Pão e circo - por MERVAL PEREIRA, de O GLOBO

Publicado em 12/06/2014 15:38
+ discurso do senador Cristovam Buarque, na convenção do PDT

A Copa do Mundo de futebol começa hoje em São Paulo sem que dois personagens centrais de sua organização possam sequer aparecer no telão do Itaquerão, ou terem suas presenças no estádio anunciadas, justamente os que pensavam em retirar do evento dividendos políticos, cada qual à sua maneira: a presidente Dilma, candidata petista à reeleição, e o presidente da Fifa, Joseph Blatter, também almejando mais uma recondução ao cargo.
 

Outro grande ausente da cerimônia de abertura será o ex-presidente Lula, responsável pela construção do novo estádio e torcedor fanático de futebol, mas sem condições de se expor ao público sem correr o risco de uma vaia. 

Aliás, é de se notar que nenhum candidato à Presidência da República pretende dar as caras no estádio.

Situação distinta da que passou o então governador de Alagoas, Fernando Collor, que escolheu o desfile de escolas de samba de 1988 para testar sua popularidade, e foi amplamente vitorioso na ocasião, pavimentando o caminho para sua eleição à Presidência da República no ano seguinte.

Aconselhados pela vaia que levaram na abertura da Copa das Confederações, Blatter e Dilma preferiram o anonimato, ambos utilizando-se de cerimônias em recinto fechado para fazerem seus pronunciamentos oficiais. A presidente Dilma usou a prerrogativa do cargo para se defender das críticas em cadeia nacional de televisão, sem possibilidade de reação da plateia.

Blatter enfrentou a oposição europeia à sua permanência no cargo ao comandar a cerimônia oficial da assembleia da Fifa, e não contou com a solidariedade da presidente Dilma, que pretextou uma providencial gripe para não comparecer à reunião como prometera a ele.

O fato é que as acusações de corrupção contra a direção da Fifa vêm aumentando de tom à medida que se descobrem indícios fortes de que a escolha do Qatar para sede da Copa de 2022 teve interferências indevidas e subornos dos delegados. O que deveria ser a apoteose do projeto iniciado há sete anos, quando a Fifa escolheu o país do futebol para sediar a Copa do Mundo, transformou-se em um pesadelo para o governo e para a Fifa, e mostrou que o povo brasileiro não é exatamente o que pensavam que era: acrítico diante da possibilidade de ver os principais craques do mundo da bola ao vivo em suntuosos estádios.

A confirmação da intenção eleitoreira do governo brasileiro está na escolha de 12 sedes para a Copa, em vez das tradicionais oito. E na tentativa, revelada recentemente, de termos nada menos que 17 sedes, para que a miríade de partidos da coalizão governamental pudesse tirar proveito político do campeonato.

O povo brasileiro vai dando um exemplo de como é possível separar o joio do trigo sem perder a naturalidade.

Adora futebol, está apoiando a seleção brasileira, mas não está com ânimo de esquecer seus problemas apenas por causa do futebol.

Fora os vândalos, que se perderam na ameaça de "não vai ter Copa", e os aproveitadores sindicais, que se utilizam do momento para chamarem a atenção para suas reivindicações sem pensar no coletivo, não há quem não saiba separar os jogos das jogadas políticas como a da presidente Dilma - que utilizou um instrumento de comunicação do Estado para defender seu governo das críticas, como se a maioria que vê abusos e desarranjos na organização da Copa possa ser classificada apenas de "pessimistas".

A tentativa de "transformar em motivo de orgulho nacional obras inacabadas, gastos superfaturados e a absoluta falta de capacidade de gestão deste governo", como disse em nota oficial o PSDB, deve ter se transformado em um tiro no próprio pé, pois é difícil acreditar que a "bronca" da presidente nos "pessimistas" os faça mudar de opinião.

Da mesma maneira que Joseph Blatter tentou calar as vaias no estádio de Brasília na Copa das Confederações dando uma lição de educação aos torcedores, a presidente na noite de terça-feira tentou convencer a população de que não há motivos para desencantos.


Não entenderam até agora que, em vez do folclórico e dócil povo brasileiro que se encantaria com a magia da Copa do Mundo, há uma sociedade inquieta em busca de um futuro que não se resuma a pão e circo.

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Discurso do Senador Cristovam Buarque na

convençao do PDT (e de apoio à Candidata do PT)

COMPANHEIRAS E COMPANHEIROS BRIZOLISTAS,

Hoje, é um dia em que já não cabem propostas.

Estamos aqui para ratificar uma decisão já tomada pelo Partido desde o final de 2006, quando aceitamos trocar nossas propostas e nosso ideário por um ministério no governo recém-eleito e contra o qual vínhamos fazendo oposição desde o tempo de Brizola. Nestes quase dez anos, a decisão de continuar no governo foi mantida todos os dias. Atravessamos os escândalos no governo, inclusive no nosso ministério, sem uma crítica, uma autocrítica, nem ao menos uma análise sobre o que acontecia no País, no governo e em nosso partido. Assistimos a timidez das políticas sem oferecer propostas mais ousadas.

Ninguém pode negar avanços sociais e econômicos ao longo deste período. Mas não deveríamos deixar passar os equívocos, por omissão e por ação. Apesar de avanços no número de alunos no ensino superior fechamos os olhos à falta de prioridade à educação de base; não podemos deixar de elogiar programa como “mais médicos”, mas criticando o caos na saúde pública; tínhamos obrigação de denunciar a corrupção; não podíamos nos calar diante do desastre criado pelo aparelhamento de nossas estatais, especialmente da Petrobrás, símbolo do progresso, do potencial e do engenho brasileiro, criada por nosso maior líder que foi Getúlio Vargas; calamos diante da violência nas ruas; assistimos passivamente, arrogantemente, as manifestações do povo nas ruas.

Chegamos a 2014 com o partido entregue ao governo. O povo está nas ruas e nós lutando por um quartinho no fundo do palácio.

Nem ao menos dedicamos um minuto para pensar por que o povo está nas ruas, por que seu descontentamento e o que fazer para o Partido reencontrar sua aliança com o povo e com a história.

Para ficar no governo de hoje, abandonamos a história.

Sobretudo, não estamos levando em conta o esgotamento do atual modelo.

As bases do rumo que o Brasil segue desde 1994 estão esgotadas, enferrujadas.

Por vinte anos baseamos nosso destino na busca do:

- crescimento econômico tradicional,

- do controle da inflação,

- da transferência assistencial de rendas para os mais pobres,

- da democracia parlamentar.

O crescimento tradicional se esgotou.

É irresponsabilidade histórica continuar insistindo no rumo de uma economia baseada na exportação de bens primários e na produção de bens industriais dos anos 50 e 70. Ainda mais, para manter o governo nem tomando decisões muito arriscadas:

- gasta R$ 170 bilhões por ano de incentivos fiscais;

- aceita elevados déficits sistemáticos em conta corrente, além de déficit na balança comercial, o que não acontecia desde 2000;

- comemora o perfil de nosso produto que nada tem da economia do conhecimento que caracteriza o mundo de hoje;

- vê a economia se desindustrializando sem fortalecer um setor de criação de economia do conhecimento;

- incentiva e induz uma economia baseada no aumento do consumo à custa da necessária poupança para a construção do futuro;

- temos uma taxa de poupança interfira 13%, a menor taxa entre os países representativos da economia mundial, provocando o pequeno crescimento do nosso PIB e sacrificando o futuro;

- não consegue domar os juros, nem a inflação;

- temos uma das piores posições do mundo na classificação de competitividade;

- comemora-se sermos o sétimo PIB, já fomos o 5º, sem perceber que per capita estamos em 54ª posição e no Índice de Desenvolvimento Humano em 85º lugar, nosso PIB pode ser grande, mas é velho e mal destribuído.

- nossos preços sobem em taxas que assustam a população, com medo da carestia.

- o mercado de trabalho (bandeira historicamente ligada ao PDT): está aquecido (com taxa de desocupação em 7,1%), mas a qualidade do emprego está muito aquém do que o Brasil precisa.

Os postos de ocupação criados têm baixo salários, implicam em altíssima rotatividade e estão em geral ligados a atividades no setor de serviços (em geral com baixa produtividade). Além disso, há um número muito elevado de pessoas que não procuram emprego: Estima-se que 62,6 milhões de brasileiros estão fora da força de trabalho. São pessoas na idade de trabalhar, mas que não estão ocupadas nem procurando emprego.

A base para a manutenção da estabilidade monetária se esgotou.

Nos últimos anos houve um relaxamento nas âncoras que mantém a estabilidade de preços. Os gastos públicos têm previsões muito preocupantes para o futuro próximo. A âncora cambial se esgota, devido ao seu impacto negativo sobre nossa competitividade internacional. Somos obrigados a elevar taxas de juros. A lei de responsabilidade fiscal vem sendo desrespeitada.

A base das transferências assistenciais está se esgotando.

O programa de bolsas tem um papel fundamental na necessária generosidade para enfrentar a pobreza extrema de milhões de nossos compatriotas excluídos do essencial para a sobrevivência. Mas sem a garantia de escola de qualidade ele virá um programa assistencial, não um programa transformador social. O programa de transferência de renda completa vinte anos desde seu início, com características educacionais, em um governo do PT com a participação do PDT em Brasília; 15 anos desde sua expansão para todo o Brasil. Graças ao governo Lula e Dilma a ampliação permitiu atender praticamente todos que dela precisam. Sem esta ampliação o quadro da pobreza teria continuado da forma assustadora e vergonha-se do passado. Mas esta base social das últimas décadas demonstra esgotamento estrutural pela incapacidade de oferecer uma porta de saída clara e eficiente que faça com que nenhum brasileiro precise mais dela;

O governo não tem sido capaz, nem demonstra compromisso em transformar os “beneficiários de bolsas” em “geradores de renda”.

Vale lembrar, que apesar de seu pequeno custo como proporção do PIB, apenas 0,5%, hoje 76% da receita federal vão para gastos de

transferências de renda, no lugar de investimentos para gerar renda. E esta proporção cresce de maneira que nos próximos dez anos o governo estará completamente esgotado em suas finanças, se esta população não migrar da necessidade de bolsa para a geração de renda.

Nossa democracia se mostra não apenas esgotada, mas viciada.

Esgotada pelos vícios da corrupção generalizada em todos os setores da sociedade, muito especialmente no comportamento político:

- com regras eleitorais atreladas ao poder econômico e que dificultam renovação;

- sem estratégia para o longo prazo e viciado no imediatismo;

- sem uma vida partidária, sem identidades ideológica e moral;

- totalmente pragmática e desprogramática;

- com tolerância à corrupção;

- sem uma convivência estável entre os três poderes.

Em consequência, uma democracia desacreditada e desmoralizada como o povo demonstra nas ruas. Vivemos uma guerrilha organizada pelas redes sociais, sem lideranças, sem programas, sem partidos; com manifestações, que unem desiludidos e desesperados, capazes de inviabilizar o bom funcionamento da sociedade e criando um caldeirão propício para tentativas autoritárias, vindas de quem está no poder ou de quem faz oposição; e sem prioridades comprometidas com a transformação social, que deve ser a obrigação de todo partido progressista como o nosso, criado sob a liderança de Brizola.

Companheiros e companheiras, nos últimos meses discute-se qual será o legado a ser deixado pela Copa do Mundo. É cedo para saber se qualquer dos legados prometidos serão cumpridos:

- se os estádios serão pagos pelo setor privado;

- se haverá melhoria substancial na mobilidade social e por que esta melhoria precisava de uma Copa, uma vez que todos os recursos e decisões de investimento são nacionais;

- se haverá uma elevação da renda que compõe os gastos.

Mas, desde já pode-se dizer que um legado da Copa foi a descoberta pelo povo de que além da corrupção no comportamento dos políticos, há também uma corrupção na definição das prioridades, optando-se por

investimentos para o presente dos ricos, sem compromissos com as transformações estruturais, sociais, econômicas, culturais que o País precisa para seu futuro e nossa população pobre precisa para ser incluída definitivamente, estruturalmente, sem necessidade de transferência de renda.

O povo descobriu que nós, os políticos e nossos partidos não estamos sintonizados com o espírito das ruas. Apesar disso, ruas não entraram em nossas análises para a decisão que tomaremos nem na definição das prioridades que deveríamos levar ao governo que nos propomos continuar apoiando.

Repito, o poder está nas ruas e nós estamos buscando um quartinho no palácio.

 

Esgotamento das bases do modelo de desenvolvimento e funcionamento da sociedade e da economia está provocando uma implosão.

 

O futuro está implodindo no vergonho estado de nossas escolas, mesmo depois de 12 anos de governo do PT e 8 de nossa participação nele. As tentativas de erradicação do analfabetismo e as mudanças na educação de base iniciadas em 2003, inclusive com o programa Escola Ideal para implantação de horário integral pela federalização da educação de base, nos moldes defendidos por Brizola e Darcy, foram interrompidas a partir de 2004. A ideia de um programa de federalização entregue ao governo em Setembro de 2011 nunca foi nem ao menos considerada. O resultado é o aumento no número de analfabetos em 2013 em relação a 2012.

Tudo isso por fazer a opção e definir prioridade pela ampliação do Ensino Superior. O governo Lula e Dilma com programas de cotas e o PROUNI foram capazes de ampliar substancialmente o número de alunos no ensino superior, e mudar o perfil social e racial destes alunos, mas este sucesso se esgota ao esbarrar na fragilidade dos alunos que nele entram depois de um ensino médio insuficiente.

O futuro do País está implodindo nos limites de nossa economia sem poupança, sem capital conhecimento, com excesso de gastos públicos, com dependência de incentivos fiscais, sem possibilidade de reduzir os juros.

O futuro do País está implodindo na necessidade de transferência de renda sem as quais em vez de gerar renda nossa população se mantém na assistência e cai de volta na fome e na miséria, cada vez que a inflação corrói o valor da bolsa.

O futuro de nosso País está implodindo em uma democracia corrupta, corruptora, viciada no imediatismo, sem partidos programáticos, sem políticos atentos e comprometidos com o povo, uma democracia sob suspeição pelo povo.

Está na hora do PDT recuperar os sonhos de sua Fundação, reler o que dizia Brizola e os demais líderes históricos e apresentar um programa para o futuro do Brasil. A proposta apresentada pelo PDT na campanha presidencial de 2006, sob o titulo de “A Revolução pela Educação – Como Fazer!”, poderia ser a base para uma revisão que permitisse ao partido ter um programa para o futuro. O ideal seria que tivéssemos um candidato a presidente, o que propus com a tranquilidade de quem há seis meses disse que não aceitaria ser este candidato. Mas, se não escolhesse um candidato próprio, que ao menos cumpríssemos nossa obrigação com o País e o nosso povo entregando aos candidatos as nossas propostas alternativas transformadoras. A análise destes tempos vai nos acusar de termos perdido o vigor transformador que caracterizou nossa fundação e nossa política até recentemente.

Ouvi a algumas semanas do presidente Lupi que é muito difícil sair de um governo depois que entramos nele e nos acostumamos com cargos. Ele falava mais em relação aos nossos problemas locais, onde os companheiros não aceitam sair dos governos estaduais. Mas, se é difícil sair do governos, muitas vezes é irresponsabilidade continuar neles, escolhendo o silêncio e o apoio cego, humilhado, subordinado e alienado.

O povo está nas ruas, não é hora de silenciar para manter um quartinho no palácio.

Perder a sintonia com o descontentamento das ruas, deixar de apresentar, defender e lutar pelas reformas que o Brasil necessita, fiscal, educacional, industrial, agrícola, política é ignorar os sonhos de Brizola; manter-se na subserviência é não lembrar mais de Brizola; ser apenas um

puxadinho de partidos no poder em troca um ministério é romper com Brizola. Como seus herdeiros, não temos este direito.

Sem a liderança do Lupi nos anos seguintes à morte do Brizola, dificilmente o PDT teria sobrevivido, mas se continuar nosso rumo conforme os últimos anos, o PDT não sobreviverá como uma entidade política para fazer as reformas que o País precisa. Além de conservador, será um partido apêndice. Não temos o direito de deixar que isso aconteça.

Mas, as decisões já estão tomadas para 2014, não adianta propor qualquer rumo no lugar do atrelamento. Resta recuperar depois os erros do presente. Olhar para 2018 e os quatro anos que temos até lá. Nos preparando para enfrentar o esgotamento e propor um novo rumo para o País graças a um novo rumo para nosso PDT.

Nunca foi tão importante quanto agora gritar bem alto “Viva Brizola” e fazermos com que este grito seja coerente com nossas posições e lutas, não apenas um grito vazio, sem sintonia com a realidade.

Viva Brizola, viva o PDT.

Cristovam Buarque.

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Fonte:
O GLOBO

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