Expansão de crédito cria poder aquisitivo ilusório

Publicado em 30/11/2010 08:35

O mês de outubro, de modo geral, é marcado pelo início da expansão de crédito. Mas em outubro deste ano, graças à elevação dos salários, o crédito cresceu mais do que nos anos anteriores. 

Em outubro do ano passado o crédito aumentou 1,4%. Este ano o aumento foi de 1,9%, em relação ao mesmo mês de 2009, e de 20,3%, em 12 meses. O crédito já representa 47,2% do Produto Interno Bruto (PIB), devendo terminar o ano na marca dos 50%, o que colocaria o Brasil no nível dos países avançados, embora aqui a distribuição da renda seja bem diferente. 

Essa criação de liquidez tem algo de artificial, o que sugere um possível aumento da inadimplência dentro de alguns meses. 

Os dados do Banco Central relativos ao crédito são, de fato, preocupantes. O endividamento do brasileiro representa 23,8% de sua renda, e é maior que o dos norte-americanos (17%).

Os financiamentos para aquisição de veículos aumentaram 36,2% em dez meses - e 2,7% apenas no mês de outubro.

Nos créditos imobiliários houve um crescimento de 42,4% nos dez primeiros meses do ano, devendo-se considerar que parte desses financiamentos foi feita por investidores que se querem aproveitar logo do aumento do preço dos aluguéis, que pode sofrer significativa redução com o aumento da oferta de imóveis. Além disso, parte importante da aquisição de imóveis foi realizada por famílias que estão contando com um aumento da renda no mesmo ritmo verificado neste ano.

A análise do volume dos empréstimos em 12 meses indica que 26,6% correspondem a pessoas físicas que dependem de salários e somente 15,5% de pessoas jurídicas que dependem de benefícios. Há, entretanto, uma enorme diferença entre esses dois casos. As famílias pagaram juros de 40,4% ao ano, por empréstimos cujo prazo médio foi de 538 dias corridos, enquanto as empresas pagaram 28,7% para operações de 383 dias, sem falar dos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), muito mais vantajosos para realizar investimentos. As concessões de crédito consignado tiveram queda, em outubro, de 14,8%, em razão da greve dos bancos.

Até agora a inadimplência está em 6% do montante dos créditos tomados pelas pessoas físicas. Isso se deve à conjuntura favorável, que permitiu reduzir drasticamente o desemprego e elevar os salários, especialmente no setor público. A história nos ensina que anos de boom não se sustentam. As perspectivas para o futuro podem mudar profundamente. 

A bolha vai estourar? por Heitor Mello Peixoto

O Brasil vive um boom imobiliário. Milhões de famílias adquirem o primeiro imóvel, mudam para um maior ou investem num ativo real que tende a se valorizar com o tempo. É uma euforia geral. Nunca antes neste país o preço dos imóveis subiu tanto em tão pouco tempo.

Um amigo, por exemplo, vendeu há três anos um imóvel de dois dormitórios nos Jardins, em São Paulo, por R$ 160 mil. Hoje esse imóvel custa R$ 450 mil - valorização de 30% ao ano por quatro anos consecutivos. Um retorno invejável se comparado a outras aplicações. Pesquisa da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp) revela que o preço do metro quadrado de imóveis de dois dormitórios em São Paulo subiu 42,86% no primeiro quadrimestre de 2010, na comparação com igual período de 2009. Segundo cálculos do administrador de investimentos Fabio Colombo, o capital investido no período em CDIs valorizou-se 9,19% e na caderneta de poupança, 6,68%. Em ouro, teve desvalorização de 6,84% e, em dólar, retração de 23,83%. Outro estudo da Embraesp mostra que o preço médio do metro quadrado do apartamento de um dormitório subiu 75% entre 2008 e 2010.

A questão é: esse crescimento é sustentável? Vivemos uma bolha imobiliária?

Para o grande grupo que afirma que não (banqueiros, investidores e construtores), esse crescimento é sustentável e a tendência é de mais alta nos preços. Essa maioria argumenta que o crédito imobiliário no País é baixo em relação ao PIB, algo em torno de 2%, insignificante se comparado aos 68% nos EUA, 75% na Inglaterra ou 20% no Chile. Também aponta o grande déficit habitacional do País, a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 como impulsores do crescimento do setor.

Não nos vamos iludir. Vivemos uma bolha imobiliária e ela pode estourar em breve. Alguns "sinais periféricos", no jargão dos futuristas, nos levam a pensar assim.

Regras básicas do negócio de imóveis: um pronto vale mais do que na planta, o aluguel gira em torno de 0,5% a 1% do seu valor, o preço do metro quadrado de dois semelhantes varia consideravelmente se tiverem "idades" muito diferentes. Para uma boa compra, muita pesquisa e paciência. Tais regras não valem atualmente.

Pode parecer sedutor um apartamento na planta no litoral sul de São Paulo vendido pelo mesmo preço de outro já pronto no mesmo empreendimento, em outra torre, com melhor localização. Mas o valor é parcelado, terá incidência de juros após a entrega das chaves. Tão estranho quanto isso é o fato de esses imóveis serem vendidos pelo mesmo preço de uma cobertura vizinha, pronta há três anos, mas com o dobro da área útil.

E por que pagar 50% a mais pelo metro quadrado por uma diferença de apenas três anos entre os imóveis, já que as demais condições (localização, infraestrutura, etc.) são as mesmas? A justificativa do corretor é a grande alta no preço dos terrenos nos últimos três anos. Ah, bom, então está explicado! Imóveis têm sido vendidos no prazo de uma semana - o prazo normal era de meses e até anos em épocas anteriores. Quebras de lógica assim já ocorreram no boom dos negócios da internet, no final dos anos 1990, e no boom dos flats em São Paulo, no início dos anos 2000. Ambas viraram bolhas que estouraram.

Recente reportagem na TV mostrou um casal que foi passear num shopping, entrou no estande de uma construtora e saiu com apartamento novo. Compra de apartamento por impulso? Essa é nova. Os aluguéis reforçam a suspeita. Em tese, a locação de um imóvel que duplicou de preço deveria também dobrar. Mas a renda do inquilino não duplicou no mesmo período. Se esses aumentos generalizados forem absorvidos pelo mercado, causarão pressão inflacionária generalizada pelo País. Imóveis residenciais para todas as faixas de renda e comerciais de todos os tamanhos sofrem alta. Pesquisa da Cushman & Wakefield aponta, por exemplo, que o preço em reais de locação do metro quadrado comercial de alto padrão, no Rio de Janeiro, subiu 60% entre o terceiro trimestre de 2009 e o terceiro trimestre de 2010.

Essa pressão inflacionária, se somada a outras possíveis, como o aumento da taxa de câmbio, pode desencadear inflação, já que um quinto dos bens consumidos hoje no Brasil provém do exterior. Mais inflação significa aumento da correção e do valor das parcelas de financiamentos superior ao que muita gente pode pagar. Começaria uma onda de inadimplência. Resultado: algo semelhante à crise do subprime americano. E lá a taxa de juros do crédito imobiliário é de 5%, ante os 12% daqui.

Se os aumentos de aluguel não forem absorvidos pelo mercado, o investimento em imóveis deixaria de ser interessante, pois o valor da locação cairia muito em termos porcentuais em relação ao valor do imóvel. Investidores teriam de vender "estoques" e buscar algo mais rentável, desencadeando uma onda de vendas, contribuindo para estourar a bolha.

O brasileiro, em geral, calcula se a parcela cabe no salário, esquece taxas de juros, manutenção, impostos e fator de correção monetária escolhido. Também nunca teve tanta disponibilidade de crédito, e aproveita - para imóvel, carro, eletrodomésticos, computador, etc. Recente Relatório de Inflação do Banco Central informa que as dívidas "comem" 23,8% da renda dos brasileiros, ante 17,02% dos americanos. E se a inflação subir? E se a China parar de crescer tanto? E se todo esse dinheiro estrangeiro que inunda o Brasil deixar o País em busca de outras praias, como será o dia seguinte? Em tempo: há uns dois anos não víamos tantos anúncios de imóveis novos em jornais com comparativos de preços por metro quadrado. Será um sinal de mudança no rumo dos ventos?

Agora é acompanhar a escolha de toda a equipe de Dilma, a inflação, a entrada de recursos no País, o desemprego e o mercado imobiliário em si. Sinceramente, espero estar errado. Mas não vou investir no mercado imobiliário até 2012.

SÓCIO-FUNDADOR DA EYESONFUTURE (WWW.EYESONFUTURE.COM.BR), CONSULTORIA ESPECIALIZADA EM CENÁRIOS EMPRESARIAIS, FOI SÓCIO-FUNDADOR DA BUSINESS SCHOOL SÃO PAULO (BSP) 

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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