Mantega ataca de novo, editorial do Estadão

Publicado em 28/11/2010 07:25

Perigo à vista: o ministro Guido Mantega teve mais uma ideia. Agora ele propõe uma trapalhada para o próximo governo - usar um índice especial de inflação para baixar os juros mais velozmente. 

Se essa lambança for executada, as metas oficiais serão desmoralizadas, como ocorreu na Argentina, o combate à inflação será relaxado e toda a estratégia dos próximos quatro anos poderá ser prejudicada. Convidado pela presidente eleita para permanecer no posto, o ministro deu uma entrevista coletiva e prometeu uma gestão séria, renegando implicitamente seu currículo. A mudança foi desmentida rapidamente por ele mesmo. 

A ideia é adotar um IPCA sem combustíveis e sem alimentos para servir de referência para a meta de inflação e para a política de juros. Mas o Banco Central (BC), o mercado financeiro e muitas consultorias já dispõem de índices desse tipo. O expurgo do índice permite obter o chamado núcleo de inflação. A exclusão dos itens mais instáveis ou das variações extremas pode ajudar na avaliação da tendência geral dos preços. 

A técnica é usada em muitos países. O BC leva em conta esse tipo de informação ao fixar os juros. Mas não se baseia só nesses dados, porque sua missão é atingir um alvo definido em termos do IPCA cheio, isto é, com todos os componentes. Pode-se corrigir qualquer erro de avaliação num prazo curto, porque a política é revista a cada 45 dias. Tem havido muito mais acertos do que erros. 

No Brasil, a maior parte dos preços flutua livremente. Uma alta sazonal ou acidental é compensada num prazo razoável por uma queda. Mas é perigoso apostar, sempre, no recuo dos preços de alimentos e de combustíveis. Pode haver longos períodos de alta, não apenas em consequência de mudanças nas condições de produção e de consumo, mas também de alterações financeiras. Produtos agrícolas, petróleo e outras commodities são objetos do jogo financeiro tanto quanto ações, títulos de crédito e moedas. 

Núcleos de inflação podem dar informações importantes, quando avaliados com discernimento. Mas concentrar a atenção em dados como esses pode levar a resultados desastrosos. O exemplo mais evidente é o erro cometido pelo Federal Reserve, o banco central americano, ao manter os juros muito baixos por muito tempo. Os condutores da política levaram em conta um número muito restrito de preços, quando deveriam ter dado importância à especulação nos mercados de commodities. Da mesma forma, deveriam ter estado atentos à formação da enorme bolha no setor imobiliário. 

O ministro Mantega parece não ter percebido ou interpretado corretamente esses fatos. Para produzir uma boa política monetária e financeira é preciso levar em conta um número maior - e não menor - de informações. O núcleo de inflação só é útil porque é um dado a mais, isto é, porque propicia uma perspectiva adicional para o exame do índice cheio. Não é bom por apresentar menos informações, mas por enriquecer o conjunto. Além disso, as pessoas pagam os preços da inflação cheia, não da expurgada, e um persistente erro de avaliação pode causar muito mal, especialmente aos pobres. 

O ministro Mantega tem um longo currículo de trapalhadas e de mágicas desastrosas. Ele tem exercido o seu talento principalmente na tentativa de maquiar as contas do governo e, de um modo especial, o endividamento público. Se cuidasse melhor da política fiscal, contendo a gastança e preservando o Tesouro de operações promíscuas de financiamento, a economia seria mais saudável e seria mais fácil baixar os juros. O caminho é esse. A presidente eleita não deve maquiar a política de preços e de juros, mas promover com urgência o expurgo das más ideias. 

Também deve recomendar boas maneiras a seu pessoal. Segundo o ministro Mantega, o economista Alexandre Tombini, escolhido para presidir o BC, "não vai titubear" quando tiver de prejudicar o setor financeiro, por ser funcionário público de carreira. O atual presidente do BC, Henrique Meirelles, dirigiu um banco privado e seu desempenho no governo é muito superior ao do ministro da Fazenda. Essa diferença, reconhecida internacionalmente, talvez explique a descortesia do ministro. Mas não a justifica. 

Não vamos mudar índice de inflação oficial, diz Mantega

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, rebateu as críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a ideia do governo de criar um novo índice de inflação. "O ex-presidente não entendeu o que falei. Não estamos propondo um novo índice oficial de inflação do País", disse Mantega à Agência Estado, por meio de sua assessoria de imprensa.

A inflação oficial é medida pelo IPCA. A proposta em discussão do ministro, segundo a sua assessoria, é a de que os contratos que hoje são indexados pelo IGP-M sejam substituídos gradualmente por um novo índice - que não sofra tanta influência de fatores externos, como os preços de commodities, e variações climáticas que afetem o preço dos alimentos.

Para o ministro, há fatores que afetam os índices de inflação que não estão "ligados à economia brasileira". De acordo com Mantega, o IPCA continuará como o índice oficial do País. A discussão de forma alguma tem como objetivo mudar a correção dos contratos já existentes.

O ministro destacou que foi no governo FHC que o IGP-M foi usado como índice de correção dos contratos. Para Mantega, isso foi equívoco de FHC porque o uso do IGP-M traz a "inflação de commodities" para dentro do País. "Quando assumimos a indexação foi mudada nos novos contratos", disse Mantega, via assessoria de imprensa. O ministro lembrou ainda que, depois da privatização, o governo FHC adotou o IGP-M para corrigir os contratos de concessão de serviços públicos, que forma a maior parte dos chamados preços administrados.

Em entrevista, o ex-presidente Fernando Henrique disse que a modificação poderia criar a suspeita de que o indicador de inflação não a mede, de fato.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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1 comentário

  • Telmo Heinen Formosa - GO

    FHC falou que o ministro Mantega tem um longo currículo de trapalhadas e de mágicas desastrosas. Ele tem exercido o seu talento principalmente na tentativa de maquiar as contas do governo e, de um modo especial, o endividamento público. Se cuidasse melhor da política fiscal, contendo a gastança e preservando o Tesouro de operações promíscuas de financiamento, a economia seria mais saudável e seria mais fácil baixar os juros. O caminho é esse. A presidente eleita não deve maquiar a política de preços e de juros, mas promover com urgência o expurgo das más ideias. Seundo eu penso, todos eles pecam quando tentam atuar sobre os efeitos em vez de atuar sobre as causas.

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