DATAFOLHA: Análise: "Divisão é socioeconômica e não geográfica"...

Publicado em 10/10/2014 06:07
Por MAURO PAULINO, DE DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA, e ALESSANDRO JANONI, DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA

O Brasil começa dividido no segundo turno da sucessão presidencial. Mas, apesar de, no total, a diferença de Aécio para Dilma ficar dentro da margem de erro, o início da disputa tem contrastes marcantes em segmentos específicos da população.

Não se trata de imaginar uma linha que rache o país entre norte e sul. Há de observar, na verdade, o quanto as diferenças constituem reflexo da distribuição de classes socioeconômicas pelo território nacional. E, consequentemente, a diversidade de demandas que essa segmentação imprime sobre o debate.

Como era de se esperar, Aécio apresenta melhor desempenho nas regiões onde a oposição se destacou no primeiro turno –Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Dilma lidera no Norte e Nordeste.

Editoria de arte/Folhapress

O Centro-Oeste, quantitativamente, tem mais do que o dobro de eleitores nas classes alta ou média alta do que o Nordeste. No Sudeste e no Sul, essa proporção sobe para quase o triplo. No Nordeste, metade da população é composta por excluídos ou integrantes da classe média baixa.

Essa classificação criada pelo Datafolha combina, por meio de análises estatísticas, o acesso a bens de conforto, escolaridade do entrevistado e renda familiar mensal.

O tucano vai a 74% dos votos válidos entre os que pertencem à classe alta e a 67% entre os da média alta.

As duas juntas, que representam aproximadamente 31% do eleitorado, contribuem com 21 pontos do apoio ao senador e com 10 pontos para a reeleição da petista.

Na outra ponta, Dilma tem 64% entre os excluídos (baixa escolaridade e renda) e 53% entre os da classe média baixa, que são 38% do eleitorado.

Com tal peso, essas classes contribuem juntas com 23 pontos dos votos válidos da petista e com 15 dos do tucano. Entre os da classe média intermediária, estrato que mais cresceu nos 12 anos de governo petista, a contribuição com os dois candidatos é a mesma em pontos percentuais –ambos aparecem empatados no segmento: 15 pontos para Aécio e 16 para Dilma.

Logo, o que determina a ligeira vantagem numérica de Aécio é conseguir mais pontos nos estratos carentes do que a petista nos mais ricos.

A vantagem pode se intensificar caso a estratégia de comunicação do tucano aumente sua participação entre os que têm menor renda e escolaridade. Se por um lado sua rejeição não é tão expressiva, por outro as classes baixas são justamente onde a presidente obtém sua maior parcela de eleitores convictos.

Com essa cristalização do voto nos extremos da classificação socioeconômica, a decisão caberá ao segmento que vem equilibrando a disputa, a classe média intermediária.

Mais feminino, jovem, escolarizado e nordestino, porém com menor renda em comparação com o total da população, esse contingente numeroso e economicamente ativo parece não encontrar satisfação no emprego, e, em condições financeiras desfavoráveis, se mostra insatisfeito com a qualidade dos serviços públicos que utiliza.

Votaram mais em Marina do que a média dos brasileiros e se dividem agora na busca por um representante.

Ao invés da desconstrução de um ou outro candidato, esses eleitores esperam propostas para seus dilemas. Entre o medo de perder o que foi conquistado e a revolta pela estagnação econômica, ao menos nas próximas semanas são os que receberão especial atenção dos presidenciáveis. 

Brancos, nulos e indecisos somam 10% e se mantêm na média, diz Datafolha

O percentual dos que se dizem dispostos a votar branco ou nulo (4%) ou que estão indecisos (6%) somam 10%, patamar dentro da média de eleições anteriores, aponta o Datafolha. Na primeira pesquisa de segunda turno de 2010, o percentual era de 11%, considerando os votos totais.

Segundo a pesquisa finalizada nesta quinta (9), pela primeira vez o tucano aparece numericamente à frente. Ele tem 51% das intenções de voto válido ante 49% da petista.

A margem de erro do levantamento é de dois pontos para mais ou para menos. Dessa forma, Aécio pode ter entre 49% e 53%. Já Dilma pode ter entre 47% e 51%

Considerando todas as pesquisas do instituto desde 1989, é a primeira vez que um candidato que ficou em segundo lugar no primeiro turno aparece com mais intenções de voto que o vencedor num estudo de segundo turno. No 1º, Dilma alcançou 41,59% dos votos, ante 33,55% de Aécio; em terceiro, Marina Silva (PSB) teve 21,32%.

Analisando o histórico da polarização PT x PSDB, é a primeira vez também, desde 2002, que um tucano aparece numericamente à frente de um petista em simulação de turno decisivo.

Datafolha ouviu 2.879 eleitores em 178 municípios na quarta e nesta quinta. O nível de confiança da pesquisa é 95% (em 100 levantamentos com a mesma metodologia, os resultados estarão dentro da margem de erro em 95 ocasiões). O registro da pesquisa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é BR-01068/2014. 

NO EL PAÍS: Nem Dilma é Lula, nem Aécio é Fernando Henrique (POR JUAN ÁRIAS)

As simplificações são sempre errôneas, assim como as dicotomias. Também nestas eleições. Por exemplo, é uma simplificação dizer queDilma é Lula ou que Aécio é Fernando Henrique.

Se a Presidenta candidata Dilma fosse Lula, provavelmente teria sido eleita no primeiro turno. O PT sabia muito bem disso ao proclamar o“Volta Lula”.

Aécio também não é Fernando Henrique. Se fosse, não teria chegado ao segundo turno já que, no inconsciente coletivo, o sociólogo do PSDB sofre, ainda que injustamente, muito mais rejeição que o ex-senador mineiro.

Não só as simplificações costumam estar erradas, como também as dicotomias. Exemplo disso é a divisão do país entre ricos e pobres. O PT seria o partido dos pobres e o PSDB o dos ricos. Acontece que nunca os ricos foram tão ricos, nem os banqueiros e empresários ganharam tanto neste país como nos12 anos de governo do PT. Por outro lado, as primeiras reformas sociais desde o Bolsa Escola até a revolução no ensino que colocou 90% das crianças nas salas de aula, metade das quais trabalhavam sem poder estudar, foram obra do PSDB.

Sem a revolução monetária realizada pelo partido de Fernando Henrique, que acabou com o drama da inflação, Lula e Dilma não teriam podido concretizar sua outra revolução: a de colocar milhões de trabalhadores pobres no mundo do consumo e, desse modo, superar a grave crise mundial de 2008.

Não sabemos que rumo tomarão os debates do segundo turno. Dilma e Aécio estariam equivocados se, em vez de convencer os eleitores sobre qual candidato oferece aos brasileiros um futuro mais luminoso e mais moderno, sobretudo para a hoje sacrificada classe média e para os filhos da nova classe C, apresentando propostas concretas e pontuais que até os menos ilustrados pudessem entender, se envolvessem em uma briga sobre o passado ou sobre “quem é mais”, disputando quem é mais dos pobres ou qual passado foi mais glorioso ou tenebroso.

Possivelmente não percebemos que o Brasil, ainda que lentamente, está mudando. Se a abstenção foi a maior dos últimos 20 anos é porque os eleitores se tornaram mais críticos e, para eles, não é mais indiferente votar nesse ou naquele candidato, como no passado. Nem é mais tão fácil, para os políticos, “comprar” o voto dos menos politizados.

Seria bom se, nos debates que começarão agora, ambos os candidatos entendessem uma coisa: que o discurso de pobres contra ricos está desgastado. O Brasil, segundo a ONU, saiu do mapa mundial da pobreza. Já é um país de classe média e os que saíram da miséria não querem mais ser vistos nem tratados como “pobres”. Têm orgulho de poder desfrutar de benefícios das classes que sempre invejaram: como acesso a Internet, uma televisão de plasma; uma assinatura da TV paga ou um seguro de saúde privado. E até um carro, mesmo que seja de segunda mão. E o desejo antes proibido de poder viajar de avião.

Se o Brasil caminha para a modernidade; se é, de algum modo, um país de classe média, os candidatos deverão saber tocar essa fibra de orgulho que pulsa no coração dos que saíram da pobreza e que desejam continuar subindo na escada social. Querem agora esses ex-pobres, sobretudo para seus filhos – e eles são o futuro deste país – além da ascensão econômica, a ascensão social, a da educação e da profissionalização no trabalho para poder pescar por si mesmos, sem precisar esmolar um prato de peixe.

Se for assim, a luta não será entre ricos e pobres, nem entre Lula e Fernando Henrique, mas entre as diferentes classes sociais. Hoje – se não hoje, amanhã – o êxito político estará sobretudo nas mãos dos que melhor souberem se comunicar com as diferentes classes médias, porque pobre, ninguém mais quer ser no Brasil.

O enigma estaria, pois, em qual dos dois candidatos está mais preparado para entender os desejos mais profundos das classes médias e dos que lutam para colocar ao Brasil no mapa da modernidade.

Nesse caso, a briga não pode consistir em colocar espelhos retrovisores para refletir o passado de uns e outros, mas sim em iluminar o que se deseja fazer hoje, amanhã e depois de amanhã para este país com vocação de império e que já se esqueceu de seu atávico complexo de vira-lata.

Uma vez mais a vitória estará nas mãos de quem souber oferecer mais esperança que medo; mais novidade e modernidade que conservadorismo e velhas receitas ideológicas.

O Brasil também tem o direito de querer entrar na pós-modernidade, que é sempre mais pragmática que ideológica.

(POR JUAN ÁRIAS, DO EL PAÍS)

Fonte: Folha de S. Paulo + El País

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