No ESTADÃO: O ineditismo da derrota e a ressaca moral trazem de volta clima desfavorável a Dilma

Publicado em 09/07/2014 20:15
por Julia Dualibi, em O Estado de S. Paulo

A se tomar pelo tamanho da ressaca dos brasileiros após a derrota histórica do Brasil ontem, a campanha da presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, terá de se mobilizar para tentar evitar que o mau humor atinja as intenções de voto da candidata à reeleição, como se viu pouco antes da estreia do Mundial.

Após o apito final – ou mesmo antes dele com a volta dos xingamentos a Dilma no Mineirão -, atos de vandalismo e queima de bandeiras lembravam o sentimento de insatisfação que rondava o eleitor brasileiro antes da estreia da Copa do Mundo – como consequência desse mau humor, que se espalhava também pela economia, Dilma vinha amargando queda nas pesquisas de intenção de voto.

Com o começo do Mundial, houve uma trégua nesse sentimento de insatisfação. A Copa começou, o Brasil foi avançando, nenhum grande problema foi registrado, e o clima mudou – mesmo as vaias contra a presidente foram colocadas no bolso por Dilma, que lucrou eleitoralmente com elas. Lá estavam as pesquisas de intenção de voto para registrarem uma melhora no desempenho da candidata à reeleição.

Agora, o clima anterior parece voltar. Tudo bem, sabemos que historicamente não há uma relação direta entre desempenho da Seleção na Copa e resultado eleitoral. Muitos analistas já falaram sobre 1998, 2002, 2006 e etc.

Ocorre que a situação dessa vez é diferente. A derrota da Seleção não foi qualquer derrota. Foi acachapante, humilhante, vexatória e histórica. Teve ainda um agravante: foi em casa.

Tudo isso é inédito. E, portanto, pelo andar da carruagem do humor nacional levará a campanha governista, a que é diretamente atingida por isso, a tentar se proteger da maior ressaca nacional dos últimos tempos. João Santana diminuirá a vinculação de Dilma com o Mundial – nas últimas semanas a presidente estava surfando no clima da Copa e disse que apareceria no Maracanã no domingo para entregar a taça? Ou será que o PT falará em mau humor criado pela mídia? Vamos aguardar as próximas cenas do comitê de Dilma.

Se nenhum outro revés ocorrer até o final do campeonato, não só outra derrota humilhante do Brasil no sábado, mas também alguma falha grave na organização do evento, já será lucro para Dilma.

'Dilmar' tropeça na bola, Editorial

Depois da partida de sexta-feira, em que o Brasil venceu a Colômbia e perdeu Neymar, a equipe da presidente Dilma Rousseff programou para daí a três dias um bate-papo entre ela e internautas sobre um único e óbvio assunto: a Copa. Tanto se tratava de uma jogada eleitoral que a primeira ideia foi usar a página que o PT administra na rede social em nome da candidata. Aí, abandonando-se ao cinismo, resolveram dar um tom "institucional" à marquetagem, transferindo a conversa para a página oficial da Presidência da República.

Foi tudo confeccionado para parecer uma interlocução natural entre a dirigente do País e cidadãos-torcedores, na véspera da penúltima das sete etapas que a seleção precisa superar para chegar ao hexa. Mas a manobra apenas serviu de escada para Dilma subir o tom dos ataques aos seus críticos, apropriar-se do bom andamento do Campeonato, como se fosse mais uma das incontáveis realizações fictícias do seu governo, e forçar uma identificação, para brasileiro ver, com o craque excluído das finais. "Dilmar" não se limitou a soltar o verbo fácil e ensaiado dos elogios ao ídolo "guerreiro" e da comunhão com a sua dor ao ser atingido, que "feriu o coração de todos os brasileiros".

Mandando às favas o senso de ridículo que manda o respeito que se lhe atribua, colocou na internet uma foto em que aparece apoiando o braço esquerdo sobre o punho do direito, numa simulação patética do "É tóis". Trata-se do divertido gesto que Neymar inventou para ilustrar a sua versão do dito "É nóis", que se tornou uma das marcas desse jovem sempre criativo dentro e fora das quatro linhas. Bem que a presidente, ela mesma, avisou há pouco mais de um ano: "Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição". Infernal, festejou a "belezura" que enxerga no torneio apenas para distribuir caneladas, chamando os adversários, grosseiramente, de "urubus".

Ela os culpa pelo "indevido pessimismo" que antecedeu a Copa. Indevido por quê? A imprensa - a ré que ela se guardou de nominar - deu margem, sim, a fundamentadas dúvidas sobre o preparo do País para acolher o mais popular evento esportivo do mundo, ao descobrir, divulgar e debater os muitos malfeitos (em todos os sentidos do termo) que precederam a competição. Não fez mais do que o seu dever. Se isso ressoou no Planalto como oposicionismo, nada mais adequado, também. "Jornalismo é oposição", dizia o genial Millôr Fernandes (1923-2012). "O resto é armazém de secos e molhados." Se, afinal, tudo acabou bem - descontado o viaduto que desabou em Belo Horizonte, matando dois -, tanto melhor. Mas não foi por obra e graça da presidente.

Esperta, Sua Excelência. Em dado momento do chat, para desdenhar das críticas, ela equiparou as previsões pessimistas em relação à Copa às que cercam, com mais razão ainda, o desempenho da economia este ano. A taxa do PIB em 12 meses mal supera 1%. Ninguém com a cabeça minimamente no lugar aposta numa metamorfose que redima os desastres da política econômica. Mas - e aí reside a esperteza dilmista - o resultado final do ano só será conhecido em começos de 2015. A essa altura, a presidente ou terá sido reeleita ou terá deixado o Planalto. Em qualquer hipótese, não haverá quem perca o seu tempo lhe cobrando o despropósito de agora.

Bem pensadas as coisas, o empenho da candidata em tirar proveito eleitoral da festa esportiva, para não falar do que fará se a seleção for campeã, parece ignorar dois fatos básicos. De um lado, se é verdade que aumentou a adesão popular à realização do evento no Brasil - ajudando a presidente a subir três pontos na mais recente pesquisa -, é verdade também que, na casa de 63%, o apoio à Copa seria notável nos Estados Unidos, digamos, mas está aquém do que se poderia esperar no país do futebol, na pátria em chuteiras. De outro lado, não há relação previsível entre o desfecho do Campeonato e o da disputa nas urnas. O Brasil pode ganhar, e Dilma perder. Ou vice-versa. Seja lá o que se possa supor a respeito está confinado ao rarefeito espaço das probabilidades.

Oitenta e quatro dias separam a final do próximo domingo e a votação no primeiro domingo de outubro. Esses são, metaforicamente, os 90 minutos decisivos.

A vida real de volta mais cedo

por JOÃO BOSCO RABELLO

Se a tragédia futebolística afetará as eleições, ainda é uma incógnita, mas desde já abrevia a trégua que a Copa representou para o governo e acelera a retorno à realidade da população, que voltará ao cotidiano de dificuldades após a final do próximo domingo.

Com a seleção fora da Copa, de forma humilhante, a semana que antecede a final serve para que a ficha caia aos poucos, antes que transportes, segurança, saúde e inflação voltem ao dia a dia na mesma proporção em que os turistas e atletas retornem aos seus países.

Foi bom enquanto durou, o congraçamento dos povos e a esperança de um resultado melhor para a seleção. Mas a festa acabou e vale lembrar que o mau humor do contribuinte antecede o evento esportivo em, pelo menos, um ano, quando houve a primeira manifestação nas ruas pelo chamado padrão Fifa.

Padrão que acaba também junto com o torneio. A segurança exaltada pelos estrangeiros que vieram ao país para a Copa é tão atípica quanto a goleada alemã. Sem Copa, o exército deixa as ruas, um jogo do campeonato brasileiro não mobilizará dois mil policiais, nem haverá feriados que perenizem o bom desenvolvimento do trânsito.

Certamente oposição e governo não acreditam na influência do futebol nas eleições, mas é certo que o êxito do evento representou para o governo um ganho por ter sido precedido de legítima expectativa em sentido contrário.

Serviu para interromper o clima de insatisfação, com o país em festa. Da mesma forma, a goleada alemã foi um anticlímax, menos pela derrota e mais pelo diagnóstico que o placar significa para o futebol brasileiro, cuja gestão recebeu seu atestado de óbito.

Para a presidente Dilma, foi-se a oportunidade de prolongar os efeitos da má avaliação da gestão de seu governo, que chegou a experimentar uma tolerância maior, registrada na pesquisa mais recente, que a mostrou com mais três pontos.

De qualquer forma, dificilmente mesmo um resultado positivo da seleção revogaria o quadro de dificuldades que cerca o projeto de reeleição do PT. Além da percepção aguda dos problemas econômicos pela população, há um cenário de alianças desfavoráveis à presidente em estados estratégicos.

O desfecho dramático no plano do futebol, porém, ajuda a repor as coisas no lugar. O governo vinha manipulando o êxito da festa com críticas aos que cobravam padrão Fifa para os serviços públicos aos que afirmaram que não haveria a Copa e aos que tentaram boicotá-la, atribuindo essas manifestações à oposição e à imprensa.

Nem uma, nem outra, no entanto, está entre esses “pessimistas impatrióticos”, como os classifica o governo. O padrão Fifa era nada mais que o desejo de que o que funcionou na Copa funcione todo dia – e esse sentimento perdura. Aqui o governo corre o risco de ampliar seu desgaste, pois não tem como sustentar o padrão que funcionou na Copa após seu término.

O movimento que ameaçava boicotar a Copa jamais correu o risco de dar certo, pois dependia da violência de militantes que expulsaram das ruas os manifestantes ordeiros, mas que não se dispuseram a enfrentar o policiamento especial montado para o evento.

Desde o primeiro momento, os governos jogaram duro com manifestantes para arrefecer o ânimo de ações durante a Copa. O governo de São Paulo chega ao final do evento com legislação aprovada proibindo máscaras em manifestações, avançando o passo que o governo federal ensaiou e refugou.

O país retoma mais cedo sua rotina com os velhos problemas de volta à pauta. O governo segue desgastado pela economia, inflação fora da meta, corrupção em evidência e estagnação nas pesquisas.

O futebol, se influir, será no contexto de uma percepção geral de que nem na última trincheira da autoestima nacional o país se viu blindado dos problemas de gestão que não poupam nem mais o futebol dentro de campo.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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