O BC e o repique da inflação, editorial do Estadão

Publicado em 10/12/2010 08:23

Derrubar a inflação poderá ser o primeiro desafio econômico do próximo ano. Os aumentos ganharam força em novembro e o IPCA, o indicador oficial, subiu 0,83%, na maior alta desde abril de 2005. Apesar disso, a decisão de aumentar os juros ficou para janeiro, quando o Brasil já terá um novo governo e o Banco Central (BC) estará sob nova direção, presidido pelo economista Alexandre Tombini. Em sua última reunião no governo Lula, o Comitê de Política Monetária (Copom) resolveu manter em 10,75% ao ano a Selic, a taxa básica da economia. Em nota distribuída na quarta-feira, logo depois da reunião, o Copom reconheceu a piora do cenário, mas alegou já haver tomado na semana anterior medidas para conter a expansão do crédito e do consumo. 

Essas medidas, segundo uma fonte do BC, poderão produzir efeito semelhante a um aumento de juros de um ponto porcentual. Sem alarde, portanto, a autoridade monetária já terá tomado, antes da reunião do Copom, medidas bastante fortes para impor um freio aos preços. 

Apesar disso, a nota de quarta-feira não descarta a hipótese de novo aumento de juros, no começo do ano, se o cenário continuar desfavorável. O Copom voltará a reunir-se em 18 e 19 de janeiro. 

O primeiro dia, como sempre, será dedicado a um exame amplo da economia, com atenção especial às pressões inflacionárias. A decisão sobre os juros será tomada no dia seguinte. Não haverá aumento, se as pressões estiverem mais brandas e a meta de 4,5% parecer alcançável. Mas parece precipitado dar como certa essa melhora.

Segundo os mais otimistas, até lá os preços dos alimentos poderão perder impulso e isso derrubará a inflação. Há um evidente ponto fraco nessa hipótese: o custo da alimentação, nesta altura, é apenas parte do problema, embora seja, sem dúvida, uma parte muito importante.

Entre outubro e novembro as pressões inflacionárias se tornaram mais espalhadas, como confirmou o indicador de difusão. A parcela dos itens com elevações de preços passou de 64,84% para 67,19%, segundo cálculo da Rosenberg & Associados.

Os núcleos, estimados com exclusão dos componentes considerados mais instáveis, também mostraram aceleração nos aumentos. Os especialistas trabalham com vários tipos de núcleos e todos confirmaram a tendência de aumentos mais fortes e generalizados.

No dia seguinte à reunião do Copom, a Fundação Getúlio Vargas divulgou seu Índice Geral de Preços - DI. A alta foi de 1,58%, bem maior que a do mês anterior (1,03%). Esse índice é formado por três grandes componentes: preços ao consumidor, preços ao produtor e custo da construção. O primeiro aumentou 1% em novembro. Em outubro havia subido 0,59%. As altas se intensificaram nas sete classes de despesas de consumo e não só no grupo dos alimentos.

O quadro dos preços ao produtor é especialmente interessante e confirma a aceleração de aumentos de todos os grupos de preços. As cotações dos agropecuários subiram 4,13% em outubro e 5,56% em novembro. A elevação de preços dos bens industriais passou de 0,39% para 0,75%. Quando se tomam os bens finais com exclusão dos alimentos in natura e dos combustíveis, a tendência se torna mais clara: a variação mensal saltou de 1,21% em outubro para 1,69% em novembro.

Todos esses dados apontam para os efeitos da demanda muito aquecida. O encarecimento dos produtos agropecuários pode ser explicado pela combinação de vários fatores - condições sazonais, piora da oferta nos mercados internacionais e especulação financeira nas bolsas de commodities. Mas a difusão dos aumentos seria bem menor, se os consumidores estivessem menos dispostos a gastar mais.

Seu otimismo tem sido sustentado pela multiplicação dos empregos, pela alta dos salários e também pela rápida expansão do crédito pessoal. O excesso da despesa pública é parte importante, naturalmente, desse quadro. Os entraves ao crédito anunciados pelo BC na semana passada poderão mudar esse quadro, mas a extensão do efeito ainda é desconhecida, Por isso ainda é muito provável um novo aumento dos juros em janeiro. 

Restos a pagar, por  Almir Pazzianotto

Fechadas as contas de oito anos de governo Lula, o balanço político indicará a existência de volumosa dívida, a que podemos dar o nome, em linguagem contábil, de "restos a pagar".

Não me preocupo com promessas de campanha, porque só comprometem aqueles que as ouvem, como advertia o presidente da França Charles de Gaulle. Habitualmente são tantas, e tão levianas, que o eleitor sensato não lhes dá atenção.

Abordo, entre as dívidas contabilizadas, três que julgo das mais relevantes: reforma sindical, acompanhada de reforma trabalhista; greve no serviço público; e terceirização.

Jamais dei crédito à alardeada reforma sindical, embora a considere indispensável para a erradicação do peleguismo. Quando era dirigente sindical, e gerava esperanças de renovação nesse pantanoso terreno, o presidente Lula não se cansava de renegar o peleguismo, que apontava como um dos piores problemas das classes trabalhadoras, em discursos de porta de fábrica. Já na Presidência da República, após o malogro do Fórum Nacional do Trabalho, esqueceu-se do assunto. Lembro-me de que, ao vetar dispositivo de lei que impunha prestação de contas do dinheiro arrecadado por meio da Contribuição Sindical fixada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o presidente declarou que não poderia colocar-se contra a liberdade sindical. Confundiu liberdade de associação com liberdade de dilapidação, para livrar de investigação, pelo Tribunal de Contas da União, centenas de milhões de reais, cujo destino, ano após ano, ninguém identifica.

Nada há de tão anacrônico, no mundo desenvolvido e democrático, semelhante ao sindicalismo pelego que envenena a vida nacional. Erguido sobre o monopólio de representação, com dirigentes perpetuados via eleições fraudulentas, pagos com dinheiro proveniente de recolhimentos compulsórios, não consegue sobreviver, desde que assim foi criado por Getúlio Vargas, senão à sombra do governo.

Entre os restos a pagar deixados à presidenta (como deseja ser chamada) Dilma Rousseff, ocupa lugar de relevo a questão sindical, que seria solucionada mediante a ratificação da Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo decreto de autorização dorme, porém, no Congresso Nacional desde 1949, quando o País era governado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra.

Em paralelo com a reforma sindical, deveria ter sido iniciada a reforma trabalhista. Diversamente do que teria dito a presidente eleita Dilma a empresários, quando ainda candidata, não se cogita da eliminação de direitos, mas do combate à insegurança jurídica que permeia as relações do trabalho, responsável pela torrente de processos anualmente ajuizados na primeira instância do Judiciário Trabalhista. Apenas em 2009 deram entrada 2.107.448 causas e em 2010, até agosto, 1.360.832. Por mais dedicados que sejam juízes, desembargadores e ministros, não conseguem assegurar a "razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", salvo se desprezarem o amplo direito de defesa.

Outra dívida pesada resulta da ausência de regulamentação da greve do servidor público, prevista no artigo 37, inciso VII, da Constituição federal. Desde outubro de 1988, espera-se iniciativa nesse terreno, evitada por sucessivos presidentes da República pelo receio de se indisporem com o funcionalismo civil.

O compromisso deixou de ser resgatado pelo presidente Lula porque apenas dele poderia partir o projeto de lei a que se refere o mencionado inciso VII.

Não há nada mais ofensivo ao cidadão do que paralisação remunerada de servidores, pagos com dinheiro dos cofres públicos. À falta de lei específica, nunca se sabe o que fazer com o objetivo de lhe dar solução. Daí a razão de, uma vez deflagrada, prosseguir durante semanas e meses, trazendo o colapso de atividades essenciais e inadiáveis à população.

Quando a paralisação se dá em empresa privada, são simples e conhecidos os remédios legais. Se os grevistas invadem ou impedem o acesso a prédio público, não se sabe o que fazer. Obstruído o acesso a instalações do Poder Judiciário, como já ocorreu, não há a quem apelar, pois seria, no mínimo, curioso observar o magistrado recorrendo a ele mesmo, ou a colega, para deferimento da medida de proteção conhecida como interdito proibitório.

Por último aponto, como resto a pagar, legislação regulamentadora da terceirização.

Apesar da legalidade que caracteriza a terceirização, reconhecida em pelo menos quatro normas legais - o Decreto-Lei 200/67, que permite à administração pública descentralizar serviços executivos, mediante contratação de empresa privada; a Lei n.º 6.019/74, relativa à prestação de trabalho temporário; a Lei n.º 7.102/83, que trata da vigilância em instituições financeiras; e a Lei Geral das Telecomunicações -, representantes do Ministério Público do Trabalho insistem em combatê-la, como se fosse prática criminosa.

O presidente Lula deixa o governo com muita popularidade. Não há como contestar a firmeza do real e o controle da inflação. Por outro lado, é impossível ignorar que, com 190 milhões de habitantes e no oitavo lugar enquanto economia, o Brasil encontra-se na 127.ª posição, entre 184 países, como cenário de negócios, segundo estudos do Banco Mundial. Perde, de longe, para Portugal, México, Peru, Tunísia e Mongólia. Contribuem para a constrangedora situação a burocracia no abrir ou fechar empresas, a carga tributária, a legislação trabalhista, o peleguismo sindical, a insegurança jurídica e a lentidão do aparato judicial.

A sra. Dilma Rousseff é legatária de problemas que têm sido pouco ventilados. Está disposta a enfrentá-los? Ao povo só resta cobrar e esperar.

ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 

O PIB do 3º trimestre é altamente desequilibrado

O Produto Interno Bruto (PIB) apresentou um crescimento de 0,5% no terceiro trimestre do ano, ante 1,8%, no segundo trimestre, e 2,3%, no primeiro. É uma desaceleração positiva, pois o ritmo do primeiro trimestre teria conduzido a pontos de estrangulamento favoráveis à inflação.

Isso dito, é necessário destacar alguns pontos negativos da evolução do PIB no terceiro trimestre, tanto em relação ao trimestre anterior quanto ao mesmo trimestre do ano passado. Na ótica da produção, houve redução de 1,5% na agropecuária, de 1,65% na indústria de transformação e de 2,3% na construção civil. Em compensação, o setor de intermediação financeira cresceu 3,1% e o de comércio, 1,4%.

Na ótica da demanda, tivemos uma elevação de 1,6% do consumo das famílias, ante 0,9% no segundo trimestre; de 3,95% na Formação Bruta de Capital Fixo, a FBCF (investimentos), ante 4,3% no segundo trimestre; de 2,4% das exportações (consequência do preço das commodities), ante 0,1%; e de 7,4% das importações, ante 5,9%. Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, as importações aumentaram 40,9%.

O crescimento está desequilibrado. O consumo das famílias é positivo e o da indústria de transformação, negativo. A FBCF cresceu muito, chegando a 19,4% do PIB, ainda inferior à de 2008 (20,6% do PIB), enquanto a taxa de poupança ficou em 18,5% do PIB, o que leva a recorrer à importação e à poupança externa.

O consumo da administração pública não cresceu no terceiro trimestre, em relação ao segundo, mas foi 4,1% maior do que no mesmo trimestre do ano passado, o que levou a necessidade de financiamento do setor público a R$ 24,1 bilhões, ante R$ 12 bilhões no terceiro trimestre de 2009. Isso mostra que o governo deveria ter maior poupança para financiar seus investimentos.

Seria importante um crescimento menos ambicioso, mas mais equilibrado, no novo governo. Não pode continuar esse desequilíbrio entre a produção da indústria de transformação e o consumo das famílias, que conduz a um aumento das importações e contribui para o desequilíbrio das transações correntes, agravados pela infraestrutura antiquada que prejudica a capacidade de concorrência de nossa indústria em relação aos produtores estrangeiros.

Talvez se possa concluir que caberia conter o crescimento da demanda no que ele tem de artificial (excessivo aumento do crédito por exemplo), para propiciar uma formação de poupança à altura das necessidades de investimentos. 


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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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