Escândalos fizeram eleitor mudar o voto no final do 1º turno (editorial da Folha)
Embora tenham dominado as especulações acerca das causas da fuga de votos da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno eleitoral, questões relacionadas à religião exerceram pouca influência no resultado.
Revelações sobre irregularidades cometidas pela ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, e notícias relativas à quebra dos sigilos fiscais de tucanos e parentes do ex-governador José Serra pesaram quase três vezes mais na decisão do eleitor -e seus efeitos colaterais atingiram o próprio candidato do PSDB.
Na reta final, de acordo com pesquisa Datafolha publicada ontem, cerca de 6% do eleitorado decidiu mudar o voto. A candidata do PT perdeu quatro pontos percentuais; Serra, dois.
Segundo o levantamento, 75% das perdas de Dilma foram provocadas pelos escândalos, o mesmo motivo apontado pela parcela que desistiu de votar no postulante do PSDB -talvez apreensiva quanto à correção fiscal dos citados e ao papel da militância tucana nos bastidores desses episódios.
Diante dos dados da pesquisa, a estratégia situacionista de apresentar Dilma Rousseff como vítima de calúnias e preconceitos religiosos -como se viu no debate de domingo à noite, na Rede Bandeirantes- pode resultar de uma análise precipitada.
Mesmo assim, a insistência em abordar esses assuntos, por mais espinhosos que de fato sejam para o petismo, não deixou de ter um aspecto de conveniência. Ao imputar aos adversários a divulgação de boatos e a promoção de uma espécie de cruzada ultraconservadora com o intuito de desmoralizá-la, Dilma deixou em segundo plano o que mais importava -as explicações sobre os desvios na Casa Civil e os critérios que nortearam a escolha de Erenice Guerra para ser sua principal assessora e, posteriormente, ministra.
Ao mesmo tempo, é legítimo que praticantes das diversas religiões desejem saber sobre as convicções pessoais dos candidatos e que sacerdotes procurem orientar os fiéis. O Estado é laico e assegura a liberdade de fé. Dentro desses parâmetros, a participação dos religiosos no debate eleitoral é parte da democracia.
Embora seja evidente o crescimento das igrejas evangélicas no país, parte delas demasiado inclinadas ao reino de César, nada sugere que uma agenda religiosa comece a substituir os temas que tradicionalmente disputam a atenção do eleitorado, ligados ao bem-estar econômico e social.
Os resultados apresentados pelo Datafolha reiteram, ainda, a função da imprensa na configuração do espaço público e do debate democrático. A internet constitui inestimável avanço técnico a serviço de todos os campos da atividade humana. Por mais notável, porém, que seja sua contribuição na área das comunicações, é o jornalismo profissional e independente que, seja na forma impressa, seja na eletrônica, vem iluminando a disputa eleitoral.
PT, ame-o ou deixe-o, por ELIANE CANTANHÊDE
O debate da Band foi um grande momento. Mentores, marqueteiros e palpiteiros detestam debates com debate, como o de domingo, mas o eleitor agradece.
A boa-moça Dilma Rousseff da propaganda evaporou. Como "bater em mulher" seria um desastre, José Serra tentou escapulir da armadilha aproveitando as respostas e suas próprias cotoveladas como escada para martelar propostas.
A experiência e as pesquisas mostram que ataques costumam ter efeito bumerangue, caindo de volta na testa de quem ataca. Assim, se Dilma resolveu mudar de tática, apesar do risco, é porque deve ter pesquisas mostrando que não dá para ganhar mantendo a mesma toada, é preciso ir além. Se nunca fala do PT, seu tom foi de convocação dos petistas para a guerra.
Ela se disse "caluniada", insistiu nas críticas à era FHC e desenterrou o mantra de 2006 de que os tucanos privatizam tudo. Serra reagiu acusando o aparelhamento das estatais e dizendo que vai "reestatizar" a Petrobras, o Banco do Brasil, os Correios, resgatando-os do PT. Para Serra, Dilma tem "duas caras". Para Dilma, ele tem "mil caras".
Lula entrou na história bem menos do que no primeiro turno, e Fernando Henrique, muito mais do que em 2002, 2006 e 2010. Dilma continuou batendo no governo tucano. A novidade foi que Serra topou o confronto e o defendeu.
Dilma corretamente jogou dois fantasmas no colo do rival: a frase infeliz de Mônica Serra, de que a petista era "a favor da morte de criancinhas", e um tal Paulo Vieira de Souza, que teria fugido da campanha tucana com R$ 4 milhões. Ambos ficam pairando na campanha.
E Serra comparou: Collor e Sarney estão com Dilma; Itamar e FHC, com ele. É o tipo de lembrança que fica na caraminhola do eleitor.
Conclusão: Dilma atiçou a militância petista, e Serra aguçou o antipetismo de boa parte do eleitorado. Logo, o PT está no olho do furacão. Tipo assim: ame-o ou deixe-o.