Serra parece convencido de que Dilma nem precisa de ajuda para ser nocauteada

Publicado em 18/10/2010 11:15 e atualizado em 18/10/2010 18:38

“Esta cultura de paz é a base do fato de que somos um país diferente”, disse Dilma Rousseff no meio do amalucado falatório de encerramento. Pinçada sabe-se lá de que lugar da cabeça, a frase indecifrável — mais uma — contribuiu para escancarar o que os jornalistas federais e os intelectuais domesticados fingem que não enxergam: a adversária que todo candidato pede a Deus é também a primeira debatedora da história que nem precisa de um oponente para perder. Para Dilma Rousseff ser derrotada, basta um monólogo de Dilma Rousseff.

A candidata do PT acha tudo “muito importante”, desconfia de que o concorrente está sempre  “tergiversando”, acredita que o Brasil foi fundado em 2003, junta em dois minutos cinco assuntos que desconhece e protagoniza escorregões cada vez mais espetaculares. Ao discorrer sobre tsunamis e marolinhas, por exemplo, surfou na onda errada: “O Brasil foi o primeiro a entrar na crise e o último a sair”, trocou as bolas.

Ao ouvir que o PT votou contra o Plano Real, dedilhou a lira do delírio para reivindicar o direito de resposta: “Ele disse que eu sou a favor da inflação”, viajou. Prometeu, solenemente, “fazer um governo voltado para a pessoa humana”. E não finalizou a fala que deveria ser a fala final. Talvez por acreditar que Dilma não precisa de ajuda para ir à lona, Serra dispensou-se de novo de buscar o nocaute.

Quando lhe coube a iniciativa, tratou de questões administrativas. Permitiu que a adversária, sempre de guarda baixa e exposta a contragolpes devastadores, passasse a maior parte do tempo na ofensiva. Revidou a todos os ataques, é verdade, e até desferiu algumas pancadas severas. Mas nem sequer tentou o contragolpe definitivo. A tática, discorde-se dela ou não, parece ter funcionado: o grupo de 20 eleitores indecisos reunidos pela RedeTV! e pela Folha, organizadoras do debate, declarou Serra vitorioso por boa margem de pontos.

O que teria acontecido se o candidato da oposição passasse ao ataque e desferisse golpes potentes e frontais? Como terminaria o duelo se a sequência de socos verbais castigasse a roubalheira imensa na Casa Civil, a impunidade institucionalizada, a catarata de infâmias e delinquências despejada sobre a família Serra? Como reagiria Dilma se confrontada com a comparação entre a telefonia modernizada e os Correios em decomposição?

Que respostas balbuciaria se instada a explicar o sucesso do Plano de Arrendamento da Coisa Pública aos Altos Companheiros, o até recentemente clandestino PACPAC? Quanto tempo aguentaria nas cordas se fosse obrigada a comentar a produção da fábrica de dossiês e da usina de mentiras? Continuaria a declamar o poema épico “A Petrobras é a Pátria” se convidada a justificar o confisco dos bens da estatal na Bolívia, promovido por Evo Morales e abençoada pelo Beato Lula?

No mundo do boxe, diz-se que tem “queixo de vidro” o lutador que, ao primeiro soco mais vigoroso nessa parte do rosto, perde o rumo, a bússola e, pouco depois, os sentidos. Se Serra topasse a troca de pancadas, a disputa teria terminado há muito tempo. Dilma é toda de vidro. Está implorando para ser nocauteada.

O tiro no pé poderia atingir a testa

Como ocorreu no debate na Band, também neste domingo Dilma Rousseff acertou no próprio pé ao mirar em Fernando Henrique Cardoso. José Serra novamente comparou os ex-presidentes que apoiam cada candidato. Dilma tem a seu lado José Sarney e Fernando Collor, que só não conseguiram acabar com o Brasil porque depois deles vieram Itamar Franco e Fernando Henrique, que estão com Serra.

A bala seria desviada para a testa da adversária se o candidato da oposição sugerisse a Dilma que convença Lula a topar o desafio lançado publicamente por FHC: um debate entre os dois na TV. Enquanto ambos passam a limpo os oito anos de cada um, os candidatos à sucessão tratam do futuro. Serra deixou escapar uma chance preciosa talvez porque ainda veja um problema onde já está claro que existe um trunfo eleitoral.

O candidato deveria parar por uns tempos de ouvir marqueteiros e conversar mais com Aloysio Nunes Ferreira. Único protagonista do horário eleitoral do PSDB a apresentar-se ao lado do presidente que matou a inflação, Aloysio saltou de 4% nas pesquisas para mais de 32% nas urnas. Além de superar o recorde de Aloízio Mercadante, baixar a crista de Marta Suplicy e impedir que os paulistas piorassem a Casa do Espanto com Netinho de Paula, o senador mais votado da história restabeleceu a verdade assassinada: como aprendeu Lula em duas lições inesquecíveis, Fernando Henrique é muito bom de urna.

Mostrou agora que também transfere prestígio: em 3 de outubro, Aloysio Nunes Ferreira teve 11,2 milhões de votos em São Paulo. Quase 2 milhões a mais que Serra.

Dilma Rousseff recita de meia em meia hora que o processo de privatização da telefonia foi mais que um erro: foi um crime contra a nação, tramado por traidores da pátria a serviço de Fernando Henrique Cardoso. Se em 1998 fosse ela a presidente, proclama a candidata do PT, o setor estaria até hoje sob o controle do Estado. Pode-se deduzir, portanto, que caso chegue à chefia do governo tentará desfazer o que foi feito. Dilma sonha com a telefonia estatizada.

Nos debates do segundo turno, José Serra precisa mostrar aos eleitores — sobretudo aos jovens que já nascem com um celular na mão e um telefone fixo ao lado do berço — como era o Brasil da Telebrás, da Telesp, da Telerj e de outras teles  eternizadas na memória de quem conviveu com tais siglas como símbolos da inépcia, da corrupção, da barganha política, do preenchimento de cargos de direção pelos critérios do compadrio e da pouca vergonha. A paisagem que deixa Dilma grávida de nostalgia incluía, por exemplo, o monumento ao primitivismo resumido nestas duas páginas da edição de 4 de dezembro de 1994 do jornal O Estado de S. Paulo.

(Clique nas imagens para ampliá-las)

Parece mentira: no tempo dos mamutes estatais, anúncios de compra e venda de linhas fixas, ofertas de aluguel de mesas de PABX e negócios congêneres inundavam quatro ou cinco páginas dos classificados de domingo. Nas áreas urbanas especialmente congestionadas, um aparelho custava mais de 3.000 dólares. A existência de linhas adicionais encarecia o preço de qualquer apartamento. A posse de aparelhos telefônicos era declarada no imposto de renda. Quem não tinha dinheiro para enfrentar o mercado anabolizado pelo excesso de demanda devia conformar-se com dois ou três anos de espera na fila dos “planos de expansão”.

Se ressuscitasse por aqui em julho de 1998, quando foram privatizados os paquidermes estatais, Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, imaginaria que o século 19 não chegara ao fim. Havia 16,6 milhões de aparelhos fixos. Hoje passam de 50 milhões. Celular era coisa de americano ou extravagância de bilionário. Hoje todo brasileiro tem um. Graças à concorrência, os preços dos aparelhos e das ligações estão permanentemente em queda. A privatização da telefonia tornou o Brasil extraordinariamente mais moderno.

A aprendiz de candidata afirma que os eleitores terão de escolher, no segundo turno da disputa presidencial, entre o novo Brasil e o velho. Verdade. O antigo é o da mulher que pilota uma máquina do tempo que só viaja para trás. Ideologicamente, a cabeça da militante Dilma Rousseff continua estacionada em 1968. A discurseira sobre a privatização da telefonia reafirma que a visão da administradora ainda não enxergou o século 21.

Um dos fundadores do PT, vice-prefeito de São Paulo na gestão de Luiza Erundina, o jurista Hélio Bicudo explica por que apoia José Serra no vídeo exibido na seção História em Imagens. Ouça o que diz um homem exemplarmente honrado. E veja por que um Hélio Bicudo vale centenas de luizas erundinas.

(Análise de Ricardo Setti):

Escorregão de Dilma sobre o estado de São Paulo tem riscos

Dilma deu uma mancada no debate ao aparentar — vejam bem, estou dizendo aparentar — uma certa hostilidade a São Paulo, que espertamente Serra, ex-governador do estado, aproveitou.

A presidenciável do PT precisou ficar na defensiva e explicar que críticas ao governo paulista não significam que ela “tenha nada” contra o povo do estado, que ela elogiou.

Mas essas coisas são perigosas em eleições, têm um risco potencial elevado. São Paulo, disparado o maior colégio eleitoral do Brasil, tem 30,3 milhões de eleitores, uma massa impressionante que pode fazer diferença no resultado final do dia 31.

Serra venceu as eleições presidenciais do dia 3 em São Paulo, onde obteve 9,5 milhões de votos — mas ficou aquém dos 11,5 milhões recebidos pelo governador eleito e seu aliado Geraldo Alckmin.

Há aí 2 milhões de votos de Alckmin esperando para ser ganhos por Serra, sem contar o eleitorado de Marina Silva (PV) no maior estado da União.

Em campanha eleitoral, pequenos vacilos podem ser fatais.

A conferir.


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Fonte:
Blog Augusto Nunes (Revista Veja

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1 comentário

  • Valter Antoniassi Fátima do Sul - MS

    Se até o fundador do PT apóia SERRA...Como pode pessoas esclarecidas apoiarem DILMA? Na minha opinião só tem uma explicação:Semelhança de caráter...

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