A produtividade é uma questão de crédito, por EDUARDO LORA

Publicado em 17/01/2010 19:07
A escassez de crédito é uma das razões que explicam por que existem empresas com níveis tão diferentes de produtividade

OS SISTEMAS financeiros da América Latina conseguiram corrigir muitos dos seus antigos problemas de ineficiência que estavam relacionados a governos que intervinham de forma excessiva, mas regulavam e supervisavam muito pouco. Uma evidência desse progresso é que os bancos latino-americanos têm resistido incólumes à crise financeira global. No entanto, a profundidade dos sistemas de crédito latino-americanos é ainda muito baixa para os padrões internacionais e, em muitos países, ainda não voltou aos níveis alcançados no início dos anos 80. 
A escassez de crédito é uma das razões que explicam por que existem empresas com níveis tão diferentes de produtividade, especialmente entre as pequenas e médias empresas. Devido à falta de acesso ao crédito, as empresas que são mais produtivas não podem expandir-se, e aquelas que são menos produtivas não têm condições de adotar os avanços tecnológicos e fazer os investimentos que poderiam aumentar sua produtividade. 
Em setores dominados por pequenas empresas, a produtividade depende fortemente do acesso ao crédito. Um estudo realizado na Colômbia descobriu que, nos setores de pequenas empresas, um aumento de até 14% sobre os montantes dos empréstimos recebidos no período de uma década resultou em melhorias de produtividade de 50%. 
A falta de crédito tem outro efeito nocivo sobre a produtividade, já que reduz os incentivos para que empresas informais se legalizem e respeitem as leis tributárias e trabalhistas. Isso afeta a produtividade, pois permite a sobrevivência de empresas deficitárias, que podem permanecer em operação porque têm custos mais baixos do que suas contrapartes formais. 
A expansão do crédito pode contribuir significativamente para a formalização do emprego, como mostra um estudo sobre a experiência do Brasil entre meados de 2004 e o início da crise financeira mundial quatro anos mais tarde. Nesse período, a porcentagem de trabalhadores contratados aumentou de 38% para 45%, e o crédito formal para as empresas subiu de cerca de 15% do PIB para 24%. 
Isso não foi mera coincidência: os setores mais dependentes de crédito para suas necessidades de investimento e fluxo de caixa foram precisamente aqueles que experimentaram maior formalização do emprego. O aumento da oferta de crédito pode ser um forte incentivo para a produtividade. Mas a expansão do crédito pode ser prejudicial para a produtividade se não for sustentável. 
Essa lição que está sendo assimilada por alguns países desenvolvidos é velha para a América Latina. Há duas razões centrais pelas quais uma súbita contração do crédito é prejudicial para a produtividade no longo prazo. 
Por um lado, os episódios de escassez de crédito levam ao adiamento de investimentos necessários para a adoção de novas tecnologias que aumentem a produtividade. É difícil recuperar esse atraso mais tarde. Por outro lado, quando o crédito desaparece, as empresas que são forçadas a fechar não são necessariamente as menos produtivas, mas estão geralmente no grupo de firmas menores, o qual inclui tanto empresas produtivas quanto improdutivas. 
A pequena empresa tem de ser três vezes mais produtiva que uma grande para ter uma chance similar de sobrevivência durante a escassez de crédito. Se as crises de crédito são frequentes, as pequenas empresas que são eficientes não têm mais probabilidades de sobreviver que as ineficientes. 
Como é possível estabelecer mais crédito e mais estabilidade financeira? Embora a região tenha sido relativamente bem-sucedida no desvio do terremoto financeiro global, ainda há três desafios imediatos a enfrentar. 
O primeiro é corrigir o quanto antes os deficits fiscais que foram criados durante a crise internacional pelos pacotes de estímulo fiscal e pela queda da receita tributária, já que esses deficits são uma ameaça à estabilidade da macroeconomia. O segundo desafio é reforçar a supervisão financeira, já que muitas empresas que foram enfraquecidas pela recessão recente estão em risco de se tornarem inadimplentes. 
E o terceiro é reforçar os direitos de propriedade dos credores, permitindo que os bancos ofereçam melhor segurança jurídica para as pequenas e médias empresas. Esse é talvez o passo mais difícil, mas, por sua vez, o mais necessário para que os sistemas de financiamento contribuam mais para o crescimento da produtividade. 

EDUARDO LORA, mestre em economia pela London School of Economics, é economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
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Fonte:
Folha de S. Paulo

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