O mundo está a caminho da segunda bolha das commodities

Publicado em 05/11/2010 05:13 e atualizado em 05/11/2010 13:16
Além de milho, trigo e soja, negócios com petróleo, metais e metais preciosos têm forte aquecimento - Juro zero em países desenvolvidos, dólar fraco e excesso de dinheiro levam a negócios recordes no mercado futuro, por MAURO ZAFALON.

O mundo está a caminho da segunda bolha das commodities. Nunca se negociou tanto no mercado futuro e nunca entrou tanto dinheiro novo nesse setor. É a volta da financeirização do setor. Juros próximos de zero nos países desenvolvidos, dólar fraco e excesso de dinheiro em busca de bons investimentos estão inflando as negociações com commodities.
Os dados da Chicago Board Of Trade, principal Bolsa de negociações de grãos do mundo, são impressionantes. Negócios com metais, metais preciosos e petróleo também indicam forte aquecimento.
Os contratos de compra de soja bateram o recorde de 123 milhões de toneladas em outubro em Chicago, superando o pico do período pré-crise de 2008, quando o recorde tinha sido de 119 milhões de toneladas.
As negociações com milho chegaram a 309 milhões de toneladas e as com trigo, a 91 milhões no mês passado. No pico de 2008, os contratos em aberto no mercado futuro de Chicago eram de 297 milhões de toneladas para o milho e de 83 milhões para o trigo.
"Estamos entrando em uma nova bolha e a atitude do Fed, de injetar mais dinheiro no mercado, vai inflar ainda mais as commodities", diz Fernando Muraro Junior, da AgRural, de Curitiba.
O Fed (banco central dos Estados Unidos) anunciou na quarta-feira a compra de US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro americano.
O problema é que já há excesso de capital girando pelo mundo e esse dinheiro perdeu o contato com a economia real, diz Muraro.
O excesso de negociações no mercado futuro de commodities faz com que os fundamentos da economia (produção, demanda e estoques) já não influenciem mais. Segundo ele, "há uma perda de referência na economia".

BOA E RUIM
A alta de preços é boa para os produtores de commodities, tanto agrícolas como metais e petróleo, mas ruim para os consumidores, que vão sentir no bolso essa elevação de preços.
Os agricultores brasileiros deverão ter renda recorde neste ano, conforme estimativas da AgRural. O mesmo deve ocorrer nos Estados Unidos, onde os dados do Usda (Departamento de Agricultura do país) já apontam para renda líquida de US$ 77 bilhões neste ano.
Se for mantida a alta das commodities, a renda dos norte-americanos no setor agropecuário deverá superar o recorde de US$ 80 bilhões de 2008, exatamente o ano da crise mundial.
Para Muraro, a perda de relação dos preços das commodities com a realidade é evidente. O apetite chinês, embora grande, não justifica valores tão elevados.
O reflexo dessa alta no mercado futuro -onde há intenções de negócios- é de elevar também os preços no mercado físico, onde efetivamente ocorrem os negócios. Essa transferência de preços indica que "a inflação dos alimentos já está tocando a campainha", diz Muraro.
A elevação de preços ocorre mesmo com a maior oferta de produtos neste ano. À exceção de alguns produtos, como trigo, a safra mundial de grãos foi boa e as perspectivas são de manutenção de produção no próximo ano.

Alta eleva preço de alimentos para brasileiro

A alta acelerada dos preços das commodities afeta o bolso dos consumidores. Apesar de o Brasil liderar a produção mundial de vários alimentos, os preços internacionais afetam os praticados internamente, já que o país é, também, exportador.

Ao superar 30 centavos de dólar por libra-peso (454 gramas) ontem em Nova York, o açúcar ficará mais caro não só nos supermercados como também dará sustentação aos preços do álcool que será utilizado nos carros.
Os dados de inflação de ontem da Fipe já indicam altas do pão, do café, do óleo de soja e das carnes, como reflexo de reajustes no mercado externo.
A alta das commodities pode trazer problemas até para os produtores. Quando os fundos de investimento saírem do setor, os preços desabam, desestruturando o setor.

Emergentes atacam decisão dos EUA

O Brasil e vários outros países emergentes criticaram ontem a decisão dos EUA de inundar a economia mundial com US$ 600 bilhões.

O temor é que o programa de compra de títulos da dívida americana, anunciado anteontem pelo Fed (o banco central americano), provoque um grande fluxo de dinheiro para fora dos EUA.
Essa irrigação de dólares pode valorizar as moedas dos países emergentes -o que levaria à perda de competitividade dessas economias.
Do Brasil aos asiáticos, passando pelos europeus, diversos governos ameaçam tomar medidas para controlar a entrada de capital estrangeiro.
Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, "essa política de jogar dinheiro pelo avião só vai servir pra desvalorizar o câmbio e poderá gerar bolha nos países que estão comprando dólar".
A ameaça mais contundente veio do governo tailandês, que disse que o BC local já está conversando com colegas da região, que estariam prontos para tomar medidas para coibir a entrada de capital especulativo.
Na China, um assessor do banco central local disse que o surgimento de mais uma crise será "inevitável" se os países continuarem a imprimir moeda "sem limite".
A Coreia do Sul, um dos raros países que, ao lado do Brasil, agiram para conter o fluxo de capital estrangeiro, disse que estuda mais medidas de controle de capital.
O país, por sinal, será a sede da reunião de chefes de Estado do G20 na semana que vem, que dever ser dominada pela guerra cambial.
Já a Turquia, que elevou suas reservas para o maior nível histórico para conter a alta cambial, disse que a decisão norte-americana foi tomada em "um ambiente desesperado" e pode ser "um tiro pela culatra".
Apesar das reclamações, as grandes Bolsas globais decolaram com o plano do Fed, e as principais moedas se valorizaram ante o dólar.

DESENVOLVIDOS
As críticas, porém, não ficaram restritas somente aos emergentes. Alguns dos grandes europeus, como a Alemanha, também não esconderam sua preocupação.
Para a ministra francesa Christine Lagarde, a reação dos países emergentes à medida do Fed "confirma a necessidade imperativa de criar ferramentas para acalmar o sistema monetário".
Nos EUA, a principal manifestação ontem apareceu em um artigo do presidente do Fed, Ben Bernanke, no jornal "The Washington Post". O texto chama a atenção pelo que deixa de dizer: Bernanke explicou a decisão sem fazer nenhuma referência ao efeito fora dos EUA.
No artigo, ele classificou "como fortes e criativas" as medidas tomadas pelo Fed desde 2008 para ajudar a estabilizar a economia e o sistema financeiro.

Fonte: Folha de S. Paulo

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