratória da dívida externa. O resto é história.
Quatro planos de estabilização depois, o Brasil é completamente outro. Os métodos nem tanto.
O "Pibão" de 7,5% deste ano (que está mais para 8%) é, de novo, insustentável. Passada a eleição presidencial, que tem a candidata oficial como favorita, deve vir, quase certamente, uma correção.
O Brasil só sustenta o atual nível de crescimento porque tem uma economia aberta, reservas altas (que custam uma fortuna) e um deficit crescente em suas transações com o resto do mundo.
Mais importante: o mundo rico está em crise, com juros no chão. Isso leva capitais a fluírem para países irresponsáveis fiscalmente e com juros elevados, nosso caso.
Neste ano, o Brasil precisará de mais de US$ 50 bilhões em dinheiro de fora para fechar suas contas, arrombadas por importações que crescem rapidamente para suprir a voracidade da demanda interna. Nesse ritmo, já há quem projete uma necessidade de financiamento de US$ 100 bilhões em 2011.
Na superfície, tudo parece bem. Isso já aconteceu outras vezes.



Lula, por ELIANE CANTANHÊDE

BRASÍLIA - Lula continua batendo recordes de popularidade, sua candidata é franca favorita no próximo domingo, PT e PMDB têm a perspectiva de controlar o país por 20 anos. Mas, paradoxalmente, Lula sai da eleição menor do que entrou.
Surpreendem o ego, a falta de limites, o personalismo. Quanto mais esperava-se o estadista, mais cedeu ao populismo oportunista. Quanto mais o momento exigia grandeza, mais apequenou-se.
Bastou a eleição de Dilma ser dada como certa no primeiro turno, e lá foi Lula, vermelho, com ar de ódio, xingar a imprensa e conclamar o extermínio de adversários. Bastaram as pesquisas prevendo a vitória no segundo turno, e lá foi Lula, vermelho, com ar de ódio, acusar Serra de encenar "uma farsa", uma "mentira descarada". Duplo erro: tentou transformar a vítima em réu e estimulou a militância petista a cair de pau.
Lula deveria ler as pesquisas e aprender com elas que Dilma e o lulismo vencem graças à votação maciça nas regiões e áreas mais manipuláveis, onde a Arena, o PDS e o PMDB já foram reis. Enquanto isso, crescem entre os mais escolarizados a desilusão e a condenação ao estilo raivoso, à cultura da vitimização, às práticas de dossiês e falsificações da verdade, à ocupação do governo e das estatais como se fossem donos do país. É esse tipo de reinado que Lula almeja?
Com o governo bem-sucedido e 80% de apoio, cabia a Lula investir em princípios, na melhor prática eleitoral e na educação política dos brasileiros, não sucumbir à esperteza com Collors e Sarneys; confraternizar com as ditaduras de Cuba e Irã; cooptar as centrais sindicais e os movimentos sociais; jogar o governo, as estatais e a figura do presidente sem pudor na campanha.
Na reta final do primeiro e do segundo turno, Lula, com seus excessos, mais prejudicou do que ajudou Dilma. Quanto mais atua assim pela sua candidata, mais trabalha contra a própria imagem. Governos e eleições passam, a história fica.


Que pena!, por CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Não dá para entender. Montado em 81% de aprovação popular, com sua candidata Dilma abrindo vantagem nas pesquisas para a decisão do segundo turno, Lula abdicou do seu dever de presidente de todos os brasileiros.
E como eficiente cabo eleitoral, com pós-doutorado em matéria de eleições, indignou-se com o incidente (que ele considerou uma farsa) de Campo Grande, quando petistas que nada tinham a fazer numa passeata do adversário, provocaram um tumulto no qual feriram, parece de que levemente, o candidato contrário.
Quando Dilma começou a descer nas pesquisas (que subiram logo depois), ela prometeu apelar para a "militância", famosa instituição do PT, uma parcela felizmente ainda pequena do partido, que se considera a tropa de elite para situações de emergência.
Por ora, nada que lembre as SS na Alemanha de Hitler e as esquadras fascistas na Itália de Mussolini. Pau para toda a obra, em momentos críticos do partido, esse tipo de força (que é conhecida como "militância") foi convocado por Dilma quando ela se deparou com a necessidade de enfrentar um novo turno.
Militância que não é fato novo, os dicionários ensinam que a palavra vem de "miles - milites", nominativo e genitivo que significam "soldado". E gerou outra palavra, "militar", que todo mundo sabe do que se trata, não faz muito tempo tivemos um regime em que a militância em todos os níveis era praticada por militares profissionais.
Não estou insinuando um paralelo, mas lembrando certas coincidências. O que salva o PT é que seu chefe máximo não tem vocação para tirano. Admiro Lula e lamento que ele esteja saindo da Presidência da República, em que se deu tão bem, para, embora vitorioso, vestir a carne, a pele e o grito de um irritado cabo eleitoral.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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