A safra do congestionamento, editorial do Estadão

Publicado em 10/03/2013 21:23

Safra recorde no Brasil é sinal de congestionamento nas estradas, de acesso complicado aos portos e de navios em fila para atracação. Os complementos são custos elevados e muita dor de cabeça para quem deve cuidar de embarque e desembarque de mercadorias nos terminais marítimos. 

A história se repete mais uma vez. O País colhe um volume sem precedentes de grãos e oleaginosas, estimado em 183,6 milhões de toneladas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A estimativa é pouco menor que a divulgada em fevereiro, 185 milhões, mas, ainda assim, a colheita há pouco iniciada deve ser a maior obtida até agora. Seria bem mais fácil festejar a boa notícia - mais um sucesso da agricultura brasileira - sem o caos já visível no sistema logístico. 

Caminhões de soja e milho estão sendo enviados aos portos, principalmente de Santos e de Paranaguá, mais cedo que em outros anos. O congestionamento no acesso aos terminais santistas começou na última terça-feira. Naquele dia, um dos terminais graneleiros recebeu 350 caminhões, 100 a mais que o número máximo permitido. Mas o caos é muito mais amplo e se espalha pelas estradas de outros Estados. Carretas de Mato Grosso têm demorado três dias a mais que em outros anos para descarregar nos portos. As viagens têm sido prejudicadas pelo mau estado das estradas e a lenta movimentação portuária agrava os atrasos. Tudo isso prejudica o retorno dos caminhões, retarda os novos carregamentos e eleva o preço dos fretes. Segundo o presidente do Sindicato Rural de Sapezal (MT), Cláudio José Scariote, a opção ferroviária é pouco atraente, apesar dos problemas do transporte rodoviário, por causa da demora e do alto custo das operações de transbordo.

O caos logístico tem ocorrido em todos os anos de grandes colheitas e era esperado mais uma vez desde o segundo semestre de 2012, quando um grande volume de milho da segunda safra foi encaminhado aos armazéns. Especialistas falaram sobre o assunto naquela ocasião e apontaram os riscos de problemas consideráveis nos primeiros meses deste ano. As previsões estão sendo confirmadas, apesar de algumas novas medidas. No Porto de Paranaguá foi estabelecido um sistema de programação online para a entrega de carga, mas, mesmo assim, caminhoneiros continuam formando filas.

O sistema brasileiro de transportes é ruim tanto pela sua composição quanto pelas condições de conservação e de uso das várias modalidades. A predominância do modo rodoviário é um dos defeitos mais visíveis, num país com a extensão do Brasil e com enormes volumes de carga para transporte a longa distância.

Com base em custos do ano passado, a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) comparou as condições de escoamento da produção americana e da brasileira. No Brasil, o produtor brasileiro pode gastar 59% mais que o americano para um percurso de 2 mil quilômetros, principalmente por causa da matriz de transporte. Dois terços dos produtos brasileiros são escoados pelo sistema rodoviário, enquanto essa proporção nos Estados Unidos é pouco inferior a 30%.

Além disso, a malha brasileira de rodovias é insuficiente e ruim. Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) realizada em 95.707 quilômetros de estradas, no ano passado, o pavimento era deficiente em 46% da extensão, havia problemas na sinalização em 66,3% e a pista era única em 88,1% dos percursos. As condições predominantes, portanto, eram muito más tanto para o transporte de passageiros quanto para o de cargas.

No ano passado o governo mostrou preocupação com o problema, afinal, e anunciou um plano de logística. Na prática, a iniciativa, até hoje, foi pouco além do anúncio, exceto pela criação de uma estatal para cuidar do assunto. Pelo menos a demonstração de interesse é positiva. Durante anos, a impropriamente chamada política de transportes havia sido marcada por muita bandalheira e pouca realização, num Ministério sujeito ao loteamento político. Enquanto se espera a conversão das promessas em ações, a safra continua encalhando nas estradas e portos.


Novas vantagens, riscos antigos

As novas vantagens financeiras anunciadas pelo governo às empresas privadas interessadas em participar do programa de concessões em infraestrutura, especialmente em ferrovias, não têm sido suficientes para afastar temores dos grupos empresariais que avaliam sua entrada nesses programas.

É, sem dúvida, atraente para os investidores a antecipação, anunciada pelo governo na semana passada, de 15% da receita esperada pelas concessionárias durante todo o período de concessão, de 35 anos. Igualmente vantajosa para as concessionárias é a regra, conhecida anteriormente, segundo a qual a estatal Valec comprará antecipadamente toda a capacidade de transporte das ferrovias concedidas, assumindo sozinha o risco de comercialização dos serviços ferroviários. Nem com as garantias já conhecidas, porém, grandes grupos estão inteiramente convencidos de que vale a pena correr os riscos implícitos no modelo de concessão apresentado pelo governo.

A antecipação da receita prometida pelo governo começará a ser paga a partir do segundo ano após a assinatura do contrato, se o cronograma de obras estiver sendo cumprido. Trata-se de uma cláusula que poderá ser cumprida sem muitas dificuldades pelas concessionárias, pois é bastante provável que de seu controle participem grandes grupos da área de construção pesada, que já se articulam com empresas especializadas em operações ferroviárias para participar das licitações. Estima-se que, com isso, as concessionárias poderão receber antecipadamente R$ 13,65 bilhões, que serão repassados à Valec pelo Tesouro.

O direito de auferir a receita antecipadamente poderá ser apresentado como garantia junto ao BNDES, nos financiamentos, com juros vantajosos para o financiado, de até 80% dos investimentos das concessionárias.

A compra, pela Valec, de toda a capacidade de movimentação da ferrovia protege as concessionárias do risco de mercado - embora possa resultar em perdas para os contribuintes se a estatal não conseguir comercializar toda a capacidade ou se o fizer por valor inferior ao que pagou. Trata-se, por isso, de uma importante garantia para os investidores.

Nada disso, porém, elimina outros problemas sérios do modelo anunciado pelo governo e que deixam dúvidas em grupos empresariais e investidores a respeito da conveniência de sua participação nesse processo.

Embora afaste o risco comercial das concessionárias, a compra da capacidade de transporte pela Valec traz outro. Trata-se das implicações práticas do enorme poder comercial de que a estatal disporá. A história recente registra diversos casos de uso de estatais pelo governo de acordo com seus interesses políticos. Desse uso resultaram perdas para contribuintes, acionistas ou empresas com as quais as estatais tinham vínculos contratuais. O temor de que experiências como essas se repitam gera alguma insegurança jurídica.

Igualmente preocupante para os investidores é a incerteza, dentro do próprio governo, a respeito da taxa de retorno do empreendimento, variável essencial para a montagem de um programa financeiramente sustentável ao longo do período de concessão. Para forçar a baixa das tarifas, o governo tem comprimido ao máximo a taxa de retorno, o que assusta os investidores. Além disso, tem dado informações contraditórias, ora anunciando uma faixa de variação da taxa, ora anunciando outra.

Do ponto de vista institucional, o que preocupa é como se fará a compatibilização de dois modelos diferentes, o atual, no qual a concessionária tem controle sobre suas linhas - permitindo seu uso por terceiros apenas nos períodos de ociosidade -, e o novo, no qual qualquer interessado poderá transportar sua carga pelas linhas.

Por fim, a inclusão no programa de concessões ferroviárias de trechos que já são ou poderão ser atendidos com mais eficácia pelo transporte rodoviário ou pelo marítimo, como as ligações paralelas à costa nas Regiões Nordeste, Sudeste e Sul, pode tornar esses blocos desinteressantes.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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