Ministra do Meio Ambiente fala em desapropriação e desmatamento desnecessário

Publicado em 28/10/2012 23:55 e atualizado em 29/10/2012 08:14
Em entrevista ao jornal O estado de S. Paulo, Izabela Teixeira contrapoe "desmatamento desnecessario" ao "desmatamento zero", e em desapropriar quem nao puder recuperar APPs.

'Só agora saberemos o tamanho do déficit'

Para ministra, cadastro rural vai mostrar quanto precisa ser recuperado; ela trabalha até com a hipótese de desapropriar


A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que, após ter "virado a página" da reforma do Código Florestal, o novo esforço do governo vai ser agilizar a regulamentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a fim de pôr na legalidade 90% dos agricultores do País que estão hoje irregulares por desmatamentos ilegais.

Ela falou durante evento, em São Paulo, da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade. Segundo Izabella, só com isso feito - o que diz esperar que ocorra em dois anos - será possível ter uma noção exata do tamanho do déficit ambiental. Esse passivo foi sempre o motivo colocado por ruralistas para pedir uma menor faixa de recuperação de margens de rio desmatadas ilegalmente.

"Aí sim vão acabar os achismos. Esse trabalho que vai nos dizer qual é o tamanho do déficit e como vamos recuperar", disse. "O Brasil pode e deve recuperar suas florestas. Entendendo que para isso não precisa tirar ninguém da sua terra."

Após o evento, a ministra falou ao Estado sobre a mudança da lei e o aumento de desmatamento em agosto deste ano - o maior desde julho de 2009.

A sra. fala em página virada, mas ruralistas disseram que vão acionar o STF. Como o governo pretende lidar com isso?

Nós entendemos que houve um processo democrático no Congresso, cuja conclusão foi remetida à sanção presidencial, e a presidente adotou a sanção com vetos. Do ponto de vista da lei, está OK. E, com base na lei, a presidente fez um decreto dando o primeiro conjunto de regras gerais. Nós teremos um segundo, terceiro. Estamos definindo as regras gerais, que é competência do Executivo. A Advocacia-Geral da União entende que não fizemos nada que gere inconstitucionalidade.

A que o governo atribui o aumento do desmatamento em agosto? Muitos ambientalistas dizem ser um reflexo das mudanças do Código Florestal.

Primeiramente não foi um aumento do desmatamento, mas da degradação, que significa queimadas e desmatamento. Há "n" causas. Primeiro, a forte pressão por área para expansão de soja em Mato Grosso. Outra possibilidade é aumento de grilagem por conta de promessas feitas em ano eleitoral. Em terceiro há o ouro. O preço subiu e levou a novos garimpos invasão de terras indígenas. Mas, obviamente, sim, há uma influência política do debate do Código que não é de 2012 - em 2011 e 2010 também foi assim -, de uma expectativa de anistia, que tudo poderia ser mudado. Toda vez que o debate volta para o Congresso, acham que vão mexer na lei. Nós ouvimos sobre muitas pessoas que desmatam para ver depois como é que fica. São comportamentos intoleráveis. Temos de combater o ilícito e viabilizar os caminhos de regularização ambiental, para que possamos mostrar que é possível produzir alimentos sem degradar a floresta.

O fato de que quem desmatou até 2008 só ter agora de recuperar uma faixa menor do que deveria ter deixado de pé em APP e reserva legal é uma redução em relação ao que ditava o Código anterior, que previa que tinha de recompor tudo. Isso não pode ser entendido como uma anistia?

Não. Vamos fazer a pergunta contrária. A lei que existia era uma medida provisória que nunca foi votada pelo Congresso e que levou 90% dos agricultores à irregularidade. A atitude da presidente não foi uma anistia porque não está anistiando para todo mundo, mas está obrigando que todo mundo recupere alguma coisa. E dá uma proporcionalidade de recuperação para que o pequeno produtor possa permanecer no campo. Temos situações da lei anterior que coloca 86%, 90% de algumas pequenas propriedades em área de preservação permanente. Se é isso, vamos desapropriar. Não se pode exigir que um produtor inviabilize a propriedade dele do ponto de vista econômico pela questão ambiental. Porque aí não estamos mais falando de produção de alimento, mas de desapropriar e destinar para a preservação ambiental. Essa discussão o País nunca fez. Possivelmente teremos situações de fácil recuperação e situações muito complexas, podendo chegar ao limite de ter de desapropriar.

A sra. disse várias vezes que não é preciso desmatar para plantar. O governo apoiaria uma lei de desmatamento zero?

O que vem a ser desmatamento zero? Para não cortar mais nada, tem de ver se há viabilidade econômica. É um movimento importante que as ONGs estão fazendo pelo Brasil, vamos ver se a sociedade adere e qual debate acontece no Congresso. Mas acho muito complexo que se impeça o desmatamento total. Tem de impedir o desmatamento desnecessário, mas pode ter um conceito de biodiversidade líquida, em que quem desmata recupera muito mais.

NO MS

Ameaçada de despejo, aldeia guarani caiová promete resistir 'até a morte'

Decisão judicial determinando que grupo de 170 índios deixe área de 2 hectares na divisa da Reserva Sassoró com a Fazenda Cambará, em Mato Grosso do Sul, gerou clima de tensão na região


TACURU (MS) - Eles são cerca de 170 índios guarani caiová, estão em uma área de 2 hectares de mata ilhada entre um charco e o leito do Rio Hovy, na divisa da Reserva Sassoró com a Fazenda Cambará, propriedade de 700 hectares no município de Iguatemi, no sul de Mato Grosso do Sul. A presença desse grupo de índios na área de mata ocupada por eles há um ano e chamada de Pyelito Kue/Mbarakay - que quer dizer terra dos ancestrais - foi decretada ilegal pela Justiça Federal há um mês e os indígenas condenados a deixar o local. Mas eles se negam a sair e prometem resistir à ordem judicial de despejo.

"Esta terra não é dos brancos. É nossa, de nossos ancestrais. Vamos ficar aqui até morrer", afirma Líder Lopes, um dos chefes do grupo. Na calorenta tarde de sábado, com o rosto pintado, ao lado de outros guerreiros da tribo, Lopes afirmou ao Estado que o grupo sofre perseguição de fazendeiros no local e que sabe que a decisão da Justiça manda que deixem o local. "Mas nós não vamos sair daqui. Se vierem nos tirar vão ter de nos matar."

Na aldeia escondida entre árvores de uma reserva ambiental da fazenda havia somente uma dezena de pessoas, entre adultos e crianças. Lopes alega que a luta dos caiovás é para garantir a posse da área que eles afirmam ser o local nos qual seus ancestrais viveram ainda antes de as fazendas se formarem nesta região do sul de MS, quase divisa com o Paraguai. A decisão judicial, beneficiando o fazendeiro Osmar Luís Bonamigo, representado pelo advogado Armando Albuquerque, no entanto, aponta em outra direção ao não reconhecer a posse das terras pelos caiovás.

Diante da tensão entre as partes, a Fundação Nacional do Índio (Funai), por meio do Ministério Público Federal, recorreu da decisão de primeira instância, em Naviraí. O MPF pede que os indígenas possam permanecer no local até que seja finalizado um estudo antropológico da Funai. O clima na região ficou ainda mais tenso com a chegada de técnicos da fundação, escoltados pela Polícia Federal. Um grupo de fazendeiros, liderados pelo Sindicato Rural de Tacuru, registrou Boletim de Ocorrência na delegacia da cidade reclamando da ação da Funai. Pelo menos cinco fazendas já foram visitadas pelos técnicos: Ipacaraí, Esperança, Pindorama, Estância Modelo e Alto Alegre.

Um integrante da operação da Funai disse que a situação entre índios e proprietários de terras pode se agravar pois os guaranis de toda a região estão decididos reivindicar áreas de ancestrais, como ocorre em Pyelito Kue. Segundo dados do governo federal, MS tem cerca de 40 mil índios da etnia guarani. A área ocupada por eles em reservas e terras indígenas é de 30 mil hectares.

Nos 2 hectares próximos a Cambará, os índios repetem o discurso da resistência na pequena área de mata na qual construíram suas casas cobertas com palha e lona preta. O acampamento indígena se assemelha às clareiras vistas em acampamentos dos sem-terra.

Lopes diz que seu povo está abandonado, sofrendo ameaças de pistoleiros, sem atendimento de saúde e sem cestas básicas da Funai. A notícia de uma iminente tragédia envolvendo os guarani caiová do Pyelito Kue varou as redes sociais na semana passada após a divulgação de uma carta do grupo na internet alertando autoridades sobre a intenção indígena de resistir até a morte. "Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui", diz o texto da carta. A versão difundida era que o grupo se preparava para cometer suicídio coletivo. A carta, no entanto, não afirma isso.

Mas como o suicídio de índios guarani na região tem chamado a atenção de estudiosos da causa dos índios, o alerta foi interpretado como uma vontade de morrer diante da contrária decisão da Justiça. Na verdade não era isso. "Houve um equívoco na leitura da carta", explica Flávio Vicente Machado, conselheiro do Cimi.

"O que eles estão dizendo é que estão sendo ameaçados e que não deixarão a área em caso de tentativa de despejo", explica o cacique Voninho Benites Pedro, de uma aldeia guarani do município de Douradina.

Os guarani caiová que habitam o sul de MS reclamam na verdade do que seria, segundo eles, uma histórica dívida do Estado brasileiro. Com o processo de colonização dos anos 1940 e 50, quando Mato Grosso do Sul foi escolhido para projeto de reforma agrária, implementada a partir dos anos 1950 por Getúlio Vargas, as fazendas cresceram na área e os índios foram alojados em reservas. Depois que os caiová voltaram a reivindicar a área, a região de Dourados e municípios vizinhos tornou-se um enorme caldeirão de disputas fundiárias e sob constante tensão étnica. O Estado não conseguiu no domingo, 28, contato com o Sindicato Rural de Tacuru para que a entidade falasse pelos fazendeiros.

Para chegar do local do acampamento indígena é preciso atravessar a reserva Sassoró, que margeia a BR-161. No fundo da reserva está a divisa da Cambará. Depois de uma caminhada de cerca de 500 metros é necessário atravessar o rio num vão de quase 100 metros com forte correnteza. A travessia tem de ser feita a nado ou com a ajuda de um fio de arame amarrado em estacas nas duas margens. As crianças, que estão no acampamento sem aulas há um ano, ignoram a tensão do mundo adulto e aproveitam as águas para se refrescar. Com o rosto pintado e um cocar de penas coloridas na cabeça, o pequeno Cleber, de 10 anos, reclama da falta de aulas. Ele cursou até o quarto ano do ensino fundamental. "Mas agora tem de lutar pela nossa terra."

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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