Editorial da FOLHA: Barril de votos

Publicado em 28/06/2014 22:32
na edição deste sábado

É no mínimo estranha a decisão do governo de conceder à Petrobras, de surpresa e sem licitação, o direito de explorar quatro novas áreas do pré-sal.

Segundo estimativas, a medida fará com que as reservas petrolíferas da estatal passem dos atuais 16 bilhões de barris para algo entre 26 bilhões e 30 bilhões, montante inferior apenas ao da russa Rosneft (33 bi) e superior ao da norte-americana Exxon (25 bi).

Parece clara a motivação eleitoral por trás da iniciativa. Pesquisas internas da campanha da presidente Dilma Rousseff (PT), que tentará ser reconduzida ao cargo, indicaram que se disseminou a percepção de que o governo tem prejudicado a Petrobras.
Se, a partir de agora, a petista terá como responder a esse tipo de comentário, sem dúvida reforçado pela oposição, nem por isso a cessão das novas áreas está livre de críticas. Para começar, porque pertencendo à União –a todos os brasileiros, portanto–, as reservas do pré-sal não deveriam ter seu destino atrelado ao das urnas.

Além dessa questão de princípio, há aspectos operacionais que merecem ser considerados. Embora esteja prevista em lei desde 2010, essa modalidade de contratação direta, com dispensa de concorrência, ainda não havia sido utilizada. Só o foi desta vez para evitar um leilão que obrigaria a vencedora a pagar R$ 15 bilhões à vista.

Como foi feita, a operação custará à Petrobras R$ 15 bilhões a serem pagos até 2018, dos quais R$ 2 bilhões precisam ser quitados ainda neste ano. São cifras ainda assim nada desprezíveis para o já apertado caixa da empresa, cujo endividamento é o maior do mundo.

De qualquer ângulo que se observe, os próximos anos serão desafiadores. O programa de investimentos da estatal é gigantesco –US$ 220,6 bilhões até 2018–, enquanto sua receita permanece comprometida pelo controle artificial dos preços de combustíveis.

Se quiser manter os investimentos, a empresa precisará tomar ainda mais empréstimos –o que em algum momento piorará substancialmente sua nota de crédito–, ou demandará novo aumento de capital, algo negado pelo governo.
Mas, considerado o descalabro dos últimos anos, será difícil localizar investidores dispostos a desembolsar quantias significativas.

Não surpreende que a reação do mercado tenha sido negativa, apesar de a Petrobras ser beneficiada pelo expressivo aumento de barris de petróleo. As ações da empresa despencaram 9%; analistas consideram que a estatal já tem mais reservas do que consegue operar.

Novamente fica claro que o governo Dilma Rousseff subordina decisões de cunho estratégico a objetivos de curto prazo, sem levar em conta os custos futuros.

NA VEJA:

Em desempenho econômico, Brasil leva goleada do Chile

Menos estado, menos gastos públicos, inflação baixa e mais investimentos em infraestrutura fazem do Chile campeão — pelo menos fora dos gramados

Marília Carrera
Dilma com a presidente eleita do Chile, Michelle Bachelet

Dilma Rousseff com a presidente eleita do Chile, Michelle Bachelet (PR)

O confronto entre Brasil e Chile neste sábado pelas oitavas de final da Copa do Mundo promete ser acirrado, mas na corrida pelo desenvolvimento econômico, o país andino segue (muito) à frente. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia chilena deve crescer 3,6% este ano, enquanto a brasileira deve avançar não mais que 1,6% no mesmo período. Para 2015, a expectativa é de uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) do Chile de 4%, acima da previsão de alta de 2,6% para o Brasil. Tal desempenho não é um ponto fora da curva ou um pico de aceleração provocado pela alta dos preços das commodities. O crescimento médio anual do PIB chileno na última década é de 4,7%, mesmo quando se leva em conta a retração econômica de 2009, que fez sua economia recuar 0,9%. Tal ritmo é justamente o que o Brasil precisa para conseguir avançar, mas não consegue porque lançou mão de um modelo econômico que freia o crescimento: o modelo que prevê o aumento do tamanho do estado na economia e o protecionismo. O Chile segue a receita inversa. E tem dado certo.

O sucesso da economia chilena tem origem na política de austeridade fiscal implantada na ditadura de Augusto Pinochet, e que foi mantida durante o processo de redemocratização. Além de prever uma menor participação do estado na economia, tal política tinha como pilar a realização de altos superávits com o objetivo de acumular reservas para períodos de crise. As exportações de cobre, responsáveis por 40% do PIB chileno, tiveram papel crucial nesse modelo. Com o boom das commodities no início da década de 2000, o governo chileno criou fundos soberanos para administrar as receitas trazidas pela estatal de cobre, a Codelco. Quando houve o terremoto que abalou o país em 2010, os estragos avaliados em mais de 15 bilhões de dólares não corriam o risco de derrubar a economia do país. O Chile tinha em caixa 12% de seu PIB em fundos soberanos para usar em emergências — cerca de 20 bilhões de dólares. Ainda assim, para não ficar completamente descoberto, o governo realizou emissões de dívida e aumentou impostos sobre a indústria de tabaco para se capitalizar. Como resultado, naquele mesmo ano, a economia avançou 5,7%.

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O Brasil, por sua vez, fez o contrário. Criou um fundo soberano polpudo em 2008 para tentar suavizar os efeitos da crise, mas o esvaziou no final de 2012 para estancar a sangria provocada pelo aumento dos gastos do governo e ajudar a cumprir a meta fiscal. “Nos últimos dez anos, o Chile optou por uma política de maior abertura ao mercado, priorizando o controle dos gastos públicos e uma maior eficiência e crescimento da economia. A questão, agora, é saber se o país conseguirá sustentar suas conquistas. Já o Brasil, preferiu manter um caminho mais estatista, talvez por isso os resultados não tenham sido tão bons”, diz o economista da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto. Prova disso é que os gastos do governo brasileiro devem ficar em torno de 40% do PIB entre 2014 e 2015, quase o dobro do que o governo chileno, que prevê gastos de 23% do PIB.

Com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da América Latina, a renda per capita do Chile também deve continuar superior à do Brasil nos próximos anos: de 14.856 dólares em 2014 e 15.736 dólares em 2015, ante 11.080 dólares em 2014 e 11.607 dólares em 2015 no caso do Brasil. No caso da inflação não é diferente. Dados do FMI mostram que ambos os países devem encerrar o ano com índices de preços ao consumidor dentro do teto da meta. Ainda assim, no curto prazo, o cenário doméstico chileno permanece mais favorável que o brasileiro, com uma inflação de 3% ao ano, abaixo dos 6,4% projetados para o Brasil este ano.

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Expedição VEJA

Por rotas próprias

O Brasil que dá certo assume ônus que deveriam ser do Estado, recuperando estradas esburacadas ou construindo portos para escoar a produção por hidrovias — uma alternativa de transporte ainda subutilizada

Gabriel Castro
LIMPO E BARATO - Um único transporte de celulose por rio pode levar a carga de 140 carretas

LIMPO E BARATO - Um único transporte de celulose por rio pode levar a carga de 140 carretas (Chico Siqueira/Estadão Conteúdo)

O debate sobre os problemas do transporte brasileiro normalmente inclui lamentos pela falta de investimento em ferrovias no passado e pela ausência de manutenção das rodovias no presente. Em Três Lagoas (MS), a Eldorado Brasil, uma das maiores produtoras de celulose do mundo, interrompeu os lamentos e olhou em outra direção. A empresa construiu o próprio porto para escoar parte da produção por meio da hidrovia Tietê-Paraná e, atualmente, metade de sua produção anual de 1,5 milhão de toneladas é transportada de barco. A carga segue por 375 quilômetros até Pederneiras (SP), no meio do caminho para o terminal de Santos. Um único carregamento pode levar o equivalente à carga de 140 carretas.

A alternativa aquática ainda é subaproveitada no Brasil. O país só utiliza metade das potenciais hidrovias. Em 2013, 80 milhões de toneladas foram transportadas por esse meio. Os Estados Unidos, que têm um potencial aquaviário menor, movimentam mais de 600 milhões de toneladas anualmente. Em Mato Grosso, no entanto, os produtores rurais vêm ampliando o uso de barcos, o que permite uma economia de pelo menos 10% no frete. Hoje, cerca de 7% da produção do estado passa por rios. O número não é maior porque a hidrovia do Paraguai, a mais importante da região, está paralisada por falta de licenciamento ambiental.

A expansão do transporte fluvial permite contornar em parte a deficiência da malha de transporte. O Brasil investe apenas 0,6% do produto interno bruto (PIB) nesse setor. Isso é, em média, um sexto do que aplicam outros países emergentes, como China, Índia e Colômbia. A ausência de uma rede de distribuição adequada causa perdas anuais de mais de 9 bilhões de reais ao país. Também falta planejamento. O aumento da área plantada se dá de forma muito mais rápida do que a expansão da infraestrutura de transporte. Em razão disso, o custo do frete em Mato Grosso, por exemplo, aumentou 50% nos últimos seis anos. “A gente não sente tanto os efeitos por causa do valor das commodities no mercado internacional. Mas, se houver queda nos preços, vai ser desastroso”, diz Marcelo Duarte, diretor executivo da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso.

Um quarto da soja brasileira é cultivada em solo mato-grossense, e a maior parte dessa riqueza acaba transportada em caminhões. Um dos piores trechos percorridos pela Expedição VEJA em trinta dias de estrada fica justamente na BR-163, o principal eixo para o escoamento da soja na região. A situação só não é pior por causa da iniciativa dos produtores locais. Mato Grosso tem cerca de 30 000 quilômetros de rodovias. Destes, cerca de 6 000 são asfaltados. Boa parte deles foi pavimentada por meio de parcerias público-privadas. Na década passada, o estado implementou um sistema apelidado de “PPPs caipiras”. Os produtores rurais arcam com uma parcela do valor das obras e, depois disso, têm o direito a recuperar o que investiram por meio da cobrança de pedágios. Deu certo. Modelo semelhante foi adotado em Luís Eduardo Magalhães (BA), onde os produtores rurais passaram a recuperar por conta própria rodovias vicinais. A prefeitura da cidade paga apenas o combustível usado nas obras. A economia com o frete, para os fazendeiros, é de 8%. Neste ano, eles já recuperaram 134 quilômetros de vias e devem reconstruir outros 300. Além de produzir em alto nível de competitividade, o empreendedor brasileiro frequentemente assume responsabilidades típicas do Estado. É um ônus do Brasil que dá certo.

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