CNBB: a PEC da discórdia, por Dom Redovino Rizzardo, cs (Bispo de Dourados, MS)

Publicado em 09/05/2013 09:55 e atualizado em 09/03/2020 08:45

Não sei se exagero ao afirmar que, regressando a Dourados depois de ter participado da 51ª Assembleia da CNBB, em Aparecida, encontrei a Diocese em polvorosa. O motivo: uma "nota" divulgada pela CNBB no final de seus trabalhos, no dia 19 de abril, assinada pela Presidência da entidade, esclarece que os bispos da Igreja Católica se opõem à Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), que transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional a aprovação de demarcação, titulação e homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de áreas de proteção ambiental.

Faz 12 anos que resido numa região onde, por força das circunstâncias, a cada ano que passa, cresce o antagonismo entre índios e agricultores. Normal 0 21 false false false. Ao invés de cidadãos do mesmo país, com direitos e deveres iguais, eles são cada vez mais levados a se olharem como rivais e adversários.

Essas "circunstâncias" remontam ao dia 22 de abril de 1500, quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, e os europeus - seguidos, mais tarde, por africanos e asiáticos - começaram a ocupar uma terra que, segundo a carta de Pero Vaz de Caminha, escrita logo depois, no dia 1º de maio, «em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo».

A terra, eis a origem de todos os males. De quem é o solo do Brasil e, dado o problema que me afeta de perto, do Mato Grosso do Sul? Se dou atenção aos indígenas, a resposta é simples: «É nosso, pois sempre nos pertenceu». Se ouço os agricultores, a questão fica complexa.

A 9 de janeiro de 1872, dois anos após o término da Guerra do Paraguai, foi assinado o tratado de paz que deu ao Brasil boa parte do território paraguaio hoje pertencente ao Mato Grosso do Sul. Querendo defender os novos domínios, Dom Pedro II ofereceu imensas glebas devolutas a ex-combatentes que haviam lutado pela pátria. Na última década do século XIX e na primeira do século XX, chegaram numerosas famílias de gaúchos, paulistas e mineiros, que receberam, compraram - ou tomaram - do Governo áreas que destinavam à pecuária. Em ambos os casos, as terras eram habitadas por indígenas, os quais, por serem mais nômades do que sedentários, preferiam a caça e a pesca à agricultura, vagando de um lugar para outro.

Em 1938, no intuito de povoar as regiões agrestes de Goiás e do Mato Grosso, Getúlio Vargas lançou a "Marcha para o Oeste". Em Dourados, o boom dos imigrantes teve início em 1950. Foram mais de 10.000 os nordestinos que obtiveram ou compraram glebas numa região então ocupada por índios e hoje por dezenas de municípios.

A partir da década de 1970, a fertilidade da terra e a mecanização da lavoura atraíram uma avalanche de gaúchos, catarinenses e paranaenses, que adquiriram suas propriedades legalmente.

Se todos, índios e agricultores, precisam da terra para sobreviver, a solução poderia ser a que expus no artigo "Não só de terra vivem os índios", no dia 5 de abril: «Quanto aos produtores rurais que tiverem suas propriedades demarcadas, sejam indenizados pelo valor real das mesmas (e não apenas por suas benfeitorias); quanto às comunidades indígenas, suas aldeias sejam revitalizadas e transformadas em núcleos populacionais (urbanos e rurais), com os serviços e as políticas públicas indispensáveis às necessidades de seus habitantes, assim como se procura fazer com as demais cidades e vilas do país».

Escrevi acima que, ao voltar de Aparecida, encontrei a Diocese em polvorosa. Os agricultores, em sua maioria católicos, não gostaram da posição assumida pela CNBB: «Se a CNBB é a favor da democracia, por que teme o Congresso Nacional? Qual a sua vantagem em se imiscuir na luta pelo poder que, através de sucessivas PECs, travam Executivo, Judiciário e Legislativo? E por que não se pronunciou também contra o Projeto de Lei 122, que destrói os valores que sustentam a sociedade?».

Se, por fidelidade ao Evangelho, a Igreja não pode se omitir diante dos problemas sociais e econômicos que afetam o povo, também não deve esquecer que tais problemas têm sua origem na formação moral e ética das pessoas e das famílias. E se não se pode reparar uma injustiça (contra os índios) com outra (contra os agricultores), também não se deve prolongar uma situação de tensão e insegurança que só pode terminar em violência, onde os mais fracos são sempre as maiores vítimas.

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7 comentários

  • Lourivaldo Verga Barra do Bugres - MT

    A Igreja Catolica tem uma participação ativa na vida política, social e religiosa no Brasil, mas ultimamente tem se envolvido em assuntos extremamente complexos e com isso tem criado muitos adversários, inclusive católicos participantes e colaboradores. Dom Rodovino tem a visão de quem vive dentro do problema que a Igreja se meteu e corre o risco de perder muitos fiéis. Certos movimentos radicais devem ser revistos pela Igreja, por exemplo: Ela se meteu na questão ambiental e agora o CIMI se envolve nessa também. A CNBB deve estar bem atenta para não defender interesse estrangeiros metidos nessas questões; a Igreja deve estar atenta para não ser taxada como traidora da Pátria a serviço de estrangeiros, porque o governo já faz isso e a Igreja não pode ser parceira nesse processo. Sou Católico e participante, mas sou acima de tudo patriota, produtor, contribuinte, tanto para o governo, quanto para Igreja. Índios são filhos de Deus, e os produtores, além de filhos de Deus, são construtores da Nação.

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  • Telmo Heinen Formosa - GO

    Não esmoreça, nem desista. Trabalhe duro! Milhões de pessoas que vivem do Bolsa-Familia, sem trabalhar, dependem de você. E agora com a importação de indios, ficará ainda pior. Pense duas vezes, mas pense antes de colaborar com donativos na sua paróquia.

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  • cesar augusto schmitt Maringá - PR

    Que a igreja se cale. Foram e são os maiores exploradores da ignorancia indigena, ou já se esqueceram das "reduções" entre tantas barbaries que cometeram e continuam cometendo mundo afora. Ouçam as palavras do Cristo, através do evangelho de Mateus( se é que sabem quem foi Mateus) "É mais facil ver um cisco no olho de outros que uma trave em nossos prórios olhos. Portanto calem a boca, sua credibilidade é ZERO.

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  • João Alves da Fonseca Paracatu - MG

    Não conheço Dom Redovino , tampouco sua linha de ação, todavia acho que suas palavras são sábias pois falam de justiça ,paz ,ações concretas ,diálogo,fraternidade citando todos os envolvidos , quem ganha com este barril de pólvora são pessoas e entidades às vezes acima de qualquer suspeita , mas que têm interesses escusos nestes processos.Os poderes constituídos(os três) precisam urgentemente alinhavar um armistício,conseguir uma trégua e proporcionar ordem,paz e progresso ao povo brasileiro - tempo urge - saudações mineiras ,uai...

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  • Lino Gaspar Rocha Aguiar Rio Paranaíba - MG

    O homem foi criado para o trabalho, para o relacionamento, e para a divinidade. Hoje o trabalho é criminalizado,( cantado em prosa e verso, tanto os pseudoecologistas, os pseudosantropologos e tanto para alguns tambem pseudoteologos). Lamentavelmente a CNBB não sabe se possocionar, para a verdadeira vocação humana. O homem para ser digno precissa do trabalho, do relacionamento com os seus semelhantes ( nunca confinar etnias etnicas) , de viver a sua herança divina (imagem e semelhança de Deus).

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  • HAROLDO FAGANELLO Dourados - MS

    Acompanho de perto as posições do nosso querido Bispo Dom Redovino, a respeito dessa questão delicada que é a demarcação de terras indígenas e sabemos o quanto ele é moderado e conciliador nessa questão. O problema é a tal IDEOLOGIA de alguns membros do CIMI (esse um órgão que nos deixa realmente assustados por suas posições radicais e tendenciosas), pena que esses membros ditos são as vezes BISPOS e, eu como católico gostaria que não o fossem. Sei que é ousadia da minha parte dizer, mas também me sinto no direito por ser católico praticante. Como seria bom para toda a igreja se a CNBB não compartilhasse dessa IDEOLOGIA radical e injusta do CIMI, afinal como disse nosso Bispo local...não se deve fazer justiça cometendo injustiças....

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  • Edison tarcisio holz Terra Roxa - PR

    a igraja tem que comesar doado suas teraSPARA OS INDIJENAS JA QUE NÃO PRESISAA DELAS PRA SOBRIVIVER POIS DEPOIS OS INDIJENAS VÃO SUSTENTAR OS PADRES E BISPOS DO BRASIL E VAN AJUDAR OS PEQUENOS AGRICULTORES SERA

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