Seca histórica destrói economia rural no Nordeste

Publicado em 07/04/2013 19:17
"Bolsas garantem a comida, mas futuro é incerto", na edição deste domingo no jornal o Estado de S. Paulo.

A rede de proteção social que inclui programas de transferência de renda dos governos federal e estaduais tornou menos dramáticos os impactos da seca no cotidiano da população do Nordeste, mas ainda é incapaz de impedir que a economia local entre em verdadeiro colapso durante períodos de longa estiagem. A avaliação é de pesquisadores e autoridades ouvidas pelo Estado, que identificou em Pernambuco, Bahia e Alagoas uma realidade atenuada, mas ainda bastante difícil para o sertanejo que enfrenta a maior seca das últimas décadas na região.

Na terça-feira passada, em visita a Fortaleza (CE), a presidente Dilma Rousseff afirmou que, graças às ações de seu governo e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “a face da miséria nessa região não foi acentuada tão perversamente pela estiagem”. Para o professor João Policarpo Lima, do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a aposentadoria rural e projetos como o Bolsa Família e o Bolsa Estiagem dão às famílias do campo, de fato, uma alternativa à produção agrícola quando as condições climáticas ficam desfavoráveis, mas a quebra de safras e a morte de rebanhos provocam efeitos duradouros na economia local.

“A população pobre do semiárido fica menos vulnerável às secas, mas isso não significa que a população como um todo esteja imune, pois a economia entra em colapso e a população fora dessa cobertura fica desempregada ou perde suas outras fontes de renda”, afirma Lima. “Essa situação de hoje é menos ruim do que era há 40 anos, quando não havia programas de transferência de renda e apenas as frentes de emergência eram acionadas, de forma clientelística.”

Rebanho ameaçado. Nos últimos meses, Juvenal Lira Feitosa, de 53 anos, a mulher Iolanda e seus nove filhos dedicam seus esforços pela sobrevivência das 38 cabeças de gado mestiço, algumas cabras e galinhas e três porcos que criam no Sitio Poço Novo, na zona rural de Águas Belas (PE). Nos anos 1990, Feitosa tinha em sua propriedade apenas uma vaca. A partir do governo Lula, conseguiu crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), empréstimo bancário para arregimentar o pequeno rebanho.

O sustento da família vinha sendo garantido pela aposentadoria rural – um salário mínimo – da mulher e o benefício do Bolsa Família pago a quatro dos nove filhos do casal. A seca, porém, ameaça a outra fonte de renda. “A gente compra o mínimo para nós e com o resto tenta dar de comer o gado”, diz Juvenal, resignado.

A estimativa é que a estiagem provocou no Estado governado por Eduardo Campos (PSB), possível presidenciável em 2014, a redução de 710 mil cabeças de rebanho bovino – sendo que 150 mil morreram e o restante foi abatido precocemente. A bacia leiteira estadual sofreu queda de 72% na sua produção.

Êxodo na Bahia. Na Bahia do governador petista Jaques Wagner, a produção do sisal – usada na indústria têxtil – cai desde 2011. Os problemas no campo fizeram ressurgir mazelas sociais do passado. Mesmo com os benefícios sociais oferecidos pelos governos federal e estadual, o êxodo rural e migração a outros Estados, em especial aos do Sudeste, voltaram a ser registrados.

Na passagem por Fortaleza, Dilma anunciou pacote de R$ 9 bilhões para medidas emergenciais de enfrentamento da seca no Nordeste, Mas prefeitos de municípios do semiárido baiano e produtores agrícolas do Estado lamentaram o que chamaram de “superficialidade” das ações anunciadas pela presidente durante reunião da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Os administradores das cidades afetadas pela estiagem, liderados pela União dos Municípios da Bahia (UPB), resolveram criar um “Movimento dos Sem-Água” e prometem marchar até Brasília para cobrar “medidas objetivas e duradouras” para enfrentar a crise.

“Quando acontece alguma catástrofe no Sudeste, o governo responde na mesma hora. Queremos tratamento igual”, diz a presidente da UPB e prefeita de Cardeal da Silva, a 140 quilômetros de Salvador, Maria Quitéria Mendes (PSB). “Prometem recursos, ações, mas para conseguir um pouco do que é anunciado precisamos fazer grandes sacrifícios. É frustrante.”

Dos saques à morte do rebanho

Aparecido Silvino Coelho, 50 anos, mora na comunidade do Garcia, zona rural de Águas Belas, a 400 km do Recife. Da seca de 1970, ainda pequeno, lembra que os irmãos andavam 100 km para ir trabalhar nas "frentes de emergência" do governo por uma pequena remuneração. "Passavam a semana e voltavam com dois ou três quilos de feijão, farinha e um pedaço de charque", lembra. A comida era dividida por seis pessoas. Na época, tios e primos foram embora para São Paulo.

Quando chegou 1983, Aparecido já estava casado com Valdenice, com quem teve sete filhos. A seca levou a lavoura e a fome chegou. Ele não teve dúvida: engrossou os famintos que saquearam o antigo armazém de alimentos do governo, a 32 km da sua casa.

"A gente saiu de noite, a pé, eram umas 80 a 100 pessoas de várias comunidades, e chegou no armazém amanhecendo. Cada um levava um saco. A gente abriu as portas com pedaços de ferro, paus, pedra. Cada um encheu seu saco com o milho que tinha lá", diz Aparecido, constrangido. "Melhor que morrer de fome."

Os saques se repetiram em 1993 com o mesmo roteiro.

Os R$ 170 do Bolsa Família que chegaram há alguns anos deram acesso ao banco a Aparecido. Ali ele fez um empréstimo com o qual comprou oito cabeças de gado. Podia criar e revender os bichos, além de consumir e comercializar o leite das vacas.

Agora, na seca de 2013, viu tudo ir embora. Vendeu o gado para não vê-lo morrer, como muitos animais cujas carcaças secam à beira da estrada local. Os programas federais e estaduais mantêm a comida na mesa. A água, nem sempre suficiente, vem em carros-pipa do Exército. Sem débito com o banco, Aparecido não pensa mais nos saques de anos atrás. Mas não sabe o que fazer quando a seca passar. Comprar mais animais? "E quando chegar outra seca?"

Circo Brasil


por ROLF KUNTZ* - O Estado de S.Paulo

Se o céu ajudar, os ventos forem favoráveis e os fatos confirmarem a projeção mais otimista em circulação na praça, a economia brasileira crescerá 3,2% em 2013 e 6,94% nos três primeiros anos da presidente Dilma Rousseff. Isso equivalerá a uma média anual composta de 2,26%. Talvez ainda se possa falar de espetáculo do crescimento. Circos mambembes também anunciam espetáculos. Mas cobram pouco pelo ingresso e seus dirigentes evitam equiparar-se aos melhores do ramo.

Menos modesto e muito menos realista, o governo brasileiro insiste, no entanto, em se alinhar a emergentes muito mais dinâmicos, como se o uso de um crachá dos Brics fosse um atestado de competência e dinamismo. A presidente Dilma Rousseff esbraveja quando se cobra uma política mais eficaz contra a inflação, sem gastar um minuto para olhar outros latino-americanos, como Colômbia, Chile, Peru e México. Todos esses países têm crescido mais que o Brasil, nos últimos anos, com preços muito menos instáveis.

Este é outro detalhe do show mambembe: a inflação prevista para o ano está na vizinhança de 5,7% e mesmo essa projeção pode ser furada se as contas públicas forem administradas como até agora. Mais de uma vez, desde o fim do ano passado, o Banco Central chamou a atenção para a tendência expansionista das finanças federais. Esses componentes bastariam para fazer da exibição do Circo Brasil uma das mais constrangedoras, mas o programa oferecido ao distinto público é bem mais rico.

Outra grande atração do programa é a depredação das contas externas. O desastre poderá demorar um pouco, mas será inevitável se as tendências dos últimos seis ou sete anos forem mantidas. A partir de 2007 as importações têm sido mais dinâmicas que as exportações. Entre 2007 e 2012 o valor exportado aumentou 51%, de US$ 160,65 bilhões para US$ 242,58 bilhões, enquanto o custo dos bens importados cresceu 85%, de US$ 120,62 bilhões para US$ 223,15 bilhões. Esse poderia ser o efeito normal de uma estratégia de abertura econômica, mas a história é outra. Durante esse período o governo elevou as barreiras comerciais e o País se tornou muito mais protecionista. Esse protecionismo é parte da impropriamente chamada política industrial, mas os resultados têm sido abaixo de pífios. Com essa orientação o governo conseguiu, entre outros efeitos discutíveis, inflar os custos da Petrobrás, dificultar as compras de equipamentos para petróleo e favorecer a acomodação de alguns setores beneficiados.

Com ou sem barreiras de proteção, a indústria brasileira continua sujeita à concorrência de fabricantes mais competitivos e a erosão do saldo comercial amplia o déficit em conta corrente. Durante algum tempo o problema foi atribuído ao real valorizado. A valorização cambial atrapalhou, de fato, mas as demais desvantagens comparativas são muito mais importantes, a começar pela tributação incompatível com uma economia ligada, mesmo com limitações, ao mercado internacional. É até grotesco insistir na história do câmbio quando os caminhões se enfileiram nas estradas e o agronegócio brasileiro, um dos mais eficientes do mundo, mal consegue enviar seus produtos aos portos.

A deterioração das contas externas continua. De janeiro a março o País acumulou um déficit comercial de US$ 5,15 bilhões. Para tapar esse buraco e alcançar o superávit de US$ 15 bilhões ainda estimado pelo BC, o Brasil terá de conseguir nos nove meses restantes um saldo positivo de US$ 20,15 bilhões, maior que o de todo o ano passado, US$ 19,43 bilhões. A mediana das previsões do mercado financeiro estava em US$ 12,4 bilhões na semana passada. Em seu último informe conjuntural a Confederação Nacional da Indústria (CNI) reduziu para US$ 11,3 bilhões o saldo estimado para o ano. Em dezembro a projeção ainda era de US$ 18,1 bilhões.

O quadro fica mais feio quando se olham os detalhes: a exportação prevista é de US$ 253,4 bilhões, mais uma vez inferior à de 2011 (US$ 256 bilhões). No ano passado o valor ficou em 242,6 bilhões. A importação, US$ 242,1 bilhões, continuará em alta e será 7,03% maior que a de dois anos antes. Mesmo com o cenário internacional adverso, as vendas do agronegócio continuarão sustentando o resultado comercial. O PIB industrial, mesmo com crescimento previsto de 2,6%, continuará muito fraco, por causa das limitações estruturais. Os incentivos adotados pelo governo continuam favorecendo mais o consumo do que o investimento e a produção, mas o governo - por falha de percepção, por interesse eleitoral ou por uma combinação dos dois fatores - insiste nas medidas de curtíssimo alcance já experimentadas nos últimos dois anos.

O investimento deve aumentar 4% neste ano e puxar a expansão econômica de 3,2%, segundo a CNI. A projeção é bem menor que a divulgada em dezembro (7%), mas pelo menos indica uma composição mais saudável que a do ano passado. Se a previsão estiver correta, o valor investido mal compensará a redução de 4% registrada em 2012. Além disso, o País continuará aplicando muito menos que o necessário para sustentar durante alguns anos um crescimento econômico igual ou pouco superior a 4%. Se o Brasil investir 4% mais que em 2012 e a economia avançar os 3,2% estimados, a relação entre o investimento e o produto interno bruto (PIB) passará de 18,14% para 18,28%. Será uma variação irrisória. Além disso, o valor investido continuará muito longe dos 24% ou 25% apontados por muitos economistas como indispensáveis a um dinamismo mais parecido com o de outros emergentes.

O espetáculo mambembe do crescimento ainda se completa com cenas grotescas de avacalhação da máquina governamental. O número de ministérios aumenta, mais uma vez, para a acomodação de aliados, e mais estatais de valor muito duvidoso são criadas. O loteamento continua, com a participação de siglas e de líderes partidários afastados na faxina encenada em 2011. Mas uma boa parte do distinto público aplaude como se assistisse a um espetáculo de classe mundial.  

*JORNALISTA


Fonte: O Estado de S. Paulo

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