Código Florestal: Produção e preservação (editorial do Estadão)

Publicado em 27/04/2012 07:56
na edição desta sexta-feira, em O Estado de S. Paulo

O Brasil terá uma boa moldura institucional para combinar a produção agrícola e a preservação do ambiente, se a presidente Dilma Rousseff sancionar sem veto o Código Florestal recém-aprovado pelo Congresso. O governo federal deve preocupar-se, agora, com a definição das normas gerais dos programas de regularização ambiental (PRA) previstos no texto. Será preciso completar esse trabalho dentro de um ano. 

Essas normas servirão de base para a recomposição de áreas de preservação e de reserva legal e para a definição das áreas produtivas. Os Estados deverão completar a tarefa, ajustando as regras às condições de cada ambiente e às características da produção local. Em vez de insistir em punições inúteis e nocivas para a produção, é preciso legalizar a situação das áreas produtivas abertas até 22 de julho, permitindo aos produtores normalizar sua atividade. 

É necessário usar a lei como um instrumento de construção do futuro. Seria perda de tempo e de energia, nesta altura, assumir uma atitude policialesca, em vez de concentrar esforços, recursos administrativos e capital político na implantação do novo sistema de regras. 

Foi um erro político deixar o debate a respeito do assunto converter-se num confronto entre ruralistas e ambientalistas, como se os problemas da produção agropecuária e da preservação da natureza interessassem apenas a dois grupos. 

Só recentemente os representantes do setor rural tentaram abrir uma discussão mais ampla, num esforço para mostrar como um Código Florestal pode afetar, positiva ou negativamente, o bem-estar de todas as pessoas. Os chamados ambientalistas raramente abandonaram sua atitude missionária e quase sempre de antagonismo aos produtores (ou, para efeito retórico, de oposição ao abominado agronegócio). 

Os meios de comunicação com frequência caíram na armadilha de tratar o assunto como um confronto bipolar. O próprio governo foi incapaz de apresentar o problema na sua dimensão real à opinião pública. 

Essa dimensão deveria ser óbvia. Todos precisam de comida e bebida e também de roupas, combustíveis e outros bens produzidos com matérias-primas fornecidas pelo campo. Para entender a importância do debate basta olhar para uma mesa coberta com arroz, feijão, picadinho, pão e cerveja. Mas é preciso considerar também os efeitos da produção na qualidade do ar e das águas e na condição das florestas. Os dois conjuntos de valores são essenciais para o bem-estar, mas faltou mostrar essa verdade simples à maior parte dos brasileiros. Também nisso o governo falhou vergonhosamente.

Mas o governo tem falhado também, e há muito tempo, na aplicação das normas ambientais já disponíveis. A ação oficial vem sendo lamentavelmente ineficaz, há muitos anos, e isso tem facilitado abusos de todo tipo, praticados tanto por grupos com muito dinheiro quanto por pequenos produtores e até por assentados. Isso não é segredo.

A grande produção brasileira é realizada por uma agricultura comercial eficiente, moderna e, de modo geral, comprometida com a preservação dos recursos naturais. Não interessa a esse tipo de produtor o esgotamento de terras. Desde 1991 a produção brasileira de grãos cresceu 173%, enquanto a área plantada só aumentou 52%. Isso foi possibilitado pela incorporação de tecnologia e pela adoção de boas práticas. Ganhos notáveis de eficiência ocorreram também nas culturas permanentes e semipermanentes e na produção animal.

A agropecuária brasileira foi capaz de, ao mesmo tempo, baratear a alimentação para o consumidor nacional e produzir grandes volumes de combustível de origem vegetal. Outros países foram incapazes de realizar essa combinação. Além disso, o campo tem sido a principal fonte do superávit comercial do País, um fator indispensável à segurança e à estabilidade da economia.

A discussão do Código Florestal foi dificultada por um falso conflito entre produção e preservação. Regras ambientais são necessárias, sim, e o Código recém-aprovado é muito melhor do que as normas em vigor em outros países. A presidente deveria convencer-se disso e cuidar do futuro, sem pensar em fazer bonito para ONGs estrangeiras na Conferência Rio + 20.

Vontade da maioria

POR DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo

Goste-se ou não, a aprovação final do Código Florestal na Câmara dos Deputados seguiu a regra do jogo: expressou a vontade da maioria que, no caso, não guardou relação com o tamanho ou a fidelidade genérica da base de sustentação governista.

Disse respeito muito mais à representação da sociedade no Parlamento que à lógica de derrotas ou vitórias cravadas na conta do Palácio do Planalto.

O resultado não foi o que a presidente Dilma Rousseff gostaria. Muito bem, o que se há de fazer?

Existem possibilidades: o governo veta o Código todo e abre uma crise sem precedentes nem subsequentes previsíveis; veta parcialmente e edita uma medida provisória recuperando o artigo derrubado na Câmara sobre a obrigatoriedade de reflorestamento nas margens dos rios; simplesmente aceita o resultado.

A julgar pelo que se diz, a probabilidade maior seria a do veto parcial com a edição da MP para dar eficácia imediata ao ponto que teria agradado ao Planalto ver aprovado.

Problema resolvido? A própria manifestação do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, indicando que Dilma examinará "com cautela" a decisão a ser tomada, sinaliza que a solução não é tão fácil assim.

O recurso à medida provisória não tem necessariamente o condão de transformar em vitória um assunto em que o governo só colecionou derrotas. Duas completas na Câmara e uma parcial no Senado.

Da mesma forma como o Planalto não teve maioria para impor sua posição naquelas ocasiões, não teria para aprovar a medida provisória.

Isso sem nem considerar que a mudança no rito nas MPs determinada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, reafirmando o preceito constitucional da exigência da manifestação do Congresso sobre a urgência ou relevância da medida, ainda criaria dificuldade adicional ao governo.

Levando apenas em conta que a medida provisória pudesse ir diretamente ao plenário como tem sido o hábito ao arrepio da Constituição, ainda assim a questão voltaria ao seu ponto de origem: a posição de maioria.

Se editada, quando fosse à votação, a medida provisória enfrentaria a mesma correlação de forças expressa nas votações anteriores. Ou seja, seria rejeitada ou inteiramente modificada para se adequar à escolha já feita pelo Parlamento.

Por isso é que até no PT há quem enxergue "exagero ambientalista" por parte do Planalto - uma vez que a legislação brasileira nesse aspecto é por si garantidora da preservação ambiental - e considere que o melhor a fazer no momento seria a presidente da República aceitar o resultado e não mexer mais no assunto a fim de não sofrer mais um e inútil revés.

O potássio de Sergipe

O crescente uso de fertilizantes no agronegócio brasileiro, com vistas ao aumento da produtividade, pode ser medido pelo aumento das importações de cloreto de potássio, que somaram US$ 3,503 bilhões no ano passado, 56,79% a mais do que em 2010 (US$ 2,234 bilhões).

Em parte, isso pode ser atribuído à alta de preços do produto, mas a demanda da agricultura nacional é muito superior à demanda mundial, estimada em 3% ao ano. No primeiro bimestre deste ano, as importações do produto somaram US$ 337,704 milhões, tendendo a superar, em 12 meses, o dispêndio total do ano passado.

Esses números conferem relevância à renovação, por mais 30 anos, do contrato de arrendamento pela Petrobrás à Vale de áreas de concessão para exploração de reservas de carnalita, matéria-prima do potássio, no Estado de Sergipe. As negociações entre as duas companhias levaram anos em vista da existência de petróleo na região, mas acabou prevalecendo o ponto de vista de que seria mais vantajoso para o País a exploração de potássio, abrindo caminho para que a Vale possa implementar o seu Projeto Carnalita, sacramentado em cerimônia que contou com a presença da presidente Dilma Rousseff.

Em seu discurso na ocasião, o governador de Sergipe, Marcelo Deda, disse que há cinco anos vem lutando para pôr fim ao "ao imbróglio entre as duas empresas". Nas suas palavras, coube à presidente arbitrar o conflito de interesses, considerando que o projeto "era bom para Sergipe e indispensável para o País, porque aumentará a produção de potássio, aumentando a segurança do agronegócio brasileiro, reduzindo a dependência do fertilizante importado".

O projeto prevê um investimento inicialmente estimado em US$ 4 bilhões em três anos, e que ainda precisa passar pelo crivo do conselho de administração da Vale. Se tudo correr como se espera, a partir de 2014/2015, será produzido 1,2 milhão de toneladas do insumo por ano, destinadas exclusivamente ao mercado interno.

Desde a década de 1960 se fala na importância da exploração em larga escala de potássio em Sergipe, mas faltava um grande projeto de investimento, com tecnologia moderna. Em 1985, a Petromisa, subsidiária já extinta da Petrobrás, iniciou a produção de cloreto de potássio no município de Rosário do Catete, a 37 km de Aracaju. Essa operação foi transferida para a Vale em 1991. Essa unidade produz atualmente 600 mil toneladas anuais de cloreto de potássio, extraído de silvinita. No primeiro trimestre deste ano, devido a dificuldades geológicas, a produção dessa mina não passou de 112 mil toneladas,12% a menos que o volume alcançado no mesmo período de 2011. No novo projeto, a exploração será feita com injeção de água quente em poços onde serão dissolvidos os sais. A salmoura (mistura de carnalita com outros sais) será então retirada do subsolo e processada na superfície por uma usina a ser implantada pela companhia. O projeto poderá gerar 4 mil empregos diretos na fase de construção e outros 700 empregos diretos durante a operação.

Apesar dos arroubos retóricos comuns nessas ocasiões, os técnicos tiveram o cuidado de não falar em autossuficiência na área de potássio e fertilizantes de modo geral. O que se prevê é uma economia substancial de divisas. Segundo o presidente da Vale, Murilo Ferreira, o projeto permitirá ao Brasil economizar US$ 17 bilhões até o fim do contrato, uma vez que o Brasil importa 90% de suas necessidades de potássio e 70% da demanda de fertilizantes. Há grandes reservas de silvinita em Nova Olinda do Norte, no Amazonas, mas não existem ainda planos para explorá-las, devido a dificuldades técnicas.

Naturalmente, a exploração mais intensa de potássio em Sergipe exigirá investimentos, principalmente do governo federal, para melhoria da infraestrutura, mas a agricultura brasileira será tanto mais beneficiada quanto mais o custo do potássio produzido no País for competitivo com o importado.


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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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4 comentários

  • Lindalvo José Teixeira Marialva - PR

    Estou vendo consenso no ar. Matérias equilibradas sobre o Código Florestal, opiniões inteligentes. "Produzir e Preservar" é possivel? Sim, cabe a nós cidadãos de bens, honrados e compromissados com o país e com a vida, cuidar desse assunto. Vamos iniciar em nossa casa, vamos cuidar da água, do lixo, da árvore do quintal, da praça publica, vamos iniciar uma revolução em prol do meio ambiente, tem tanta coisa pequena para fazer que juntas se torna tão grandes. Vamos plantar uma árvore da esperança e unir nosso povo e parar com essas besteiras de colocar ambientalistas e ruralistas em choque, esta na hora de unir e provar ao mundo que aqui "PRODUÇÃO E MEIO AMBIENTE CAMINHAM JUNTOS".

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  • carlo meloni sao paulo - SP

    Considero o ESTADAO o melhor jornal do Brasil.--Nos ultimos tres

    anos fiquei muito irritado com os artigos de Marta Salomao que simplesmente publicava chavoes e slogans ambientalistas, sem fundamento para nao dizer quasi mentirosos. Agora nestes artigos o

    ESTADAO recuperou a sua grandeza equilibrada , finalmente...

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  • victor angelo p ferreira victorvapf nepomuceno - MG

    Lí hoje que a presidenta deverá vetar no texto a parte que fala do desmatameto, dando entender que não aceitará anistia...Ora, o Código apesar de inédito no mundo e nocivo a produção agrícola, foi no meu simples entender, aprovado mediante um acôrdo entre as partes...Agora, pinçar determinados artigos com a finalidade de agradar determinados interêsses, me parece não só desonesto como imoral...Continuo achando que a posição geográfica do Brasil, facilita muito as interferências externas...A gente olha o mapa é nota que somos a "esquina do mundo"...Saudade dos tempos em que tínhamos autodeterminação e que a palavra "entreguista" era usada pra desmerecer um político...

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  • Augusto Mumbach Goiânia - GO

    Nossa presidente pode fazer muito bonito na Rio+20. Basta que faça uma relação comparativa com consequente cobrança aos outros países participantes. Tipo, temos tanto de reservas ambientais, quanto vocês tem? Fazemos tanto de sequestro de carbono, quanto vocês fazem? Nossos produtores são obrigados a ter no mínimo 20% de reservas dentro de suas próprias propriedades, quanto os produtores dos seus países tem de reserva legal? Essas são as restrições de nosso código ambiental, quais são as restrições dos códigos de vocês? Qual o plano de vocês para recomposição de florestas nos seus países? Em qual prazo vocês conseguirão se igualar ao Brasil como países ecologicamente corretos? Tínhamos que dar muitas explicações quando éramos um país subdesenvolvido que dependia de empréstimos do FMI para o país continuar. A partir do momento que europa vem aqui pedir dinheiro emprestado, quem nos deve explicações são eles. Veja se os Chineses dão tanta atenção para americanos e europeus.

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