Descontrole, EDITORIAL DA FOLHA

Publicado em 22/10/2010 06:09

Os incidentes ocorridos nesta quarta-feira, durante caminhada do candidato José Serra (PSDB) no Rio de Janeiro, e com a candidata Dilma Rousseff, do PT, ao desfilar ontem em carro aberto em Curitiba, constituem sinais de que a campanha eleitoral ameaça atingir um novo grau de exacerbação.

Não houve maiores consequências, felizmente, nos dois episódios. Serra foi atingido, sem ferir-se, por um objeto na cabeça, ao passo que um balão de água foi jogado sobre o capô do automóvel que transportava Dilma. É todavia preocupante uma situação na qual candidatos se vejam ameaçados em sua integridade física ao circularem pelas ruas e buscarem contato com o eleitor.
Antes mesmo que um arremesso alcançasse o candidato do PSDB, militantes de seu partido e ativistas do PT entraram em conflito. Um candidato derrotado a deputado estadual pelo PT, ao lado de um sindicalista da área de saúde, chamava Serra de "assassino", supostamente por discordar de sua política de combate a endemias; cabos eleitorais tucanos rasgaram cartazes; petistas avançaram; o tumulto terminou envolvendo cerca de cem pessoas.
Ganha configuração real, assim, um processo que, no mundo virtual e midiático, já ocorria de forma desenfreada. A violência simbólica -organizada em máquinas de rumores, insultos, panfletos e imagens a serviço dos dois candidatos- atingiu na atual campanha presidencial um nível de exaltação poucas vezes registrado no país.
O mais curioso, nesse fenômeno, é que as paixões políticas não parecem encontrar, no perfil das duas candidaturas à Presidência da República, razões suficientes para se desencadearem com tal vigor. Entre Dilma e Serra, há provavelmente mais áreas de concordância do que pontos de genuíno conflito programático.
Adeptos de uma e outra candidatura projetam, sobre ambas, um conteúdo ideológico que, no plano das alianças e compromissos reais, nenhuma delas se dispõe a explicitar, nem dá mostras de possuir. Descolados da realidade, ou movidos pela conveniência pessoal mais mesquinha, militantes e cabos eleitorais se entregam a uma cruzada de intimidação e truculência.
A esse tipo de comportamento, o presidente Lula deu um indireto estímulo. Enquanto a candidata Dilma Rousseff repudiou formalmente a agressão cometida contra José Serra, o presidente da República saiu-se, bem a seu estilo, com acusações e tiradas de humor primitivo, que mais caberiam a um arruaceiro presente no episódio do que a alguém imbuído das responsabilidades de seu cargo.
Não é novidade esse tipo de comportamento; a novidade é que, com esse gênero de exemplo, seus correligionários dão mostras de se sentirem autorizados para superar, em grosseria e descontrole, as lições do mestre.

Atitude do presidente é de cabo eleitoral, não de estadista

(ELIANE CANTANHÊDE)


Cabe a um estadista com 80% de popularidade pedir calma e responsabilidade quando os ânimos se exaltam além do razoável em eleições tão polarizadas quanto a deste 2010.
O presidente Lula, porém, age menos como estadista e mais como cabo eleitoral, classificando a agressão de militantes petistas contra José Serra (PSDB), anteontem, no Rio, como "farsa" e "mentira descarada".
Desconsidera que petistas programaram o confronto, que Serra foi atingido por um rolo de fita crepe na cabeça, que uma repórter da TV Globo levou um talho e que um militante também foi ferido.
Não parece uma "farsa". Logo, Lula conduz à conclusão de que não falou de acordo com a realidade, mas sim levando em conta a conveniência eleitoral de Dilma Rousseff (PT).
Como toda ação corresponde a uma reação, ontem foi a vez de prováveis eleitores tucanos atirarem um balão com água na direção de Dilma, que fazia carreata em Curitiba. Pode vir mais por aí. O ambiente de campanha não é mais seguro.
As declarações calculadas do presidente, movido pela personalidade, a aprovação popular e o histórico de lutas sindicais, visam transformar a vítima Serra em réu e correspondem a um novo chamamento a mais agressões. Joga, assim, a campanha no terreno do imprevisível.
Como faltam nove dias para a eleição, com a perspectiva de um resultado apertado, o acirramento pode se aprofundar e gerar trocas de insultos e cenas de pancadaria que em nada contribuem com a democracia nem com nenhuma candidatura.
Aliás, nem com o futuro presidente, porque esta animosidade tende a se estender para o próximo governo, ganhe Dilma ou Serra.
Como não se cumpriu a profecia de que Dilma venceria tranquilamente no primeiro turno, a eleição já entrou no segundo com o país praticamente dividido ao meio entre vermelhos e azuis. Qualquer que seja o presidente, terá quase metade do eleitorado contra.
É melhor que os militantes atuem civilizadamente na campanha para que os eleitores não descontem no próximo governo, atirando rolos de fitas e sacos de água sobre o presidente - ou presidenta.
Lula sugeriu que Serra pedisse desculpas, "se tivesse um minuto de bom senso". Mas bom senso é o que ele próprio, enquanto presidente, não está demonstrando.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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