Os falsários, por Demétrio Magnoli

Publicado em 14/10/2010 07:17

Carlos Augusto Montenegro, o presidente do Ibope, profetizou há muitos meses uma vitória folgada de José Serra no primeiro turno. A campanha não havia começado e o Ibope não tinha pesquisas relevantes. O Oráculo falou para bajular aquele que, presumia sua sabedoria política, seria o próximo presidente. Mais tarde, durante a campanha, de posse de inúmeras pesquisas, o Oráculo asseverou com a mesma convicção que Dilma Rousseff venceria no primeiro turno. A bajulação aos poderosos de turno obedece a uma lógica inflexível. Na mesma entrevista, ele sugeriu que a oposição atentava contra a democracia ao repercutir os escândalos no governo. Cada um fala o que quer, nos limites da lei, mas o Oráculo de araque não se limita a isso: ele vende um produto falsificado.

Pesquisas de opinião declaram uma margem de erro e um intervalo de confiança. A margem de erro expressa a variação admissível em relação aos resultados divulgados. O intervalo de confiança expressa a confiabilidade da pesquisa - ou seja, a probabilidade de que ela fique dentro da margem de erro. Na noite de 3 de outubro, o Ibope divulgou as pesquisas de boca de urna para a eleição nacional e para 16 Estados, registradas com margem de erro de 2% e intervalo de confiança de 99%. Das 17 pesquisas, 12 ficaram fora da margem de erro. O intervalo de confiança real é inferior a 30%. Um cenário similar, catastrófico, emerge das pesquisas para o Senado. Há tanta diferença assim entre isso e vender automóveis com defeitos nos freios?

O Ibope não está só. Datafolha, Sensus e Vox Populi não fizeram pesquisas de boca de urna, mas suas pesquisas imediatamente anteriores também não resistem ao cotejo com as apurações. Todos os grandes institutos brasileiros cometem um mesmo erro metodológico, bem conhecido pelos especialistas. Eles usam o sistema de amostragem por cotas, que tenta produzir uma miniatura do universo pesquisado. A amostra é montada com base em variáveis como sexo, idade, escolaridade e renda. Isso significa que a escolha dos indivíduos da amostra não é aleatória, oscilando ao sabor de variáveis arbitrárias e contrariando os princípios teóricos da amostragem estatística.

O Gallup aprendeu a lição depois de errar na previsão de triunfo de Thomas Dewey nas eleições americanas de 1948. Venceu Harry Truman e o instituto mudou sua metodologia, adotando um plano de amostragem probabilística, que gera amostras aleatórias. Quase meio século depois, os institutos britânicos finalmente renunciaram à amostragem por cotas. O copo entornou em 1992, quando as pesquisas baseadas na metodologia furada previram a vitória trabalhista, mas triunfou o conservador John Major. Na sequência, uma equipe de especialistas identificou o problema e apresentou a solução. Os institutos brasileiros conhecem toda essa história. Não mudam porque a metodologia atual é mais prática e barata. Vendem gato por lebre.

A amostragem por cotas não permite calcular a margem de erro. Os institutos "resolvem" a dificuldade chutando uma margem de erro, que exibem como fruto de cálculo rigoroso. Como as eleições brasileiras costumam ter nítidos favoritos, eles iludem deliberadamente a opinião pública, cantando acertos onde existem, sobretudo, equívocos. Não é um fenômeno novo. Jorge de Souza, no seu Pesquisa Eleitoral: Críticas e Técnicas (Editora do Senado, 1990), já registrava que 16 das 23 pesquisas Ibope referentes às eleições estaduais de 1986 se situaram fora da margem de erro - o mesmo desastroso intervalo de confiança, em torno de 30%, verificado neste 3 de outubro.

Nem todos os institutos são iguais. O Datafolha conserva notável isenção partidária, embora também utilize o indefensável sistema de amostragem por cotas. O Oráculo do Ibope anda ao redor dos poderosos, sem discriminar partidos ou candidatos, farejando oportunidades em todos os lados. Marcos Coimbra, seu congênere do Vox Populi, pratica uma subserviência mais intensa, porém serve apenas a um senhor. Durante toda a campanha, o Militante assinou panfletos políticos governistas fantasiados como análises técnicas de tendências eleitorais. Dia após dia, sem descanso, sugeriu a inevitabilidade do triunfo da candidata palaciana no primeiro turno. Sua pesquisa da véspera do primeiro turno, publicada com fanfarra por uma legião de blogueiros chapa-branca, cravou 53,4% dos votos válidos para Dilma Rousseff. Errou em 6,5 pontos porcentuais, quase três vezes a margem de erro proclamada, de 2,2%.

Pesquisas, obviamente, não decidem eleições. Mas elas têm um impacto que não é desprezível. Sob a influência dos humores cambiantes do eleitorado, supostamente captados com precisão decimal pelas pesquisas, consolidam-se ou se dissolvem alianças estaduais, aumentam ou diminuem as doações de campanha, emergem ou desaparecem argumentos utilizados na propaganda eleitoral, modifica-se a percepção pública sobre os candidatos. Os institutos comercializam um produto rotulado como informação. Se fosse leite, intoxicaria os consumidores. Sendo o que é, envenena a democracia.

Beto Richa, o governador eleito em primeiro turno no Paraná, obteve da Justiça Eleitoral a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais que não o favoreciam. A censura é intolerável, principalmente quando solicitada por alguém que se comprazia em dar publicidade a pesquisas anteriores, nas quais figurava à frente. Ele poderia ter usado o horário eleitoral para expor a incúria metodológica dos institutos e o lamentável papel desempenhado por alguns de seus responsáveis, como o Oráculo e o Militante. A opinião pública, ludibriada a cada eleição, encontra-se no limiar da saturação. Mais um pouco, aplaudirá o gesto oportunista de Richa e clamará pela censura. Que tal os institutos agirem antes disso, mesmo se tão depois do Gallup?

Ah, por sinal, qual é mesmo a taxa de aprovação do governo Lula?

O País real e a candidata, por José Israel Vargas 

Externei recentemente, neste espaço, preocupações sobre a ciência e a tecnologia brasileiras, a meu ver, obstáculo maior ao desenvolvimento econômico e social almejado para o nosso país. Verifico agora que perplexidade de índole ainda mais ampla vem de ser retratada, em manchete de primeira página, por um de nossos grandes jornais diários, ao questionar: Quem vai administrar o País real?

Estou convencido de que, a despeito do inegável progresso econômico e social ocorrido em continuação ao trabalho realizado pelas administrações passadas, o angustiante grito de alarme reflete a insegurança quase generalizada no País sobre a qualidade da liderança atual e da que pode emergir do segundo turno do pleito eleitoral. De um lado, acabamos de assistir, no primeiro turno, ao desempenho tíbio da oposição, talvez devido à influência oportunista de marqueteiros, deixando de oferecer, na ocasião, soluções para os graves e abrangentes problemas do País real. De outro lado, a possível reassunção do poder de vasta aliança articulada entre opções políticas díspares, sob o guante do chefe inconteste tanto do partido "social-nacionalista" quanto da antiga súcia, sempre ávida em aderir ao eventual poder do dia.

A força do líder da aliança afirmou-se paulatinamente pela prática de contrafações sistemáticas de fatos bem sabidos de nossa História recente. Transmudadas em "herança maldita", elas são ostentadas como sólidas verdades para engodo de suas audiências, mobilizadas a um só tempo em despeito e autolouvação ostensiva. Nessa trajetória, vem posando de autor exclusivo de grandiosas obras e iniciativas políticas, executadas ou em curso de execução, "jamais dantes" testemunhadas pela humanidade embasbacada, em ilustração eloquente do desprezo que o líder vota ao saber e à verdade. Infeliz e antiga atitude, genialmente retratada pelo Bardo: "O prêmio com que mais se alevanta o engenho, não o dá a Pátria, não, que está entregue ao gosto da cobiça..."

A candidata escolhida exclusivamente pelo líder da aliança, a então poderosa ministra da Casa Civil, levou a Copenhague (COP 15) a proposta brasileira sobre medidas destinadas a mitigar o clima, usurpando desta feita, no grande encontro, as atribuições da ministra Marina Silva, de fato a responsável pela área... É fácil imaginar as razões que levaram o presidente da Republica à inusitada preterição: as eleições! O propósito era expor a candidata em fórum internacional, armada de batuta de comando erguida discricionariamente até mesmo por sobre os profissionais da área e do próprio Itamaraty.

O Brasil renunciou ao privilegio conferido pelo Tratado do Rio (1992) a ele e a outros países em desenvolvimento, que consistia na isenção de reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa, por terem iniciado tardiamente sua industrialização, geradora das referidas agressões ambientais.

Tanto a China como a Índia, à vista de suas contribuições importantes para o efeito estufa e submetidas a fortes pressões internacionais, comprometeram-se a reduzir em 30% suas emissões poluentes até o ano de 2020 e vincularam as reduções paulatinas a frações bem definidas de seu produto interno bruto (PIB) anual.

Já o Brasil adotou meta de reduzir as suas emissões, até aquele ano, em cerca de 39%, sem, contudo, especificar, até agora, o ritmo anual e as práticas necessárias à promoção das reduções anunciadas. O País comprometeu-se também a observar a meta (parcial) de reduzir em 80% o desmatamento, em relação ao ano de 2005. Tal fração, somada à da agropecuária, constitui 58% do total das nossas emissões, mas nosso governo igualmente deixou de apontar os valores anuais das ações indispensáveis ao cumprimento dessas obrigações.

É, pois, duvidoso que esses compromissos sejam cumpridos, tanto mais que o seu cumprimento envolverá profunda reestruturação do sistema agropecuário nacional, bem como intenso reflorestamento compensatório do desmatamento decorrente tanto da expansão da infraestrutura na região amazônica (usinas hidrelétricas, linhas de transmissão e estradas) quanto das demandas de madeira para a construção civil e outras obras pelo País afora. De fato, a correlação entre o aumento do PIB nacional e o desmatamento é hoje bem conhecida, e o "sucesso" alardeado para sua redução seria, pois, devido antes à recente crise econômica do que às medidas adotadas pelo governo.

Da mesma lavra surgiria projeto de lei sobre direitos humanos, enviado ao Congresso Nacional "sem ler", justificou-se a atual candidata oficial. Diante dos protestos da opinião pública em defesa das liberdades democráticas, esse projeto foi retirado. Entretanto, renasceu das cinzas, reapareceu no programa para o futuro governo petista e teve - talvez provisoriamente - o mesmo destino da iniciativa anterior, também lançado no limbo por falta de leitura... Hábito que parece ser a marca deste governo.

Registre-se que o mesmo governo do qual se tornou figura central a digna candidata se alinha também com um acordo sobre direitos humanos estabelecido entre o Brasil... Cuba e China! A tanto vai o nosso amor pela justiça. Vamos, assim, manter relações mais do que amistosas com governos apontados pela comunidade internacional como criminosos.

Finalmente, o apoio dado à candidatura de um assumido queimador de livros ao alto cargo de diretor da Unesco, organização das Nações Unidas dedicada à promoção da educação, da cultura, da ciência, da informação e da comunicação, bem ilustra que essas atividades são cada vez mais estranhas ao atual governo brasileiro.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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