Arrecadação aumenta, mas país ainda gasta mais do que tem

Publicado em 28/10/2010 07:19
Dados do FMI mostram que, em gastos públicos proporcionais ao PIB, país perde apenas para a Rússia

O aumento na arrecadação no Brasil, que chegou a 1 trilhão de reais segundo o Impostômetro(painel instalado em São Paulo, que mede minuto a minuto o volume de impostos que vai para os cofres da União, dos Estados e municípios) não garantiu uma melhora na capacidade de poupança e investimentos do governo. Pelo contrário, foi acompanhado pelo crescimento do gasto público. Para se ter uma ideia, a arrecadação tributária passou de 361 bilhões de reais em 2000 para 1,2 trilhões de reais em 2010 (segundo projeções do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Os gastos do governo central também evoluíram, atingindo o recorde de 730 bilhões de reais em despesas totais em 2009 – valor que corresponde a 66% da arrecadação do país naquele ano. Nos anos anteriores, o índice girava em torno de 61% - número que já era considerado alto por economistas.

Os números divulgados pelo Impostômetro mostram ainda que, em 2010, a casa dos trilhões na arrecadação foi alcançada um mês antes do que em 2009, revelando o ávido apetite dos governos por impostos. Tal arrecadação, segundo dados do Fundo Monetário Nacional (FMI), deverá alcançar 36,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 – a maior, em proporção, entre os países emergentes (veja quadro). Nessa base de comparação, os gastos do governo previstos para esse ano chegam a 38% do PIB, colocando o Brasil na segunda posição entre os emergentes que mais gastam com a máquina pública. Perde apenas para a Rússia. Ou seja, apesar do aumento da arrecadação, o Brasil continua gastando mais do que tem nos cofres.

“A arrecadação tem uma relação direta com o que se produz no país. À medida que há um desempenho melhor da economia, há também uma arrecadação maior. O problema é que a carga tributária continua sendo muito alta para uma qualidade de serviços públicos muito baixa”, afirma o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria.

Na última semana, o FMI divulgou seu último relatório sobre o Brasil (Perspectivas Econômicas das Américas) e atentou para a necessidade de redução dos gastos públicos. “A restrição do gasto deverá ser acompanhada de uma diminuição das operações parafiscais dos bancos públicos [o que, por sua vez, permitirá corrigir as distorções do canal de crédito que reduzem a eficácia da política monetária]", diz o texto. Em outras palavras, o órgão internacional recomenda que, além de reduzir seus gastos de custeio, o governo pare diminua o volume de créditos subsidiados oferecido por instituições como o BNDES, pois isso também pode ter impacto negativo nas contas públicas num futuro próximo. 

 

Gastos públicos e arrecadação de impostos

 

Perspectivas - A manutenção do crescimento econômico exigirá um esforço fiscal maior - mas a capacidade do governo de realizar esse esforço é posta em dúvida pelo mercado. A certeza que se tem é que o aumento da arrecadação acompanhado de uma alta linear de gastos públicos levará o país a reduzir sua curva de crescimento. Se o Brasil, de fato, crescer 7,4% em 2010, a desaceleração deve ocorrer a partir de 2011, com um crescimento de 4,5% do PIB estimado por economistas. De acordo com o relatório de perspectivas para o Brasil da Economist Intelligence Unit (EIU), “é esperado algum progresso em simplificar o sistema tributário brasileiro, mas ainda assim este continuará sendo o ponto mais fraco do país, principalmente no que se refere ao ambiente para negócios”. Neste cenário, a mudança de governo representada pela eleição do candidato José Serra (PSDB) é vista com bons olhos pelo instituto. " O governo Serra faria esforços maiores para fortalecer a política fiscal", relata o documento.  

Para o economista Felipe Salto, o que se espera dos próximos governantes (estados e governo federal) é a maximização dos recursos obtidos com a cobrança de impostos dos contribuintes. “Houve uma deterioração da política fiscal que precisa ser revertida para que o país cresça de maneira sustentável”, afirma ele. Ineficiência, descontrole de gastos e desvio de recursos em operações corruptas são o avesso da receita capaz de garantir esse crescimento.

A mágica do Tesouro, editorial do Estadão

O governo continua inventando expedientes para ocultar a deterioração das contas públicas. Desta vez, aproveitou a capitalização da Petrobrás para inflar a receita do Tesouro Nacional e produzir um superávit primário de R$ 26,1 bilhões em setembro. Seria o maior resultado primário de todos os tempos, se fosse real. Mas esse número - mais um prodígio nunca antes visto na história deste país - é uma ficção. Sem recorrer a ela, o Ministério da Fazenda estaria exibindo, na melhor hipótese, um déficit de R$ 5,8 bilhões. Esse é um claro sinal do descontrole do gasto. Com a economia crescendo em ritmo igual ou superior a 7% ao ano, a administração federal deveria exibir uma excelente saúde financeira.

A mágica foi prevista desde quando o governo anunciou as manobras para envolver o Fundo Soberano e pelo menos um banco federal na capitalização da Petrobrás.

A União cedeu à empresa reservas de petróleo avaliadas oficialmente em R$ 74,8 bilhões e recebeu esse montante como pagamento. Ao mesmo tempo, contribuiu com dinheiro para o aumento de capital. Mas só gastou R$ 42,9 bilhões, porque o resto foi desembolsado por intermédio da BNDESPar e do Fundo.

A diferença, R$ 31,9 bilhões, foi contabilizada como receita do Tesouro. Somadas entradas e saídas, sobraram os R$ 26,1 bilhões apresentados como superávit. Mas pelo menos uma parte do distinto público já sabia do truque e não se deixou impressionar pela mágica.

Mas o ilusionismo é mais complexo. Para reforçar o BNDES, o Tesouro emitiu papéis no valor de R$ 25 bilhões. Endividou-se, mas essa operação não afetou a dívida líquida, porque o dinheiro foi passado ao banco, formalmente, como empréstimo. Logo, foi gerado um crédito equivalente. Mas a dívida bruta cresceu e esse é o indicador mais importante para os financiadores do Tesouro.

O governo contabilizou os R$ 31,9 bilhões como "receita de concessão", num procedimento classificado como normal pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin. Segundo ele, "não houve manobra fiscal". Esse não é o ponto de vista de especialistas do setor privado e do Banco Central (BC). Em sua próxima reunião, em dezembro, o Copom fará, como sempre, uma avaliação das condições da economia e levará em conta os efeitos da política fiscal. São passos necessários para a decisão sobre os juros. O Comitê não deverá levar em conta a receita contabilizada como decorrente da capitalização da Petrobrás, informou o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton.

Essa divergência é mais importante do que talvez possa parecer à primeira vista. Não se trata de um preciosismo contábil. Trata-se de saber se a informação divulgada pelo Tesouro é um bom indicador das condições da economia brasileira. De fato, não é, assim como não seria, se o governo descontasse o valor aplicado nas obras do PAC ou destinado a qualquer outra finalidade. Não se pode tratar a meta de superávit primário como se fosse apenas um requisito burocrático.

Acima de tudo, é preciso avaliar a situação das contas públicas pela evolução da despesa. O gasto federal continua crescendo mais que o valor da produção. Neste ano, o investimento custeado pelo Tesouro aumentou, mas esse item continua sendo pouco relevante no conjunto dos desembolsos. O Orçamento federal continua sendo inflado principalmente pelos gastos de custeio e, de modo especial, por despesas pouco produtivas.

A folha de pessoal, até agora, foi 9,3% maior que a de janeiro-setembro de 2009. Aumentou menos que o PIB nominal. Mas não se pode esquecer o inchaço dos salários e encargos nos últimos sete anos. Além disso, outros itens de custeio consumiram 21,6% mais do que no ano passado - uma diferença reconhecida como indesejável até pelo secretário do Tesouro.

Durante anos, o governo se valeu do aumento da receita para gastar muito e ainda assim conseguir superávit primário. Em 2010, nem o notável aumento da arrecadação tem bastado para acomodar a gastança. Este é o problema número um e é um erro tentar disfarçá-lo. 


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Fonte:
Veja/Estadão

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