CPMF por quê? Porque Lula quer - por ELIANE CANTANHÊDE

Publicado em 07/11/2010 17:57

A candidata Dilma ainda está quente, e a presidente eleita Dilma já sinaliza a possibilidade de ressuscitar a CPMF -algo sobre o qual não abrira a boca durante toda a longuíssima campanha.
Isso causa, evidentemente, o maior rebuliço na opinião pública, nos partidos aliados, nos governistas, nos mercados. Há um desequilíbrio entre ônus e bônus.
O bônus econômico é questionável. Primeiro, porque a receita da Saúde se manteve praticamente estável antes, durante e depois da CPMF. Segundo, porque a arrecadação vai muito bem, obrigada. A receita cresceu duas vezes mais que a CPMF nos dois mandatos de Lula. Dilma precisa de mais imposto?
O mercado acha que não. Apesar de ter jogado todas as fichas e simpatias na candidatura de Dilma, de "esquerda", já está reagindo. Nem se sabe ainda se a CPMF voltará, mas os juros disparam na Bolsa de Mercadorias e Futuros.
E o ônus político pode ser pesado. Trazer a CPMF de volta à pauta é mexer com o bolso e com a emoção de quem paga a conta e dar de presente uma boia para a oposição se agarrar, particularmente o DEM. É também excitar o ambiente entre os dez partidos aliados, a dois meses da troca de governo, com todos eles se estapeando por cargos.
Principalmente, cria mais um teste de fogo para Dilma, que já tem mil problemas para se preocupar e cujo forte não é exatamente o jogo de cintura e a negociação política.
Se é uma temeridade política sem contrapartida econômica, resta uma conclusão: a CPMF é mais um voluntarismo de Lula. Com tantas vitórias, ele não suporta a ideia de conviver com essa doída derrota no Congresso e quer rebobinar o filme. Depois de "caçar" adversários e conclamar o "extermínio" da oposição, agora quer vingança.
Simultaneamente, Lula faz pronunciamento na TV propondo que oposição e governo respeitem-se mutuamente e divirjam de "forma madura e civilizada". Parece piada.

CLÓVIS ROSSI

O Brasil que avança e o que dói

Quando o então presidente da Fiesp, Mário Amato, decretou que 800 mil empresários abandonariam o Brasil se Luiz Inácio Lula da Silva fosse eleito, em 1989, respondi com uma coluna sob o título "Terrorismo, não".
Nela dizia -e repetiria depois mais de uma vez- que, como o Brasil havia sido governado pelos "doutores" desde sempre e chegara ao triste estado em que se encontrava, um operário no poder não faria estragos maiores.
Não fez. Ao contrário. Deixa o país melhor do que estava quando finalmente venceu.
Palmas para Lula, então? Sim, mas nem tanto, do meu ponto de vista. Esperava mais, como esperava mais de seu antecessor.
Continuo achando que um país que é a 9ª economia do mundo (se medida em paridade do poder de compra, que ajusta o PIB aos preços internos) não pode ser apenas o 73º em desenvolvimento humano. Ainda mais depois de 16 anos de governos presididos pelos homens públicos que têm ou parecem ter maior preocupação com o social do que todos os antecessores.
Claro que avanços sociais são lentos, mas 16 anos ou mesmo os oito só de Lula deveriam ter sido suficientes para saltos bem maiores no ranking da ONU do que os registrados por ele e por Fernando Henrique Cardoso.
Pelo menos para o meu gosto, exigente com os governantes como acho que todos deveriam ser.
O que atenua o julgamento sobre o governo Lula (e o de FHC) é a aceitação de que ninguém, no mundo todo, inventou um modelo que permitisse queimar etapas no desenvolvimento humano.
De todo modo, a realidade é que empresário nenhum ameaça hoje abandonar o país.
Em contrapartida, cruzo, em todas as viagens, com brasileiros e brasileiras do andar de baixo que, sim, continuam correndo atrás de sonhos e esperanças. Dói.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA 

Dois males afinal evitados


Eleição rejeitou udenismo moralista e potencialmente golpista e americanização das discussões políticas

As eleições do último domingo foram livres e democráticas. Foram próprias de uma democracia consolidada, porque o Brasil conta com uma grande classe média de empresários e de profissionais e com uma classe trabalhadora que participa dos ganhos de produtividade.
Porque conta com um sistema constitucional-legal dotado de legitimidade e garantido por um Estado moderno, que é efetivo em garantir a lei e crescentemente eficiente em gerir os serviços sociais e científicos que permitem reduzir a sua desigualdade.
É verdade que os dois principais candidatos não conseguiram desenvolver um debate que oferecesse alternativas programáticas e ideológicas claras aos eleitores. Por isso, a grande maioria dos analistas os criticou. Creio que se equivocaram.
O debate não ocorreu porque a sociedade brasileira é hoje uma sociedade antes coesa do que dividida. Sem dúvida, a fratura entre os ricos e os pobres continua forte, como as pesquisas eleitorais demonstraram. Mas hoje a sociedade brasileira é suficientemente coesa para não permitir que candidatos com programas muito diferentes tenham possibilidades iguais de serem eleitos -o que é uma coisa boa.
Os dois males que de fato rondaram as eleições de 31 de outubro foram os males do udenismo moralista e potencialmente golpista e o da americanização do debate político.
Quando setores da sociedade e militantes partidários afirmaram que a candidata eleita representava uma ameaça para a democracia, para a Constituição e para a moralidade pública, estavam retomando uma prática política que caracterizou a UDN (União Democrática Nacional), o partido político moralista e golpista que derrubou Getulio Vargas em 1954.
Não há nada mais antipolítico ou antidemocrático do que esse tipo de argumento e de prática. As três acusações são gravíssimas; se fossem verdadeiras -e seus proponentes sempre acham que são- justificam o golpe de Estado preventivo. Felizmente a sociedade brasileira teve maturidade e rejeitou esse tipo de argumento.
Quanto ao mal da americanização da política, entendo por isso a mistura de religião com política em um país moderno.
Os Estados Unidos, que no final da Segunda Guerra Mundial eram o exemplo de democracia para todo mundo, experimentaram desde então decadência política e social que teve como uma de suas características a invasão da política por temas de base religiosa como a condenação do aborto.
De repente um candidato passa a ser amigo de Deus ou do diabo, dependendo de ser ele "a favor da vida" ou não. A separação entre a política e a religião -a secularização da política- foi um grande avanço democrático do século 19. Voltarmos a uni-las, um grande atraso, a volta à intolerância.
A sociedade brasileira resistiu bem às duas ameaças. E a democracia saiu incólume e reforçada das eleições.
Em seu discurso após a eleição, Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com os pobres, ao mesmo tempo em que se dispôs a realizar uma política de conciliação, não fazendo distinção entre vitoriosos e vencidos.
Estou seguro que será fiel a esse compromisso, como o foram os últimos presidentes. Nossa democracia o exige e permite.

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Tags:
Fonte:
Folha de S. Paulo

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

1 comentário

  • Telmo Heinen Formosa - GO

    Alguém já disse e escreveu que "Lula sairá da Presidência" mas será que a presidência sairá do Lula? Entretanto com a noticia de que "ela" deverá substituir o Meirelles do Banco Central, dá a entender que ou ela agirá por convições próprias ou por convições de terceiros, muito piores do que pelas convições do Lula. É a minha impressão. Não faço a menor idéia se o Meirelles desejava sair ou permanecer.

    0