Perigo nas contas externas, editorial do Estadão

Publicado em 12/02/2012 18:04
Na edição deste domingo de O estado de S. Paulo


As contas externas vão piorar neste ano, segundo todas as previsões, e uma luz amarela já se acendeu em Brasília. Mais uma vez a economia nacional vai ser puxada pelo mercado interno, isto é, pelos gastos do governo, pelo consumo das famílias e pelo investimento das empresas - se nenhum grande susto levar a um adiamento dos projetos. 

Autoridades têm chamado a atenção para o mercado interno como uma das vantagens do Brasil em relação a muitos outros países. É esse o mais importante ativo econômico brasileiro, já disseram alguns ministros em momentos de grande entusiasmo. 

Mas esse tipo de crescimento envolve riscos. Quando a demanda avança bem mais velozmente que a oferta doméstica, é preciso importar mais para compensar a diferença. Sem isso, o resultado é mais inflação. Mas há limites para a capacidade de importar e é preciso administrar com prudência as transações com o exterior. O governo sabe disso, mas deu pouca importância - até agora, pelo menos - à expansão do déficit na conta corrente do balanço de pagamentos.

As principais projeções para as contas externas variam amplamente, mas todas apontam para uma deterioração. Segundo o Banco Central (BC), o superávit comercial vai diminuir este ano dos US$ 29,8 bilhões do ano passado para US$ 23 bilhões. 

As exportações aumentarão apenas 4,3%, para US$ 267 bilhões, enquanto as importações crescerão 7,9%, para US$ 244 bilhões. Como o déficit em serviços continuará em expansão e as transferências pouco deverão mudar, o buraco na conta corrente se ampliará de US$ 52,6 bilhões para US$ 65 bilhões - de 2,1% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Economistas do mercado financeiro e de consultorias são um pouco mais pessimistas. Projetam um superávit comercial de US$ 19,5 bilhões neste ano e um déficit em conta corrente de US$ 67,9 bilhões. Além disso, já arriscam projeções para 2013 - superávit de US$ 14,5 bilhões na conta de mercadorias e um rombo de US$ 70 bilhões nas transações correntes.

A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) tem previsões muito mais sombrias: exportações de apenas US$ 236,6 bilhões - menores, portanto, que as do ano passado - e importações de US$ 233,5 bilhões, 3,2% maiores que as de 2011. O saldo, pouco superior a US$ 3 bilhões, será o menor em dez anos.

Apesar da ampla diferença entre os números, todas as projeções são baseadas em pressupostos comuns: a Europa continuará em grave crise, a situação pouco deverá melhorar nos Estados Unidos e o crescimento chinês, embora ainda exuberante, será menor do que foi nos últimos anos. A estagnação geral, agravada com a perda de impulso da economia chinesa, resultará em preços menores para os produtos básicos, tanto agrícolas quanto minerais. Como as commodities - matérias-primas e produtos com baixo grau de processamento - têm representado mais de 60% da receita comercial brasileira, o valor das exportações será muito afetado, se as previsões de baixa das cotações se confirmarem.

O temor de um desempenho comercial muito fraco neste ano já contamina os formuladores da política econômica. No Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a projeção do superávit na conta de mercadorias está na faixa de US$ 10 bilhões a US$ 12 bilhões. O cenário inclui tanto um aumento de importações causado pelo excesso da demanda interna quanto uma expansão medíocre das exportações, por causa do arrefecimento da economia chinesa e da queda de preços das commodities.

Todos os cenários apontam para um déficit maior na conta corrente. Quanto maior esse déficit, piores deverão ser as condições de seu financiamento, mais dependente de endividamento e de capitais especulativos. O sinal ainda é de alerta e é bom agir antes de se acender alguma luz vermelha. O governo dará um bom passo adiante se reconhecer, afinal, a insuficiência de seu Plano Brasil Maior e começar a pensar seriamente em como fortalecer a indústria para competir em todos os mercados. Para isso, precisará confiar menos em remendos fiscais e em barreiras protecionistas e cuidar mais da produtividade e dos custos.

A inflação de janeiro não mostra indícios de trégua

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro subiu 0,56%, superando o IPCA de dezembro (0,50%) e o esperado por analistas. Sazonalmente, o índice é mais elevado nos primeiros bimestres, mas há outros fatores que poderão manter os preços sob pressão.

Janeiro foi o primeiro mês em que o IPCA foi calculado pela nova estrutura de ponderação de preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com a mudança, diminuiu levemente o peso do item alimentação e bebidas e houve forte queda do item educação. Mas, em contrapartida, aumentou o peso da habitação e dos transportes - os dois casos em que a pressão se faz sentir neste início de ano. Será preciso esperar alguns meses para uma conclusão sobre os efeitos da mudança no longo prazo.

Os preços dos alimentos e bebidas subiram 0,86% em janeiro, abaixo de dezembro (1,23%). A ajuda veio das carnes, do açúcar cristal, do açúcar refinado, do leite longa vida, do pão francês e do frango. Os vilões foram o feijão carioca (+15,06%), a cenoura, o tomate, a batata inglesa, o feijão-preto e as hortaliças. Se o clima ajudar, a tendência de queda neste item permitirá algum recuo na inflação de fevereiro, segundo especialistas.

Nos transportes, a alta foi de 0,69%, pois alguns reajustes superaram a inflação: no Rio de Janeiro, o preço das passagens de ônibus subiu 10% e, em Belo Horizonte, 7,75%. O item educação subiu 0,39% - e subirá mais neste mês -, mas seu peso no IPCA é baixo.

O índice de janeiro traz um fardo para os próximos meses: seria preciso reduzir a inflação a menos de 0,40% ao mês, em média, para que o IPCA se aproximasse da meta cheia de inflação de 4,5% ao ano. E não há sinais de trégua nos preços dos serviços, em alta ininterrupta desde o primeiro trimestre do ano passado. Nos últimos 12 meses, os serviços custaram 9,2% mais. Emprego e renda, inclusive a alta do salário mínimo, têm importância decisiva nesse item.

Mas, nos serviços, até as diárias de hotéis registraram forte elevação (de 4,01%, em janeiro, depois da queda de 0,15% em dezembro). Há demanda e alta dos aluguéis de imóveis, o que explica diárias elevadas.

A inflação sob controle dependerá muito, pois, do comportamento dos preços das commodities e dos preços administrados, como os dos combustíveis. Não se pode, ainda, subestimar a força da demanda pelos principais itens (alimentos, transportes, moradia) sobre o IPCA. Ou seja, de quanto dinheiro o governo despejará na economia em ano eleitoral, sob a forma de gastos públicos, ao mesmo tempo que a política monetária é afrouxada.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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