Debate mais claro, editorial da Folha

Publicado em 14/10/2010 07:08
O segundo turno já contribui para o melhor conhecimento dos candidatos à Presidência, que todavia ainda se omitem sobre temas importantes



Decorridos 11 dias desde a realização do primeiro turno, parece difícil a alguém contestar seriamente a utilidade do segundo turno para a disputa em curso pela Presidência da República.
Com a nova etapa -exigida quando nenhum candidato obtém mais de 50% dos votos válidos- renova-se, para a sociedade, a ocasião de conhecer melhor as propostas, as prioridades e os estilos de cada candidato.
Ficam ambos, Dilma Rousseff e José Serra, mais expostos à controvérsia, o que é sempre salutar numa democracia e, mais ainda, quando a postulante favorita é figura pouco conhecida, que jamais havia disputado qualquer cargo eletivo antes de ter sido apontada pelo dedo do presidente Lula.
O primeiro debate do segundo turno a colocar frente a frente os adversários, realizado no último domingo, pela Rede Bandeirantes, resultou num grau de enfrentamento inédito entre Dilma e Serra, coisa que ambos, e sobretudo a petista, haviam tentado contornar ao longo da campanha. Em relação aos debates do primeiro turno, houve algum avanço.
É de lamentar, no entanto, que tais ocasiões de duelo político ainda sejam manietadas por regras que engessam o debate e impedem uma discussão mais aberta.
Há, em primeiro lugar, toda a parafernália dos marqueteiros, que busca monitorar os candidatos e as reações do público ao que dizem como se estivessem todos num laboratório, o que pasteuriza e não raro idiotiza a política.
Mas há, além disso, em todos os debates, restrições incabíveis à participação dos jornalistas, impedidos, por exemplo, por imposição das candidaturas, de fazer réplicas às questões que formulam depois de ouvir as respostas. É a sociedade quem perde com isso.
Estamos a pouco mais de duas semanas da eleição do futuro presidente e restam muitos pontos fundamentais para o país que não mereceram a devida atenção por parte de Dilma e de Serra.
Entre eles, o silêncio sintomático dos candidatos sobre temas espinhosos da macroeconomia talvez seja o mais preocupante.
Como escreveu ontem, em sua coluna, o jornalista Elio Gaspari, "o dólar está a R$ 1,66 e a palavra câmbio não foi pronunciada".
Enquanto os candidatos fingem ignorar a existência do problema, o deficit nas transações de bens e serviços com o exterior, provocado pela apreciação do real, continua a crescer. O que farão sobre isso Dilma e Serra? Ninguém sabe ao certo.
Espera-se que os próximos debates possam elucidar esse e outros aspectos, inclusive a respeito de promessas cuja viabilidade de execução não ficou clara. Serra precisaria explicar, por exemplo, como pretende elevar o salário mínimo para R$ 600 e aumentar em 10% as aposentadorias com valor superior ao mínimo sem, ao mesmo tempo, colocar em sério risco as contas públicas.
A Dilma, cuja campanha tem sido mais celebratória do que centrada em propostas factíveis, cumpriria esclarecer como executará em quatro anos a promessa de "erradicar a miséria", situação em que se encontram cerca de 21 milhões de brasileiros.


Inflexão, por ELIANE CANTANHÊDE

A agressividade, ops!, a "assertividade" de Dilma Rousseff no debate da Band marcou uma nítida inflexão na sua campanha e veio para ficar. Os programas do PT estão mais pesados, forçando a comparação entre o governo de Lula e o de FHC e insistindo que os tucanos privatizam até a mãe. A Dilma boazinha já era.
Já o Serrinha reforça o gênero paz e amor, apesar dos rompantes. Surpreendido pela reviravolta da adversária, parece no segundo turno um padre pregando a união entre todos os irmãos.
Se Dilma é objetiva, Serra está subjetivo. Ela fala em Bolsa Família e Luz Para Todos, programas que atingem diretamente a "vida das pessoas" -expressão que sempre repete para engatilhar os 28 milhões que saíram da miséria. Ele responde com conceitos abstratos: "caráter", "verdade", "coerência", "honestidade". Além disso, se Dilma se esforça para falar e para mostrar gente, Serra insiste em falar de empresas e de investimentos.
Num movimento pendular, Lula some da propaganda de Dilma, e Fernando Henrique aparece na de Serra, como se um já tivesse dado tudo o que tinha de dar à campanha e o outro estivesse sendo redescoberto oito anos depois.
Dilma vinha perdendo votos devagar e sempre desde o fim do primeiro turno. Evidentemente, acendeu uma luz amarela na sua candidatura, que deu uma chacoalhada no jeitão e joga com o confronto.
Serra, que foi favorecido pela queda de Dilma e principalmente pela ascensão de Marina Silva, não chacoalhou nada, optando pelo personagem sereno e confiável. Devem ter bons motivos -ela para jogar o personagem boa moça fora, e ele para manter o bom moço no ar.
Com a distância encurtando, mas ainda bem favorável a Dilma, ela precisa segurar a sangria, ele tem de ousar. O problema dos dois é que, com o tempo apertado, não dá mais para improvisar nem para testar. É acertar ou acertar a mão.

Eleição presidencial não é escolha de gerente, por CARLOS BRICKMANN


A propaganda, ao fundo, repetia hipnoticamente a frase: "Doutor Adhemar, Adhemar doutor, doutor Adhemar, Adhemar doutor".
Uma voz se sobrepunha ao mantra e enumerava: via Anchieta, Hospital das Clínicas, via Anhanguera. Surgia a voz do candidato, Adhemar de Barros: "O Brasil precisa de um gerente".
Adhemar morreu há mais de 40 anos. Disputou duas eleições presidenciais e perdeu. Mas venceu: os dois candidatos à Presidência da República acham que o Brasil precisa de um gerente.
A campanha despolitizada virou sopa de letrinhas: um promete 117 Ufpecs, seja lá isso o que for, outro rebate com 214 Propacs, de significado também desconhecido. Um fala da Bolsa Família, outro diz que vai duplicá-la. Custos? Bobagem: promessa tem custo zero.
E daí? Daí, nada. Se o Brasil precisasse de um gerente, a eleição seria desnecessária: um "headhunter" traria uma pilha de ótimos currículos, entre os quais se escolheria o novo presidente.
Mas as coisas não funcionam assim: quando técnicos explicavam detalhadamente por que não era possível fundir um bloco de motor nos trópicos, o estadista Juscelino Kubitschek criou a indústria automobilística nacional.
Quando especialistas sustentavam a inviabilidade de Brasília, que, por algum motivo, não poderia dispor de telecomunicações nem teria condições de encher o lago artificial do Paranoá, Juscelino construiu Brasília com lago, telecomunicações e ruas lotadas de carros nacionais.
Mário Covas, por duas vezes, superou fortes adversários ao apresentar-se não como tocador de obras, mas como pessoa decente e correta. Podia errar, mas não por mudar de posição com fins eleitorais. Covas não prometia multiplicar o salário mínimo nem criar quatro empregos para cada brasileiro, bebês inclusive; o que propunha era uma linha de conduta. Já estamos no segundo turno.
Qual a posição de Dilma e Serra sobre a bomba atômica brasileira, defendida dentro do atual governo pelo ex-ministro Mangabeira Unger e pelo vice José Alencar?
Qual a posição de Serra e Dilma sobre relações com governos "de facto" na América Latina: áspero, como o que temos com Honduras, ou de baba-ovismo explícito, como o que temos com Cuba?
Qual seu modelo de Brasil: potência global, como os EUA, ou potência econômica não militar, como o Canadá, com a desvantagem de ser pouco ouvido e a vantagem de desfrutar da riqueza sem tantas ameaças externas?
Temas vitais para o país ficaram esquecidos na campanha. Optamos de vez pelo petróleo, deixando o álcool para trás, ou a preponderância do petróleo deve ocorrer apenas agora, que é preciso concentrar esforços no pré-sal?
O trem-bala é projeto isolado ou se integra no planejamento nacional de transportes? Devemos preferir os empregos gerados pela indústria automobilística e esquecer os problemas que traz, da poluição (e aumento de gastos com saúde pública) aos congestionamentos?
São assuntos complexos e que podem tirar votos, mas isso é política. Se a opção for pelo desaquecimento da indústria automobilística, seus empregados certamente votarão contra o candidato, enquanto os beneficiários talvez nem percebam que a sua vida pode melhorar. E, claro, quem já produz pode contribuir para a campanha, enquanto quem visa o futuro tem de entrar no fiado.
Em vez de discutir política e hegemonia moral, discutimos quantos anjos podem dançar na ponta de uma agulha.
Afinal, como diria o dr. Adhemar, o Brasil precisa de um gerente. Mas, lembremos, enquanto o Império Bizantino debatia a questão dos anjos na agulha, o país se dividia e morria por falta de futuro.


CARLOS BRICKMANN, 66, jornalista e consultor de comunicação, é diretor da Brickmann & Associados. 
Fonte: Folha de S. Paulo

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