Mascates, por Osvaldo Piccinin

Publicado em 17/02/2014 13:28
Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo, formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS.

Parece que foi ontem que presenciei e vivi os encantos da simplicidade do rico interior, mas já se passaram cinquenta anos. Naquele tempo, dez quilômetros era uma distância enorme, principalmente quando a percorríamos no lombo de um cavalo, ou numa charrete puxada por um lerdo cavalo. Só usávamos o velho caminhão coletivo da colônia, em ocasiões especiais.

Ficávamos meses sem ir à cidade e nosso contato com o mundo exterior, era através de alguns parentes - que esporadicamente nos visitavam -, dos fotógrafos conhecidos por nós como retratistas, e os mascates tagarelas que iam vender suas mercadorias nos sítios e fazendas.

Lembro-me de um em especial conhecido pelo apelido de “Biche - Biche”. Sua descendência européia lhe conferia um avantajado nazo – nariz - e uma pronúncia enrolada, quase inaudível. 

Em sua carrocinha de pneus, puxada por um preguiçoso cavalo, carregava uma grande variedade de mercadorias para vender desde agulha, linha, botão, sabão de barra, batata-doce, fogos de artifícios na época de S.João, batatinha, cebola, soda cáustica, querosene, lamparina, rapadura, suspiro, maria-mole, balas, chicletes, biscoitos e muito mais. 

Simples e generoso, mas também um hábil comerciante. Tinha a capacidade de atender várias pessoas ao mesmo tempo, e a todos encantava. Sua chegada era uma festa. Mascateando criou todos seus filhos com dignidade - uma prole que muito orgulha nossa cidade.

Lembro-me quando aparecia o retratista por lá – era uma correria para tomarmos banho, pentear os cabelos e nos vestir com a melhor muda de roupa que possuíamos, depois era só fazer uma pose no terreiro e aguardar a foto branco e preto, que demorava uma eternidade para chegar. No mínimo dois a três meses depois de tiradas.

Além das fotos tiradas, estes retratistas também retocavam fotos antigas do tipo casamento dos avós e pais, da nossa primeira comunhão e outras tantas solicitadas pelo freguês. De aspecto meio artificial, estas fotos retocadas ocupavam um lugar de destaque na sala de estar.

Não menos interessantes eram os mascates de roupa - Libaneses e Italianos – com seus sotaques característicos. Vinham a pé até nosso sítio após desembarcarem  bucólica estação de trem chamada, Tamoio. Carregavam uma grande e pesada mala, sortida de tecidos. 

A abordagem sobre a qualidade dos tecidos era um show à parte. Falavam sem parar. Pediam para os clientes apalparem para sentirem a qualidade do pano além de botarem  fogo em uma porção do tecido, embebido em álcool, para impressionar.

Nunca voltavam de mãos abanando! Meu pai, por exemplo, teve cortes de casimira inglesa – de origem duvidosa, em estoque, por muito tempo. 

De uma coisa eu tinha certeza, os mascates vendedores de tecidos, acreditavam na máxima que diz: “Otário é igual caspa, raleia, mas não acaba”. Só pelo sacrifício de nos visitar, sentíamos na obrigação de comprar seus produtos - tínhamos que cativá-los para continuar nos visitando - éramos carentes...

A todos estes ilustres mascates da minha infância, que de uma forma ou de outra nos traziam notícias e novidades do mundo exterior, muito além da nossa porteira, deixo aqui meu respeito e admiração pela forma determinada e cheia de sacrifícios que defendiam o pão de cada dia.

E VIVA AS RAÍZES DA TERRA!

osvaldo.piccinin@agroamazonia .com.br

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Fonte: Osvaldo Piccinin

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