CRISE NA VENEZUELA -- Maduro destitui o responsável pela política econômica da Venezuela

Publicado em 19/06/2014 19:23
no EL PAÍS.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decidiu movimentar as peças de seu gabinete. A saída que mais chamará a atenção talvez seja a do histórico ministro do Planejamento, Jorge Giordani, um dos mentores do falecido presidente Hugo Chávez. Responsável pela política econômica venezuelana nos últimos 15 anos, Giordani será substituído pelo titular da pasta de Ensino Superior, Ricardo Menéndez. Quatro horas após o anúncio, feito no meio do programa de rádio e televisão Em contato com Maduro, Giordani postou no portal chavista Aporrea um artigo no qual tece críticas fortes ao presidente venezuelano e acerta contas com seus companheiros.

O movimento se dá cinco semanas antes do crucial congresso do Partido Socialista Unido da Venezuela, no qual se espera que Maduro seja ratificado como presidente do partido. O texto de Giordani revela pela primeira vez algo que até agora não passava de boatos e elucubrações de analistas: as divergências surgidas entre os diferentes grupos de poder após a morte de Chávez são amplas e estruturais. Giordani não esconde nada e ataca, por exemplo, os altos gastos públicos, o perigo de tentar imitar o comportamento de Chávez no que diz respeito à sua política de comunicação, e algo que ele descreve como “o desconhecimento do fato econômico somado à vontade política” e “a ingerência de uma assessoria ‘francesa’ que nada tinha a ver com a situação que o país vivia”.

Giordani alude a dois dos assessores próximos que trabalharam com Maduro nos primeiros meses deste no Governo e que o acompanharam durante sua longa gestão como chanceler de Chávez: Temir Porras, nomeado presidente do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social da Venezuela e que acabaria por deixar o Governo, e Max Arveláez, nomeado embaixador de Caracas na Casa Branca. Analistas que leram o post comentavam nas redes sociais desde a noite de terça-feira a falta de autocrítica por parte de Giordani, dado o estado calamitoso em que a economia venezuelana se encontra, em sua tentativa de criar um modelo em que o Estado é o ator chave do modelo de importação.

Os grupos de poder criados ao amparo do manejo das divisas preferenciais levaram Maduro a dar cada vez mais poder a Giordani. A saída do ministro não passa de uma formalidade, porque o presidente venezuelano nomeou o presidente da Petróleos de Venezuela (PDVSA), Rafael Ramírez, seu grande adversário no traçado da política macroeconômica, o novo czar da economia. Giordani fala de Ramírez em seu texto, embora não o cite especificamente, e revela como, após a morte de Chávez, foi pouco a pouco sendo afastado do círculo que tomava as decisões. “No comportamento das instituições que estavam sob o controle do Comandante, como a PDVSA e o BCV, começaram a surgir sinais de independência que se agravavam com a queda da arrecadação fiscal. Esta se deve ao fato de a PDVSA agir independentemente do Governo central, movida por seus interesses e problemas particulares, ao mesmo tempo em que tomavam-se decisões sobre os gastos públicos de modo alheio a um controle orçamentário. Essas questões foram agravando a situação financeira do país, submetido a uma campanha desestabilizadora no âmbito interno e de isolamento no âmbito externo”, escreve.

Giordani defendia cortes nos gastos públicos depois da custosa campanha presidencial de outubro de 2012, que reelegeu Chávez pela terceira vez. Em carta a Maduro, propôs que fosse nomeado presidente do Cadivi, órgão de administração de dólares subsidiados que não existe mais. O presidente não o fez, mas aceitou a ideia de criar um comitê que aprovaria o uso das divisas aos preços preferenciais aprovados pelo Estado para a importação de produtos básicos. Era uma maneira de evitar algo que Giordani chegou a denunciar: a simulação de importações aproveitando a moeda americana artificialmente baixa. Mas os gastos continuaram, porque Maduro, cuja popularidade está em queda livre desde o início do ano, segundo as pesquisas, se viu obrigado a não reduzi-los. O chamado “Governo de rua”, a iniciativa presidencial de enviar o gabinete aos pontos mais distantes do país para resolver problemas operacionais, foi uma decisão tomada, segundo o ex-ministro, “sem estudos prévios e concretamente improvisada”.

O texto de Giordani retrata Maduro como um homem que procura mediar entre dois grupos opostos em sua visão de como deve ser chefiado um Estado petrolífero. Essa atitude ambígua o levou a duvidar de suas capacidades. Nas linhas finais da nota, o ex-ministro conclui: “É doloroso e alarmante ver uma Presidência que não transmite liderança”. Foi uma mensagem clara para os delegados que participarão do congresso chavista de final de julho. O caráter aluvial desse movimento, com forças antagônicas que se aglutinaram em torno de uma pessoa, começa a emergir às vésperas de sua renovação.

Jorge Giordani, em março de 2013. / DAVID FERNÁNDEZ (EFE)

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

A escassez e a inflação reduzem a

alimentação básica na Venezuela

O Instituto de Estatística constata que no segundo semestre de 2013 houve uma queda na aquisição de produtos alimentícios. As vendas de farinha de milho, base da dieta cotidiana, caíram 16,5%

 

O Instituto Nacional de Estatística da Venezuela impôs o segundo golpe duro ao Governo em menos de um mês. Em maio, a entidade havia revelado que 737.000 venezuelanos caíram para a pobreza extrema. E, neste mês, a Pesquisa de Acompanhamento do Consumo de Mantimentos concluiu que, entre o segundo semestre de 2012 e o mesmo período de 2013, houve uma queda generalizada no consumo diário de mantimentos básicos. Dos 43 itens incluídos no estudo, 41 tiveram redução do consumo. Em alguns casos, houve um desabamento notável, como no da farinha de milho (-16,55%), a base para o preparo das arepas – comida tradicional venezuelana no café da manhã e no jantar.

Por tabela, o INE desmentiu a nomenklatura chavista, cujos integrantes asseguraram, em diversas ocasiões, desde 2013, que a escassez e o desabastecimento crônicos se explicavam pelo fato de os venezuelanos agora poderem consumir mais. Já era um argumento difícil de acreditar, dada a queda brutal do poder aquisitivo, segundo analistas e comentaristas. A inflação anualizada entre maio de 2013 e o mesmo mês de 2014 ficou em 60,9%, apesar de o Governo ter aumentado o salário mínimo em 40% no período de um ano, a maior expansão de toda a era chavista até março, num esforço para tentar compensar a redução da renda. Esse salário mal cobre o custo da cesta básica de alimentos, que em janeiro de 2014 era estimada oficialmente pelo INE em 3.641 bolívares (162 reais, segundo a taxa mais alta do câmbio oficial).

A queda inclui produtos como arroz (-10,55%), bananas (-7,38%), massas (-7,55%) e açúcar (-7,65%)
Além da farinha de milho pré-cozida, os outros oito mantimentos básicos que mais deixaram de ser consumidos na Venezuela, segundo esses dados, foram: arroz (-10,55%), bananas (-7,38%), massas (-7,55%), açúcar (-7,65%), carne bovina (-7,3%) mamão (-4,69%), pão de trigo (-1,8%) e batata (-2%). Também caiu o consumo de frango (-7,43%), peixe fresco (-5,83%), leite em pó integral (-7,5%) e leite líquido (-13,6%). As reduções abrangem 55 dos 62 produtos da cesta alimentícia.

Essas cifras negativas não receberam na imprensa estatal a mesma cobertura dada anteriormente aos feitos do regime. Em outubro de 2005, por exemplo, o então presidente Hugo Chávez declarou a Venezuela como território livre do analfabetismo, depois de aplicar durante dois anos um programa concebido em Cuba. Durante muitos anos, o chavismo se queixou de que os meios de comunicação não oficiais costumam minimizar seus feitos e lutas.

Os resultados da pesquisa do INE podem ser explicados por dois pontos de vista: um, a impossibilidade de conseguir no supermercado todos os mantimentos da cesta básica, cujo preço está regulado pelo governo e não pode ser ajustado à velocidade da inflação. O índice de escassez reportado pelo Banco Central da Venezuela em março chegou a 26,2%, quase nove pontos a mais que no terceiro mês de 2013, quando foi de 17,7% O outro argumento é a queda do poder aquisitivo. Entre maio de 2013 e esse mesmo mês de 2014, a inflação dos mantimentos e bebidas não alcoólicas subiu 76,2%.

O Governo planeja desvalorizar a moeda para tentar corrigir distorções ocasionadas pelo controle cambial
As estatísticas são divulgadas num momento em que a Venezuela analisa uma nova desvalorização para tentar corrigir as distorções ocasionadas pelo controle cambial adotado há mais de 11 anos. Os gastos superam a arrecadação em quase 15% do PIB, e o Governo precisa de mais divisas por cada dólar que recebe pela venda de petróleo. No domingo, o jornal Últimas Notícias, adquirido recentemente por investidores chavistas, reproduziu em sua manchete principal declarações do vice-presidente da área econômica, Rafael Ramírez, numa reunião com operadoras do setor financeiro internacional em Londres. “Existe a necessidade de convergir para um novo sistema cambial em curto prazo”, afirmou.

Se for assim, é possível que se eliminem por completo as importações ao câmbio oficial de 6,3 bolívares por dólar, usado para a aquisição no exterior de alimentos básicos e medicamentos. A desvalorização aumentará o custo das matérias-primas e dos mantimentos e obrigará o Governo a elevar o preço dos produtos controlados. Mas, como acontece com o adiado anúncio do aumento da gasolina, essas decisões dependerão da situação interna.

Operadora de caixa conta dinheiro em um supermercado de Caracas. / C. G. RAWLINS (REUTERS)

 

 

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Fonte:
El País

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