Debate democrático: Joaquim Barbosa analisa o jornal Folha de S. Paulo: "Jornal erra ao tentar se mostrar neutro"

Publicado em 02/10/2014 14:48
por Joaquim Barbosa, ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), na coluna "Ombudsman por um dia", na Folha de S. Paulo desta quinta-feira

De saída, vou ao que não me agrada na Folha: o deficit de sobriedade no tratamento da notícia em geral e a tentativa muito frequente de atrair o leitor pelo estardalhaço dos títulos, não raro em franco contraste com a banalidade e a pouca importância do que é exposto na matéria; a tendência a estigmatizar e debochar de certos grupos de pessoas, pela forma como a notícia é exposta; a antipatia a tudo que vem do setor público, a fazer crer que à esfera privada se deve tudo que aconteceu de positivo no nosso país, ignorando a parcela importantíssima de contribuição que a sociedade brasileira teve de extraordinários agentes públicos, como José Bonifácio, Pedro 2º, Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Roberto Campos, Celso Furtado, Juscelino Kubitschek, Rubens Ricupero e vários outros; o caráter ralo e superficial do noticiário internacional; e, por último, um certo menosprezo por certos aspectos da cultura nacional, em oposição à desmesurada importância atribuída a alguns temas e atores da pauta, digamos, não nacional. Em suma, o velho complexo de vira-lata...

Sobre o último tópico, trago um exemplo bem ilustrativo, que me causou uma certa indignação na época. Em 2010, na mesma semana em que morrera o nosso inesquecível Paulo Moura, músico de indiscutível talento e talvez então a maior expressão da música instrumental brasileira, o jornal dedicou uma matéria de capa do seu caderno cultural não ao grande músico desaparecido, mas a uma obscura e inexpressiva cantora norte-americana! Moura foi relegado à antepenúltima ou penúltima página da "Ilustrada", como se a sua carreira e a sua espetacular produção artística em nada se diferenciassem da de um artista de segunda ou terceira linha.

No domínio da política, o jornal erra redondamente no seu esforço de querer se mostrar neutro. Não é. Até admito que nos anos não coincidentes com o calendário eleitoral nacional e estadual o noticiário apresenta um pouco mais de equilíbrio. Mas tão logo se aproximam esses pleitos, o jornal começa a se agitar e a pauta, a esquentar artificialmente. Como muitos leitores e analistas, acho que seria mais transparente a direção do jornal pura e simplesmente declarar as suas "afinidades eletivas", como fazem de tempos em tempos o "Le Monde", o "New York Times", a revista "The Economist". O leitor entenderia e aplaudiria.

Mas o pior não é essa falsa neutralidade. Como outros periódicos brasileiros, o jornal não tem refletida em suas páginas a grande diversidade da sociedade brasileira. Choca-me, por exemplo, a ausência do olhar do negro, do mulato e de outros segmentos sociais culturalmente e socialmente identificados com essa relevante e majoritária parcela da nossa sociedade. É como se o jornal e os seus colunistas se dirigissem exclusivamente às classes média alta e alta, supostamente caucasiana, a que muitos jornalistas equivocadamente julgam pertencer. Nesse contexto, não são nada surpreendentes as campanhas que a Folha promoveu contra as ainda raquíticas políticas sociais implantadas no país nos últimos anos, como cotas em universidades, ProUni e outras. O jornal e alguns dos seus jornalistas e colunistas parecem ignorar por completo o que seja, de verdade, uma sociedade inclusiva e com amplo desenvolvimento econômico e social, que é o sonho da maioria dos brasileiros.

Há outras deficiências a lamentar: a natureza excessivamente opinativa do diário, em detrimento da apuração e da pesquisa jornalística em profundidade; a ausência de especialistas de peso em matérias altamente técnicas e fundamentais da nossa institucionalidade; o excesso de notícia sobre Brasília e os bastidores da política; a minguada cobertura de temas realmente interessantes sobre o país e o seu entorno, na perspectiva do leitor, como bem ressaltado recentemente por Nizan Guanaes; a quase ausência de cobertura relevante de assuntos da América Latina e Africa, o que leva à reprodução e ao enraizamento de vieses típicos das elites da nossa região, como o eurocentrismo e o norte-americanismo.

Erram porém os que pensam que a minha visão sobre a Folha é predominantemente negativa. Não é. A Folha foi a grande referência cultural e política dos jovens da minha geração, os que consolidaram ou formaram a sua consciência político-cultural e social já no ocaso da ditadura. Lembro-me da façanha que era obter um exemplar do jornal fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília. E que deleite era consegui-lo! Naquela era pré-tecnologia da informação, em que o país era um deserto de ideias, repressivo, misógino e preconceituoso ao extremo, ler a Folha era como um bálsamo; os temas abordados pelo jornal eram objeto de análises e discussões acirradas pelos jovens de então; e o estupendo time de colunistas e correspondentes internacionais que o jornal ostentava, cada um mais instigante que o outro: Gerardo Mello Mourão, Osvaldo Peralva, Janio de Freitas, Paulo Francis, Tarso de Castro, Flavio Rangel, Clóvis Rossi.

Nos dias atuais, porém, penso que o papel mais importante cumprido pela Folha, ao lado de outras publicações igualmente importantes, é o de fazer o contraponto eficaz ao poder político em geral. E isso, como se sabe, é essencial a qualquer democracia digna desse nome. Pena que esse contraponto também não exista em relação a outros fatores reais de poder. 

MÍDIA

"New York Times" anuncia que vai cortar 7,5% da sua Redação

DE SÃO PAULO - O "New York Times" anunciou que planeja cortar cerca de cem vagas em sua Redação para proteger a rentabilidade do jornal no longo prazo. Os postos representam 7,5% do total da Redação.

"É necessário para controlar custos e permitir a continuidade dos investimentos no futuro digital", disse a direção.

O jornal já havia eliminado vagas nos últimos anos, mas a Redação manteve a expansão e chegou a 1.330 jornalistas neste ano, devido à contratação para projetos digitais e de vídeo.

O jornal não é o primeiro entre as grandes publicações americanas a eliminar postos. Dezenas de trabalhadores foram demitidos neste ano no "Wall Street Journal" e no "USA Today", por exemplo.

Em VEJA:

A OAB do Distrito Federal não tem vaga para Joaquim Barbosa. Os motivos são dois: vergonha na cara e excesso de altivez

Joaquim-Barbosa-Foto-Nelson-Jr-STF1

Além de admiráveis mestres do Direito, juristas de fina linhagem e profissionais que amam a Justiça acima de todas as coisas, a Ordem dos Advogados do Brasil abriga bacharéis de quinta categoria, doutores em patifarias, rábulas mequetrefes, vigaristas de porta de cadeia, pombos-correio de organizações criminosas, coiteiros de matadores psicopatas, estafetas de narcotraficantes, gigolôs de extorsões trabalhistas, achacadores de agentes carcerários, contrabandistas de celulares, estupradores da lei, chicaneiros compulsivos, josés dirceus e outras ramificações degeneradas da grande tribo que tem nos tribunais seu habitat. Todos são portadores da carteirinha da OAB.

É tão portentoso e prolífico esse agrupamento de obscenidades que vai minguando o espaço ocupado pelos que simplesmente advogam — ou pretendem advogar, como Joaquim Barbosa. Nesta terça-feira, o país foi surpreendido pela notícia de que a OAB do Distrito Federal fechou as portas da entidade ao ex-ministro do Supremo. Presidente da seccional brasiliense e responsável pelo veto, um certo Ibaneis Rocha decidiu que Barbosa não merece exercer a profissão de advogado. Motivo: “falta de idoneidade moral”.

O episódio infame confirma que certas manifestações de covardia exigem mais coragem do que qualquer demonstração de bravura em combate: Ibaneis, admita-se, esbanja ousadia. O que falta ao relator do pedido de carteirinha é a vergonha na cara que sempre sobrou ao relator do processo do mensalão.

(por Augusto Nunes, de veja.com)

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Folha de S. Paulo + VEJA

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