Numa briga de elefantes, tipo China x EUA, quem apanha é a grama: o Brasil (por Marcos Yank)

Publicado em 18/02/2017 05:54
Marcos Yank (Especialista em questões globais do agronegócio. Vive em Cingapura) escreve aos sábados na Folha de S. Paulo

"O erro da maioria dos analistas foi ouvir Donald Trump literalmente, mas não seriamente. O correto seria ouvi-lo seriamente, mas não literalmente."

Essa é a melhor definição que ouvi sobre o presidente dos EUA.

Neste primeiro mês desde a posse de Trump, o que não faltou foram simbologias e movimentos que podem mudar seriamente o mundo tal qual o conhecemos. Mas ainda é cedo para saber se o que foi anunciado vai acontecer, literalmente.

Trump ainda não percebeu que a fase dos discursos de campanha já passou e que mudanças profundas exigem habilidades que vão muito além do universo controlado por um bom presidente-executivo de empresas. É preciso um líder que saiba administrar o processo político, no país e no exterior, tarefa nada fácil.

O eixo central das mudanças propostas por Trump são os EUA abandonando a posição de guardiões da ordem liberal do planeta. Alguns dizem que estamos assistindo ao colapso do multilateralismo da ONU, da OMC, do Banco Mundial e do FMI. Ou do megarregionalismo da Otan, da OCDE, da União Europeia e das Parcerias Transatlântico e Transpacífico. Ou seja, o desmonte das instituições que dominaram o mundo após a Segunda Guerra Mundial.

Não há dúvida de que caminhamos para um mundo bem mais fragmentado e protecionista, marcado por barganhas pautadas unicamente pelo interesse individual. Nesse mundo, tudo pode mudar: comércio, investimentos, segurança, combate ao terrorismo, mitigação das mudanças do clima.

Mas, no Brasil, a grande questão é do momento é saber se o país será beneficiado ou prejudicado pelas medidas anunciadas por Trump.

Numa visão imediatista, não resta dúvida de que algumas medidas podem beneficiar o Brasil:

- A saída dos EUA da Parceria Transpacífico (TPP), bloco que geraria grande desvio de comércio e investimentos em favor daquele país. De fato, a TPP foi concebida para ser o maior bloco econômico do planeta, e nós estávamos de fora.

- A possibilidade de maior proteção dos EUA contra países como China e México. No agronegócio, por exemplo, o México importa grandes volumes de milho e carnes dos EUA. O Brasil poderia substituir os EUA como fornecedor desses produtos.

- A China é o principal parceiro do Brasil e dos EUA no agronegócio. Uma escalada protecionista entre os dois países poderia beneficiar as exportações do Brasil para a China.

- As restrições à migração e o combate aos trabalhadores ilegais tendem a encarecer o custo de produção nos EUA, principalmente nas atividades intensivas em mão de obra.

No entanto, outras medidas anunciadas por Trump podem prejudicar o Brasil. Um exemplo é o ciclo de investimentos em infraestrutura que os EUA querem lançar, que vai competir pela atração de capitais externos para esse setor no Brasil.

Mas temos de olhar com atenção para as ameaças de longo prazo. Se o neoprotecionismo simbolizado pelo "America First" (leia-se: o mercado americano para os americanos) for intenso e generalizado, ele pode gerar uma espiral viciosa de retaliações e compensações em escala global.

Um ambiente de extremo mercantilismo, que já se repetiu várias vezes no passado, de Roma ao sistema feudal, das grandes navegações ao entreguerras dos anos 1930.

Nesse contexto, viveríamos uma nova fase de "toma lá da cá" altamente politizada, com efeito devastador sobre a estrutura das cadeias globais de valor. Usando uma analogia simples: numa briga de elefantes –tipo EUA vs. China– marcada por toda sorte de retaliações e compensações, quem acaba apanhando é a grama, no caso o Brasil.

Por isso, a principal questão não é saber se vamos ganhar ou perder nesse novo ambiente. É preciso, sim, ampliar as relações de interdependência com países que possam nos ajudar a escapar dessa velha tempestade desregrada, hoje rebatizada de "desglobalização", que nada mais é que um novo nome para populismo, isolacionismo, xenofobia, protecionismo.

No mercado financeiro, otimismo como há muito não se via (EDITORIAL DA FOLHA)

No mais célere e volúvel dos mercados, o financeiro, há otimismo como há muito não se via.

Ainda estão por serem vistos sinais de recuperação do consumo, dos investimentos ou da produção industrial; a queda do desemprego deve demorar ainda mais. Já nas transações diárias com o dólar e ativos relacionados à dívida pública, as cotações voltaram aos patamares anteriores ao agravamento da crise econômica.

Um exemplo da mudança de humores se dá com o CDS, como os investidores chamam uma espécie de seguro negociado pelos que desejam proteger-se de uma eventual inadimplência do país. Os preços cobrados nessa operação hoje são os menores em quase dois anos.

Movimento similar ocorre com a moeda norte-americana, vendida a pouco mais de R$ 3 —um ano atrás, durante a agonia terminal do governo Dilma Rousseff (PT), ultrapassava-se a marca dos R$ 4.

O recuo do dólar no Brasil segue movimentos internacionais que igualmente se refletiram nas moedas de outros países emergentes e estão relacionados à recente valorização de produtos primários agrícolas e minerais.

Esse não é o único motivo, entretanto. Contribui para a rápida melhora dos indicadores financeiros a percepção de que o governo Michel Temer (PMDB) reúne, ao menos no momento, inéditas condições favoráveis para fazer avançar as reformas econômicas, em particular a da Previdência Social.

Em boa medida, tal juízo ampara-se na solidez da equipe da Fazenda e na composição de um ministério em fina sintonia com as forças majoritárias do Legislativo, onde o Palácio do Planalto conta com o apoio inequívoco dos presidentes das duas Casas.

É certo que o consórcio governista vive sob riscos mais que consideráveis. Muitos de seus nomes principais são alvos em potencial da Lava Jato, a popularidade de Temer e seu governo permanece baixa e o petista Luiz Inácio Lula da Silva mantém-se como nome forte para as eleições do próximo ano.

Mas até essa fragilidade dá impulso às reformas: a coalizão situacionista sabe não dispor de alternativas que não passem pela restauração da saúde da economia.

Sem as mudanças no regime previdenciário, das quais depende o equilíbrio do Orçamento federal, a retomada do crescimento da renda e da produção não terá bases consistentes, o que se refletirá de imediato na ação dos mercados.

O cenário político, como se sabe, prosseguirá volátil, e são reconhecidamente frágeis as suas atuais lideranças. Por isso mesmo, é exígua a margem para protelações, barganhas e miudezas do varejo partidário.

OTIMISMO NO MUNDO, APOSTAS PARA O FUTURO (editorial do ESTADÃO)

O humor tem melhorado nos Estados Unidos, na Europa e no Japão e também na segunda maior economia do mundo, a China

Brasileiros mantêm a aposta em melhoras na economia nos próximos seis meses, mas com menos entusiasmo do que no trimestre encerrado em outubro, logo depois, portanto, da mudança de governo. No Brasil, como na Argentina, parece ter ocorrido uma calibragem do otimismo exibido logo depois da posse de novos governantes, mas os indicadores de expectativa permaneceram, em janeiro, acima da média histórica de 10 anos. A avaliação aparece na última Sondagem Econômica da América Latina Ifo/FGV, produzida em cooperação da pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Leibniz, da Universidade de Munique, na Alemanha.

A sondagem evidencia, mais uma vez, a troca de posições entre executivos e economistas latino-americanos e seus colegas do mundo rico. Depois de enfrentar com razoável segurança os primeiros anos a partir da crise de 2008, as economias da América Latina começaram a perder impulso. Algumas foram afetadas principalmente pela baixa dos preços das matérias-primas – um processo agora em reversão. Outras, como o Brasil, foram abaladas basicamente por problemas internos. No caso do México, deve ter pesado, segundo o relatório, o temor das políticas anunciadas pelo candidato Donald Trump, hoje instalado na Casa Branca.

Ao mesmo tempo, as economias mais atingidas pela crise financeira global começaram a mover-se e a ganhar vigor, com aumento dos negócios e redução do desemprego. A última sondagem mostrou melhora do clima econômico nos países desenvolvidos, com aumento dos indicadores de avaliação tanto de situação atual quanto de expectativas.

O humor tem melhorado nos Estados Unidos, na Europa e no Japão e também na segunda maior economia do mundo, a China, ainda classificada como emergente. Na zona do euro, a agência Eurostat apontou crescimento econômico de 0,4% no trimestre final de 2016. O Produto Interno Bruto (PIB) da união monetária ficou 1,7% acima do contabilizado um ano antes, pouco abaixo das expectativas de analistas (1,8%). A notícia foi divulgada na terça-feira passada, pouco antes de circular no Brasil a sondagem Ifo/FGV.

O indicador de clima econômico registrado por essa sondagem sintetiza duas avaliações, a da situação atual e a dos seis meses seguintes. O índice de clima econômico da América Latina recuou ligeiramente, de 70 para 69 pontos, voltando ao nível de outubro de 2016. O indicador da situação atual subiu 5 pontos, passando de 31 a 36, e de expectativas diminuiu 11 pontos, de 122 para 111.

A movimentação dos dois números pode confundir o leitor, se ele descuidar de alguns detalhes. Apesar da melhora, a avaliação do cenário atual continuou na área negativa. Apesar da piora, o índice de expectativas permaneceu na zona positiva. Na média, os latino-americanos continuam insatisfeitos em relação ao presente e razoavelmente otimistas quanto ao futuro próximo.

Mas essa é só a média. No caso do México, a avaliação do presente melhorou, enquanto piorou a imagem dos seis meses seguintes, como efeito da eleição de Trump. Entre os colombianos e chilenos houve elevação dos dois indicadores. No Brasil, o primeiro passou de zero a quatro e o segundo recuou de 175 para 154, mas, apesar do retrocesso, o otimismo se manteve bem acima do nível médio de dez anos, de 109.

Não parece haver grande mistério nesse otimismo, depois de mais de dois anos de recessão, de desemprego crescente e de enorme insegurança política e econômica. No mercado, segundo o último boletim Focus do Banco Central, a mediana das expectativas indica um crescimento econômico pouco abaixo de 0,5% em 2017 e acima de 2% em 2018. Não há brilho nesses números, mas até a hipótese de uma lenta recuperação pode ser animadora, depois do desastre econômico dos últimos anos.

Essa expectativa é um ativo de enorme valor para o presidente Michel Temer. Como administrador, ele tem a obrigação de fazer esse ativo render e proporcionar um bom retorno aos brasileiros. Nada justificaria uma nova decepção.

Mercado financeiro especula que nota de crédito do Brasil melhore (FOLHA)

A euforia no mercado financeiro dos últimos dias fez com que investidores flertassem com a ideia de que o Brasil poderia melhorar a nota de crédito, apesar da fragilidade das contas públicas do país.

Embalado pelo cenário externo superfavorável, o Brasil chegou a ostentar nível de risco-país semelhante ao de nações emergentes com nota um degrau acima do seu patamar, mais próximo do grau de investimento (selo de bom pagador, perdido em 2015).

Tamanho otimismo nos mercados contagiou o Planalto. O chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse na quarta (15), quando o dólar caiu a R$ 3,05, que o país pode recuperar o selo de bom pagador com a reforma da Previdência.

Os investidores estão animados com o Brasil. Acreditam que o governo Michel Temer conseguirá aprovar a reforma da Previdência, o crescimento econômico vai retornar e que os juros vão cair de forma mais acentuada.
A onda de otimismo interna fez com que o país tivesse uma queda mais forte do risco-país neste ano do que seus pares com as mesmas notas.

A Turquia, que como o Brasil está dois degraus abaixo do grau de investimento na Standard & Poor's, viu seu risco cair 12% neste ano.

Segundo o economista-chefe do Santander, Maurício Molan, o Brasil está "precificado" hoje entre o grau de investimento e um nível abaixo.

"Os preços atuais são compatíveis com upgrade [melhora de nota]. É um movimento de euforia com o Brasil, percepção de que o país está fazendo o dever de casa", diz. Se repetir a tendência dos últimos movimentos de nota do Brasil, porém, as agências de risco ainda levarão tempo para promover o Brasil. Há poucos dias, a S&P manteve o país no grau especulativo e reafirmou a perspectiva negativa.

A Fitch recomendou que o país adote políticas para crescer e recuperar receita. "O jogo do mercado é antecipar. A performance da Bolsa brasileira no passado não foi especular depois que o país recebeu grau de investimento, mas sim antes", afirma Frederico Sampaio, diretor da gestora Franklin Templeton.

DE BEM

Gestores afirmam que o entusiasmo com o Brasil também está voltando entre estrangeiros. A semana encerrada no dia 8, segundo levantamento da consultoria EPFR Global para a Folha, foi a de maior captação de fundos que investem em ações brasileiras desde abril do ano passado. A fatia dedicada a Brasil em fundos globais subiu em 2016 de 6% para 8,5% ao fim de 2017.

"Há maior apetite para emergentes, mas veio para o Brasil uma parcela pequena do que pode vir se a gente entrar nos trilhos, se passarem as reformas", diz Sampaio.

Gestor de fundos focados em ações da América Latina da americana BlackRock, Will Landers, diz que vem aumentando sua alocação em ativos do Brasil gradualmente desde que viu sinais de troca de governo, em 2016. Hoje, 67% do fundo de cerca de US$ 2,3 bilhões está concentrado em ações brasileiras, maior percentual em cinco anos.

"O Brasil tem um potencial gigantesco que estava sendo desperdiçado com políticas antiquadas", afirma.

"O país começou a recuperar a atenção do investidor e ainda há espaço para ganhar. O valor da Bolsa brasileira em dólares ainda está abaixo do patamar de 2011."

Para Solange Srour, da gestora ARX, a atenção dos investidores está voltada para as reformas. "A Lava Jato pode até pegar pessoas conhecidas, mas, para o mercado, o importante é que não atinja pessoas que afetem a aprovação das reformas. Porque são elas que farão o país crescer." 

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Fonte:
Folha de S. Paulo + Estadão

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