Petróleo poderá custar mais de USD 200,00/barril a partir de 2020, por Eduardo Lima Porto

Publicado em 01/08/2018 11:05
Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro

A previsão foi feita pelo Economista Philip K. Verleger, considerado uma das maiores autoridades mundiais no mercado de petróleo, a partir de um extenso e detalhado relatório publicado em Julho/2018, denominado “$200 Crude, the Economic Crisis of 2020, and Policies to Prevent Catastrophe”.

Nesse artigo, nos limitaremos a traduzir alguns trechos do relatório original fazendo rápidos comentários acerca dos seus impactos econômicos e, ao final, deixaremos nossa refexão preliminar no sentido de minimizar os efeitos potenciais de uma crise global, tomando essa conjuntura como uma eventual oportunidade para o setor agroindustrial brasileiro.

Segundo Verleger, a economia global provavelmente enfrentará um colapso de enormes proporções a partir de Janeiro de 2020, por causa de uma agência internacional "obscura" criada em 1914 e hoje chamada de IMO - International Maritime Organization, cujo funcionamento e políticas regulatórias encontram-se sob o respaldo da ONU.

A IMO decretou que o transporte oceânico deverá limitar as emissões de enxofre (SOx), a partir da substituição do óleo pesado (fuel oil), usado como combustível que contém até 3,5% de S, por “diesel com baixo teor de enxofre” com no máximo 0,5% nas áreas de emissão não controladas (ECA’s) e 0,1% nas regiões costeiras dos Estados Unidos, Europa e Asia.

O petróleo extraído em diversas partes do mundo possui uma composição qualitativa variável, sendo o conteúdo de enxofre um dos principais fatores que influenciam no preço da commodity.

Quanto maior a presença desse elemento, maiores são os custos de processamento ou refino para produção de diesel. O problema está centrado no fato de que existem poucos lugares onde é possível extrair petroleo com baixo teor de enxofre, sendo a Venezuela e a Nigeria as detentoras das maiores reservas mundiais de “light oil”.

Enquanto na Nigeria o petróleo possui em média 0,13% de S, nos países árabes esse teor salta para 0,53% e chega a valores bem superiores em outras regiões.

O grande problema é que essa alteração provocará a ruptura estrutural do setor petrolífero da forma como o conhecemos, cujas conseqüências se mostram potencialmente catastróficas do ponto de vista econômico. Senão, vejamos.

As refinarias distribuídas ao redor do mundo são insuficientes, não estão equipadas para aumentar a produção de diesel com “baixo enxofre”, de forma a atender de imediato o tremendo aumento da demanda por esse produto a partir de 2020.

Boa parte da demanda incremental deverá ser suprida pelos países árabes, cujas refinarias  atualmente produzem diesel com um teor que varia entre 1,8% a 2,0% de S.

Ainda que se construam a toque de caixa diversas refinarias mundo afora, os investimentos necessários seriam estratosféricos, exigiriam uma mega-estruturação financeira,  tardariam alguns anos para serem colocadas em funcionamento e dependeriam essencialmente de uma garantia de manutenção dos preços em níveis mais altos do que os atuais para que haja um certo grau de certeza em torno do “pay-back”.

Existem alternativas técnicas que se apresentam como atenuadoras desse risco, como a instalação de grandes dessulfurizadores (scrubbers) junto aos motores dos navios. Trata-se, no entanto, de uma opção cara que é restrita a poucos países que detém essa tecnologia, resultando improvável que  se consiga resolver o problema em tempo e forma satisfatória.

Tal conjuntura remete a um aumento inevitável do preço do petróleo “leve" e, ao mesmo tempo, aponta para uma redução significativa do “valor-utilidade” do petróleo com conteúdo mais elevado de enxofre, assim como dos seus sub-produtos de maior volume, como o Fuel Oil ou BPF.

A essa altura alguém poderá estar se perguntando: O que isso tem a ver com a Agricultura?

O motivo inicial que levou a paralisação dos caminhoneiros em Maio desse ano, se deu pela insatisfação generalizada em relação aos preços do diesel e a política de repasse automático das variações internacionais. Nessa altura o petróleo rondava a casa dos USD 70,00/barril.

O impacto do movimento foi tão contundente que causou prejuízos bilionários, não só para o setor agropecuário, mas para vários outros segmentos da economia.

Imaginemos então alguns dos efeitos potenciais que poderão vir a ser desencadeados, se os preços internacionais triplicarem. Para os que acham improvável ou uma “viagem na maionese”, convido que façam uma análise rápida como mero exercício:

- A economia mundial poderá sofrer uma "marcha ré" sem precedentes;
- Os custos de produção dispararão ao redor do mundo devido ao impacto nos preços dos fertilizantes e no combustível usado nas máquinas agrícolas;
- A oferta de alimentos poderá ser reduzida drasticamente por indisponibilidade financeira dos produtores e dificuldades reais de repasse dos aumentos de custo;
- As despesas com transporte apertarão os orçamentos das famílias a ponto de reduzirem ou eliminarem desembolsos em outras áreas;
- Indústrias automobilísticas e seus fornecedores poderão ir a falência, provocando uma onda massiva de milhões de desempregados ao redor do mundo;
- As empresas aéreas poderão sentir uma forte redução de demanda;
- Haverá hiperinflação em diversos países economicamente frágeis ou “emergentes”;
- Países como o Brasil que possuem déficits fiscais crônicos se tornarão absolutamente inadministráveis, o que poderá provocar manifestações sociais virulentas;
- A relação entre Dívida/PIB levará a muitos países emergentes, como a Argentina, a uma situação de absoluta insolvência.

Parece muito apocalíptico o cenário?

Alguns economistas consideram que a subida abrupta dos preços do petróleo entre 2007 e 2008, que registraram cotações em torno de USD 140,00/barril, teria sido causada, em parte, pela falta de oferta de petroleo com baixo teor de enxofre por conta das instabilidades ocorridas na Nigeria.

Esta situação poderá se repetir em 2020, já que o refino global não está preparado para produzir os volumes adicionais de diesel nas especificações exigidas e que serão demandados pelo setor de navegação.

De acordo com o prognóstico de Philip Verleger, muitas refinarias poderão fechar as portas porque não conseguirão encontrar compradores para o óleo pesado com alto teor de enxofre.

Por outro lado, o estudo ressalva que, entre 2016 e 2018, a conjuntura internacional trouxe eventos posteriores que podem não ter sido corretamente contemplados nos modelos de viabilidade considerados pelos participantes do IMO/ONU: a) Colapso total da produção na Venezuela; b) Redução dos estoques promovida pela OPEC e Russia; c) Retomada das tensões com o Iran devido o cancelamento das tratativas iniciadas pelo Governo Obama.

Tais circunstâncias poderão retardar por algum tempo a adoção das medidas traçadas pela ONU em 2008? Difícil de saber.

O estudo menciona a existência de uma “regra de ouro”, elaborada por analistas do Banco Morgan Stanley, que determina um fator de rendimento de 1,8 na relação entre petróleo e diesel, que dito de outra forma, significa que seriam necessários 1,8 milhão de barris diários de petróleo para produção de 1 milhão de barris de diesel.

Conforme as estimativas da British Petroleum, o consumo global de diesel em 2017 totalizou 27,8  milhões de barris por dia. Quase nada desse volume foi consumido pelo setor de transporte marítimo. As projeções indicam que a base de consumo atual deverá ser de 28,5 milhões de barris diários em 2020, sem contar com a demanda incremental que será gerada pelos navios.

Em 2017, segundo os dados levantados pela Universidade de Copenhague, o setor de navegação consumiu ao redor de 330 milhões de toneladas de “HFO – Heavy Fuel Oil” ou de Óleo Pesado com alto teor de enxofre.

A oferta diária de petróleo deverá aumentar 80% em relação a 2017 para atender a nova demanda.

As sanções contra o Iran combinadas com a falência da industria na Venezuela, no curto prazo, poderão exaurir os estoques excedentes até 2020, o que implicaria na incapacidade para atender a regulação da IMO.

Em meados de Maio/2018, a S&P Global Platts entrevistou a Kitack Lim (Secretário-Geral da IMO) sobre a possibilidade de revisão ou de adiamento das medidas. A resposta de Lim foi direta: “Neste ponto, o regulamento que coloca em vigor o limite de 0,5% de enxofre no óleo combustível a partir de 1º de janeiro de 2020 (excluídas as áreas designadas onde o controle de emissões já está limitado a 0,1%), não poderá ser modificado do ponto de vista legal. Não existe nenhuma possibilidade de atraso”.

Reflexão preliminar

Dada a complexidade da matéria e a amplitude das suas conseqüências, a humildade e a superficialidade do meu conhecimento não permitem que recomende linhas de ação que ofereçam garantias mínimas de êxito.

Trata-se de um “juízo de cognição sumária”, tomando emprestado o termo muito utilizado no mundo jurídico para caracterizar uma sentença preliminar. É um assunto que exige estudos muito aprofundados e, fundamentalmente, absoluta transparência devido ao impacto significativo que as medidas poderão provocar na vida das pessoas.

Há anos que os agricultores brasileiros vem sendo fustigados pelas ONG’s, principalmente aquelas oriundas dos países europeus.

No entanto, temos uma posição estratégica no tabuleiro mundial para oferecer soluções realmente sustentáveis do ponto de vista ambiental, além de serem economicamente viáveis e de rápida implementação. Me refiro aos biocombustíveis, como o bioetanol e o biodiesel.

A sucessão de políticas desastrosas em torno da produção energética no País, somado às roubalheiras bilionárias efetuadas na Petrobras, inviabilizaram de um lado e retardaram de outro, uma série de projetos importantes que estavam em curso, ora pela interferência distorsiva do Governo que só trouxe incertezas para o mercado, ora porque os baixos preços internacionais do petróleo também não estimulavam a  destinação industrial de matérias primas como a soja para obtenção de biodiesel.

O fato é que temos condições mais do que suficientes para atenuar os efeitos das medidas que serão implementadas pela IMO, como também poderemos ser capazes de aproveitar as oportunidades de negócios que essa nova regulação trará.

Temos batido há muito tempo na tecla de que o nosso modelo exportador de grãos está absolutamente saturado, já não produz lucratividade suficiente para compensar os riscos inerentes à atividade, tampouco se justifica em termos de eficiência energética, pois desloca boa parte dos ganhos do agricultor para cobrir os custos com a logística de longa distância.

Exemplos que corroboram essa tese não faltam, como o transporte do milho produzido no Mato Grosso, cujo preço pago ao produtor chega a valer 1/3 do valor de exportação, ficando a maior parte destinada ao pagamento do frete. Essa situação ficou agravada com o estabelecimento da tabela de “preços mínimos” para o frete.

Está mais do que na hora de construirmos uma postura firme em matéria ambiental e econômica, a fim de que se coloque para o mundo de forma clara as nossas vantagens comparativas, com espírito colaborativo, sem subserviência ou contaminação ideológica.

Um posicionamento responsável e alinhado com as tendências mundiais exigirá profundos conhecimentos técnicos, mas também implicará na necessidade de uma fortaleza de caráter que a maior parte dos políticos não possui.

Eis, um grande desafio pela frente.

Esse artigo é fruto da interpretação de alguns trabalhos recentes do Prof. Dr. Philip K. Verleger, PhD em Economia pelo MIT, exerceu em dois mandatos a função de Conselheiro Presidencial para Assuntos Energéticos nos Estados Unidos e é Consultor das maiores empresas americanas do setor petrolifero.

Finalizo, aproveitando a citação oportuna feita ontem pelo brilhante Economista Felipe Miranda, em seu artigo diário pela Empiricus Research, referindo-se ao célebre Filósofo Espanhol Miguel de Unamuno:

“Ler muito é um dos caminhos para a originalidade. Uma pessoa será tão mais original e peculiar quanto mais conhecer o que disseram os outros”.

Fontes:

$200 Crude, the Economic Crisis of 2020, and Policies to Prevent Catastrophe, Philip K. Verleger, Jr. July 2018, (https://www.pkverlegerllc.com/assets/documents/180704200CrudePaper.pdf)

https://www.international-economy.com/TIE_Sp18_Verleger.pdf

www.imo.org

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Fonte:
Eduardo Lima Porto

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3 comentários

  • elcio sakai vianópolis - GO

    petróleo a US$ 200,00? e os bios?... biodiesel, bioquerosene, etanol... Lembro uma reportagem de fazer diesel de cana através de fermentação.

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    • Felipe Millani Curitiba - PR

      Isso que dá comprar o gato por lebre do aquecimento global, me assusta como os países podem se sujeitar a estes desmandos da ONU.

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  • Paulo Umberto Henn Jaboticabal - SP

    Todos estão pensando no urbano, com carros elétricos, a gás, hidrogênio ( que acho mais viável a longo prazo) mas e os motores a diesel???, qual será a substituição??, como fica o transporte terrestre, e a agricultura que depende deste combustível???.... não vejo nenhum trabalho, pesquisa para esta substituição. Ou será que os pesquisadores pensam que os alimentos vêm dos supermercados ou dos Ceasas.

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    • carlo meloni sao paulo - SP

      Eu acho que o motor diesel será um dos primeiros a ser substituído---Alias a Alemanha já tomou providencia nesse sentido-----Os caminhões e os ônibus que os utilizam geram 50% da poluição , apesar de representarem só 5% da frota rodante--

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  • Luiz Antonio Lorenzoni Campo Novo do Parecis - MT

    Interessante, não havia olhado por este prisma. Ainda bem que até 2020 teremos um Trump, que o regime venezuelano fará água e a ONU estará desacreditada... Mas como se diz aqui no interior, "precaução e caldo de galinha, nunca fizeram mal a ninguém...". Ótimo artigo.

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