Logística: Falta de equilíbrio

Publicado em 28/05/2012 10:53
publicado na edição de hoje do jornal Valor Econômico (pagina de Opinião)


As pretensões do Brasil de tornar-se a quinta economia do mundo e consolidar-se como maior fornecedor de grãos e carnes do planeta poderão esbarrar na logística deficiente. Para ganhar competitividade e espaço no mercado internacional, o país precisa melhorar sua matriz de transportes, reduzindo a participação rodoviária e criando condições para que os usuários possam, de fato, escolher entre os modais rodoviário, ferroviário, fluvial ou de cabotagem para o embarque de seus produtos. Chegar a esse objetivo será tarefa complexa, já que envolve maior atração de capital privado, a solução de impasses regulatórios, legais, ambientais e também o melhor planejamento de editais e projetos.

"Nossa competitividade está em xeque, precisamos reduzir custos de produção e melhorar nossa logística, para recuperar o terreno perdido", afirmou o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, na abertura do "7u00ba Encontro de Logística e Transportes", realizado na segunda e terça-feira na sede da Fiesp, em São Paulo. Em 1985, a indústria de transformação respondia por 27% do PIB. Hoje essa parcela está em 14,6%. O Brasil precisa elevar investimentos para resgatar a força da indústria e ainda dar conta de ocupar o papel de celeiro do mundo na produção de alimentos. "O nível de investimentos em transportes corresponde a 0,5% do PIB. Precisamos multiplicar esse número dez vezes, para pelo menos 5%, se quisermos atingir os padrões dos países asiáticos", disse o diretor de infraestrutura da Fiesp, Carlos Cavalcanti.

A matriz de transportes é desequilibrada: cerca de 60% das cargas são escoadas por rodovias, as ferrovias respondem por 25% e o modal aquaviário por 17%. Em comparação a países de extensão territorial semelhante, os números do Brasil destoam. Nos EUA, 43% da circulação de cargas é feita por ferrovias e 32% pelas estradas, enquanto na China 50% é feita pelas rodovias e 37% por trilhos.
Além do peso excessivo nas estradas brasileiras, há outro problema: apenas 13,5% delas são pavimentadas. "Há muito espaço para que as hidrovias e as ferrovias aumentem sua participação e reduzam esse desequilíbrio histórico", destaca o diretor de planejamento de transportes da Secretaria de Política Nacional de Transportes, Francisco Luiz Baptista da Costa.

Ele ressalta que os investimentos do Ministério dos Transportes têm crescido. Na década de 1990, chegaram a 0,2% do PIB, enquanto hoje estão em um nível três vezes acima. "Mudou esse patamar", disse. Apesar disso, o volume de recursos do governo ainda está abaixo do recorde apurado na década de 1970, quando a pasta investia quase 2% do PIB.

O ministro-chefe da secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt de Oliveira, destaca que é preciso aperfeiçoar bastante a logística nacional, o que passa pela atração do capital privado. "Precisamos tanto de uma gestão pública eficiente quanto de um setor privado eficiente para fomentar todo o setor", diz. Elevar os investimentos exigirá ampliar a participação das empresas seja por meio de Parcerias Público Privadas (PPP), seja via concessões.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta a necessidade de R$ 180 bilhões em investimentos para expansão e adequação da malha rodoviária nos próximos cinco anos, ou seja, R$ 36 bilhões por ano. "O orçamento do governo federal prevê R$ 12 bilhões neste ano, o que mostra a necessidade de avanço nas licitações, que pararam em 2009", ressalta Cavalcanti.

Atrair investidores passa também pela reformulação regulatória e pela simplificação do modelo estrutural que rege o segmento. Para o diretor da Fiesp, o arranjo institucional do setor de logística e transportes não deveria continuar com o processo decisório pulverizado em três ministérios, várias secretarias e três agências reguladoras. "É fundamental que as instituições trabalhem de forma integrada e que ocorra a implantação efetiva de um sistema de planejamento estratégico de longo prazo, estruturado de forma a proporcionar racionalidade nos investimentos e na operação integrada dos diversos modais", afirma.

Há outros obstáculos. Análise do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre cerca de 500 obras fiscalizadas no ano passado mostra que as principais irregularidades encontradas referiram-se a sobrepreço e superfaturamento, projetos inadequados ou inconsistentes e falhas nos editais. "Como a maioria dos projetos é feita pela iniciativa privada, vê-se que alguns projetistas entregam documentos fracos", afirma o secretário de Fiscalização de Obras do TCU, José Ulisses Rodrigues Vasconcelos.

Em alguns casos, para melhorar o transporte de cargas, será preciso trabalhar em conjunto com projetos de mobilidade urbana. Um nó a ser desatado está na região metropolitana de São Paulo, onde trens de carga disputam espaço na mesma linha com vagões de passageiros. O problema dificulta a chegada dos trens ao Porto de Santos - em alguns casos a travessia das cargas é feita apenas de madrugada, quando o volume de passageiros cai. Um trem de açúcar de Ribeirão Preto ao porto pode levar sete dias.

A solução para o impasse seria a construção do Ferroanel, um anel ferroviário que circundaria a região metropolitana, retirando a circulação de cargas da linha de passageiros. "O crescente gargalo nas rodovias torna essencial a expansão do setor ferroviário", diz Eduardo Parente, presidente da MRS Logística e do conselho de administração da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários.

Para criar a cultura de multimodalidade, além de ampliar a presença dos modais ferroviário e aquaviário, será preciso atrair os usuários. "É preciso construir essa cultura, porque o sistema rodoviário tem grandes lacunas", diz José Luis Demeterco, presidente da Brado Logística.

A frota de caminhões é antiga: cerca de 75% dos veículos têm mais de dez anos, enquanto 50% mais de 20; há 900 mil transportadores, dos quais a maioria tem uma frota de até cinco veículos. "Movimentamos aqui apenas 3% de cargas em contêineres pelas ferrovias, enquanto nos EUA esse número chega a 42%, o que mostra o que é preciso avançar nesse quesito", destaca.

O licenciamento ambiental e a questão judicial são dois outros problemas que afetam várias obras no Brasil e envolvem empreendimentos de governos estaduais, municipais e da União. O secretário de transportes metropolitanos do Estado de São Paulo, Jurandir Fernandes, afirmou na abertura do seminário que, apesar de as verbas estarem disponíveis para tocar empreendimentos, muitos projetos patinam em meio a recursos administrativos após a abertura das licitações, dificuldades de obtenção de licenciamento ambiental e problemas básicos de planejamento. "Estamos trabalhando para arrumar cada vez melhor os editais."

No caso de uma linha do Metrô paulistano a ser executada na cidade, os atrasos - entre problemas judiciais e licenciamento - chegaram a três anos.

Fonte: Valor Online

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Valor Online

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