Na marca do pênalti, editorial do Estadão

Publicado em 13/06/2014 05:07 e atualizado em 14/06/2014 17:11
+ "O criador e a criatura", artigo de Luiz Carlos Mendonça de Barros, e "A "imagem do Brasil" e a Copa", por Vinicius Torres Freire, artigos publicado na Folha desta sexta-feira.

A presidente Dilma Rousseff deve estar se perguntando o que foi que fez de errado ao seguir à risca os conselhos de seu patrono Luiz Inácio Lula da Silva e do seu marqueteiro João Santana para virar o jogo de seu crescente desprestígio. Nos últimos tempos, como a instruíram, ela praticamente só fez expor-se, expor-se e expor-se. Ou abrindo a residência oficial do Alvorada a diferentes grupos de jornalistas, em jantares nos quais não só aceitava responder ao que quisessem, mas ainda - para mostrar ao eleitorado, por meio deles, a sua "face humana" - lhes repassava a sua inigualável receita de bacalhoada.

Ou percorrendo o País inteiro, como a candidata em campanha que é, para ser o centro das atenções em eventos criados só para isso, reproduzindo o que o Lula fazia em 2010 ao carregar o seu "poste" para todo lado. Ou convocando redes nacionais para se vangloriar dos seus feitos, prometer um futuro ainda mais superlativo e ir para cima da oposição. Ou, o que dá no mesmo, sendo a estrela do programa eleitoral e dos spots de propaganda do PT. Nos meses recentes ela há de ter falado urbi et orbi mais vezes do que nos três anos anteriores de mandato. E o que isso lhe rendeu na percepção alheia? Uma torrente de más notícias. As duas de anteontem, então, foram um naufrágio. Uma pesquisa simplesmente deixou a sua reeleição na marca do pênalti. E o PMDB a castigou aprovando o apoio a ela nas urnas de outubro por uma maioria vexatória de tão aquém das expectativas.

Além de trazer mais do mesmo, a pesquisa do Ibope apresentou um resultado inédito e potencialmente letal para a pretensão da presidente. O mais do mesmo é o definhamento do presumível eleitorado da petista, acompanhado da alta das intenções de voto no tucano Aécio Neves e no socialista Eduardo Campos. Variações pequenas, dentro da margem de erro de 2 pontos da sondagem. Mas só Dilma, como se diz, pontuou para baixo, descendo dos 40% de maio para 38%. Aécio foi de 20% para 22% e Campos, de 11% para 13%. Somado-se a isso os 3% do Pastor Everaldo, do PSC, e os 4% dos "outros", desaparece a diferença que levaria Dilma à vitória na primeira rodada. A cada sondagem, o segundo turno se torna mais provável, praticamente uma certeza. E o seu resultado está ficando mais incerto.

Em um tira-teima com qualquer dos rivais, a vantagem de Dilma nunca esteve tão pequena: 11 pontos sobre Campos e 9 sobre Aécio. Esses números não precisam ficar mais apertados para se poder afirmar com segurança que, em tais condições, qualquer desfecho é possível. Dilma continua imbatível no quesito rejeição, com "votos negativos" em alta: agora são 38% os entrevistados que não votariam nela de forma nenhuma. No caso de Aécio são 18% e no de Campos, 13% - em tendência de queda. Pior do que isso para a presidente é a novidade do levantamento: pela primeira vez desde que chegou ao Planalto, o contingente que considera a sua gestão ruim ou péssima superou a parcela que a julga boa ou ótima. A diferença é pequena (35% a 31%), mas, se Dilma não estancar a tendência, não haverá segundo mandato.

Os políticos do PMDB seriam os últimos a não perceber o desgaste aparentemente irrefreável da presidente que, de mais a mais, nunca os tratou bem (como se isso fosse uma exceção) e que não quis ou não conseguiu impedir o PT de lançar candidatos próprios a governador em Estados peemedebistas, a começar do Rio de Janeiro. Deram-lhe um troco ardido na terça-feira ao manter, visivelmente a contragosto, a coligação cujo vice é o presidente efetivo da sigla, Michel Temer. Na véspera da convenção, os seus caciques diziam que, na pior das hipóteses, 66% dos delegados votariam pela aliança - da primeira vez, em 2010, foram 85%. Os 59% afinal apurados deram a Dilma a mais mequetrefe das vitórias.

É fato que ainda assim ela obteve o que queria do PMDB: os seus 2 minutos e 18 segundos em cada bloco de 25 minutos do horário eleitoral. Terá assim quase a metade do tempo das emissões - o que poderá se revelar um bem que vem para o mal. Doze minutos de jactâncias e promessas, duas vezes por dia, poderão indispor com a candidata o mais crédulo dos eleitores - mesmo com Lula dominando a cena.

NA FOLHA, ARTIGO DE LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS:

O criador e a criatura

Deterioração da qualidade de vida não é dramática, mas cria sentimento de perda na vida das pessoas

Tenho acompanhado com muito interesse as manifestações públicas do ex-presidente Lula nesta entrada na reta final das eleições de outubro próximo. O foco principal da minha atenção tem sido suas reações diante do que ele classifica como "uma grande injustiça de parte da sociedade para com a presidenta Dilma Rousseff".

Segundo suas palavras, os milhões de brasileiros que ascenderam ao que se convencionou chamar de classe média não poderiam estar expressando, nas inúmeras pesquisas de opinião pública, seu descontentamento com o governo. Afinal a presidente tem hoje uma rejeição muito alta, e o total de brasileiros que classificam seu governo como ruim/péssimo voltou ao nível de junho do ano passado e já são mais numerosos dos que o avaliam como ótimo/bom.

Lula --o verdadeiro criador desta classe média na opinião majoritária dos brasileiros-- volta-se, portanto, contra a sua criatura. Este fenômeno, que pode ser encontrado com frequência na história da humanidade, precisa ser entendido por todos aqueles que acompanham os debates políticos de hoje.

Espero contribuir,com as ponderações a seguir, para que o leitor da Folha entenda este conflito que atinge nosso ex-presidente.

Primeiro vamos explorar melhor a natureza da criatura da qual estamos falando. Não gosto da expressão "nova classe média" porque ela não revela o aspecto mais importante dessa incrível mudança que ocorreu entre 2005 e 2010.

Para mim, a caracterização correta dessa mudança é a passagem de milhões de brasileiros que viviam na economia informal para a economia formal. Isto é, dos brasileiros que não tinham uma carteira de trabalho e que hoje vivem com um contrato formal registrado legalmente.

Ao cruzar esta fronteira, o cidadão passa a existir formalmente na economia, com acesso ao FGTS e a outros programas sociais, além de ter garantida por lei pelo menos a correção anual de seus salários pela inflação passada. Além disto, ele passa a ter acesso ao mundo formal do crédito ao consumo e dos serviços bancários.

Em outras palavras, ele passa a ter um futuro mais previsível, deixando de lado as inseguranças e os sustos que caracterizam o mundo informal. Portanto, para mim, as diferenças entre uma classe e outra não são apenas os salários mais elevados que a simples passagem da classe D para a C pode sugerir.

As estatísticas desse movimento migratório de um cidadão de segunda categoria do ponto de vista econômico para um indivíduo pleno são impressionantes. Antes do Plano Real, em 1993, apenas um terço dos brasileiros vivia no mundo formal. Hoje são 70% da população que vive na formalidade. Mas o grande movimento ocorreu nos anos Lula, principalmente depois de 2004, o que faz com que, para esse imenso número de brasileiros, a figura do criador seja associada a Lula.

Mas essa nova classe de brasileiros, ao ganhar o status da formalidade econômica, também passa por uma mudança em seus hábitos e valores que não se restringe a uma sofisticação maior de sua cesta de consumo. São mudanças que atingem também outros valores, como o medo de perder o que ganhou nos últimos anos. O medo do futuro, quando a economia vai mal, passa a fazer parte de suas preocupações e de suas reações.

Como já disse, ocorre com frequência em nossa história, a criatura --apesar do reconhecimento pelo o que ocorreu-- passa a se afastar de seu criador. E isto parece estar acontecendo hoje com o governo Dilma Rousseff e seu criador político, Lula.

Com a economia entrando em seu quarto ano de dificuldades, a nova classe de brasileiros está sentindo uma desaceleração importante em seus ganhos de renda e de qualidade de vida. Nada dramático, pois o emprego está preservado e a inflação está em um nível que não corrói ainda o poder aquisitivo dos salários.

Mas os sinais de que a vida hoje é diferente da anterior são suficientes para criar certo sentimento de medo de perda. E isto está certamente sendo revelado pelas pesquisas.

[email protected]

 

NA FOLHA: (ARTIGO DE VINICIUS TORRES FREIRE)

A "imagem do Brasil" e a Copa

Cotação midiática do país varia com o humor dos donos do dinheiro grosso; o resto é meio resto

A GENTE QUE estava preocupada com a "imagem do Brasil" deve ter ficado abismada com aquela festa pobre para a qual mal nos convidaram, a abertura da Copa, coisa que costuma ser em geral ridícula --mas a gente não precisava exagerar.

Aquilo pareceu um Carnaval de rua em Jecópolis do Norte. Carnavalescos e escolas de samba fariam algo muito mais profissional.

Falando um pouco mais sério, tanto quanto é possível neste caso, metade do mundo vai ver a Copa. Isso suscitou certa ansiedade com a "imagem do Brasil lá fora" e o acirramento algo amalucado das discussões sobre a conveniência de protestos ("vamos brigar na frente das visitas?) e o prejuízo de outras demonstrações conspícuas da nossa relativa desordem. Há mesmo gente exagerada a ponto de falar da Copa do Mundo como uma "oportunidade de demonstração de soft power" e de "reposicionamento da marca Brasil".

Mas, para citar evidência anedótica, alguém aí lembra de ter aprendido ou retido alguma noção relevante sobre, por exemplo, a África do Sul, sede da Copa anterior? Digamos, algo além de Mandela, favela, vuvuzela, Soweto, apartheid e daquelas danças simpáticas deles?

Não deve ser muito exagerado dizer que o grosso do mundo atento à Copa está tão preocupado ou preparado em aprender e reter algo do Brasil quanto nós a respeito da África do Sul. De resto, não estamos revelando nada de novo. Quem nos conhece e nos estuda não terá ficado mais surpreso ou decepcionado; o grosso do resto confirma seus vagos clichês, reafirmados pela cobertura jornalística, em geral cheia de lugares comuns.

As flutuações da "imagem do Brasil" mais midiáticas e que mais costumam chamar a atenção, pelo menos as mais frequentes, estão simplesmente associadas aos humores dos donos do dinheiro grosso. A finança, daqui e alhures, está fazendo dinheiro num ambiente estável, previsível? A "imagem do Brasil" então sobe nas Bolsas imagéticas mundiais, pois a finança formata muito do que passa por informação econômica.

O país está crescendo? Melhor. A política econômica não é inepta de um modo jeca e amador? Importa. Basta uma desvalorização inesperada de ativos, talvez do câmbio, para essa imagem dar um mergulho no vinagre.

Entre gente que estuda mais o país ou trata de desenvolvimento social, as melhorias sociais deste século causaram impressão, decerto. Mas quem do grosso do resto do mundo se importa?

Em seminários universitários nos EUA com uma audiência bem informada sobre desenvolvimento econômico e social mas com escassos conhecimentos sobre o Brasil, a "imagem do Brasil" piora espantosamente quando se toma conhecimento de coisas como as alturas das nossas taxas de juros, do peso de tributação em um país que tem desigualdade tão horrorosa e população com tão poucos anos de escola, para não falar de tantas ineficiências e deficiências institucionais e de "tecnologia" social.

Quem conhece o Brasil e se interessa por nós já sabe disso faz tempo; sabe que essas coisas não se corrigem em pouco tempo. Quanto à "imagem na Copa", essa estará amarelada semanas depois da final.

(POR VINICIUS TORRES FREIRE)

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ESTADÃO E FOLHA DE S. PAULO

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1 comentário

  • wilfredo belmonte fialho porto alegre - RS

    No sábado passado +-10:00hrs, passei de ônibus ao lado do

    estádio do internacional e qual minha surpreza ao ver a Presidenta Dilma e seus asseclas a inaugurar um viaduto es

    taiado finalizado a "toque de caixa".O que me chamou a atenção não foi a qualidade da obra mas o ato de inaugura-

    ção pois, não havia povo no entorno, ninguém, nenhuma bandeira do MST, PSTU, ou qualquer vermelho, eu acho que

    esta foi uma inauguração feita na surdina, para não dar vaia.

    0