Repórter do Estadão flagra invasão do MST no Pontal

Publicado em 16/01/2011 17:11

O capataz Carlos Eduardo dos Santos, de 30 anos, estava no curral ordenhando uma vaca girolanda quando avistou o comboio de carros, motos e kombis avançando pasto adentro, às 7h50 deste domingo,, em Presidente Bernardes, no Pontal do Paranapanema, extremo oeste do Estado de São Paulo. Ao ver as bandeiras vermelhas içadas sobre os carros, interrompeu o serviço, pegou o balde de leite e gritou para a esposa: "Bem, ligue para o patrão e avise que o MST está aí de novo."

A fazenda Guarani, é uma das 31 propriedades rurais invadidas ou bloqueadas por acampamentos na região durante o final de semana pelo grupo do Movimento dos Sem-Terra (MST) liderado por José Rainha Júnior. Em todo o "janeiro quente", a jornada do movimento para cobrar a reforma agrária invadiu 34 áreas e três repartições públicas.

A reportagem flagrou a invasão da Guarani. O comboio com 16 veículos - carros, motos e peruas - e 50 pessoas partiu do acampamento Zé Maria, pegou a SP-563 e se deslocou até a porteira da propriedade. Os sem-terra arrebentaram o cadeado para abrir o portão. Dois quilômetros à frente, sob algumas árvores, o comboio parou e tudo o que havia dentro e sobre os carros - bambus, arames, lonas, colchões, panelas, garrafas PET e até barracas de montar - foi posto sobre o capim. Um grupo muniu-se de enxadões e cavadeiras e começou a montar os barracos. Outro improvisou um fogão para preparar a comida. O gado, assustado, correu para o outro lado do pasto.

O coordenador Cícero Bezerra de Lima começou a distribuir tarefas. Ele disse que a fazenda tem cerca de 500 hectares e já foi considerada devoluta pela Justiça. "Está em processo de desapropriação, mas a demora é grande. Dá para assentar umas 30 famílias aqui." O sem-terra Hélio de Souza, de 60 anos, e sua mulher Maurize, de 58, erguiam o seu barraco de lona preta sobre uma estrutura de bambus. Ele contou que o casal vive em acampamentos desde março de 2003. "A gente não conseguia mais pagar aluguel."

As irmãs Elisângela Júlio dos Santos, de 27 anos, e Juliana, de 21, foram incumbidas de vigiar a porteira. Uma inovação, já que a tarefa é usualmente confiada a homens de aparência truculenta. "É a vez das mulheres, não vê a Dilma presidente?", justificou Juliana, sem-terra que já fez curso de modelo.

Elisângela conta que os pais são assentados ali perto, no assentamento São Jorge, há 14 anos. Na mesma casa, além do casal, moram seis filhos adultos e oito crianças. "Quatro são meus filhos e agora estamos lutando para termos o nosso cantinho."

Duas viaturas da Polícia Militar chegaram uma hora depois da invasão. Os policiais anotaram as placas dos veículos e pediram os documentos dos invasores, mas ninguém entregou, alegando que não os portavam. Os nomes que forneceram foram anotados.

O capataz disse que, para o dono da fazenda, Nilson Rigas Vitalle, já tinha virado rotina registrar boletim de ocorrência e entrar na Justiça com pedido de reintegração de posse. "Estou aqui há 11 anos e perdi a conta de quantas invasões foram, sei que mais de dez." Mesmo assim, fazenda continua produtiva, segundo ele. "São 800 bois em engorda." Santos disse que, em algumas ocasiões, os sem-terra foram violentos e fizeram estrago, mas não quis dar detalhes. "À noite, quem fica aqui com eles sou eu e minha família."

Rainha disse ter mobilizado mais de 5.000 pessoas para a onda de invasões. Pela sua contabilidade, em oito das 31 áreas, os sem-terra acamparam do lado de fora, sem consumar a invasão. Foi o que ocorreu na vicinal de acesso à usina Alcídia, do grupo ETH, em Teodoro Sampaio.

Era ali que as amigas Rosineide do Espírito Santo, de 40 anos, e Cláudia Rodrigues Oliveira, de 35, iniciavam sua vida de sem-terra. As duas trabalham como faxineiras na cidade e diaristas no campo e querem um lote para melhorar de vida. "Depois que foi assentada, minha irmã passou a ter tanta fartura que até tem condições de hospedar um parente que chega", disse Rosineide, exibindo uma camisa com o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Eu votei na (Dilma) Rousseff", disse, sobre a nova presidente.

Para o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, os números divulgados pelo MST estão superfaturados. "Tem fazenda que eles disseram ter invadido, mas o dono me disse que ninguém entrou, nem está acampado." Para Rainha, há casos em que o proprietário demora a ficar sabendo da invasão. "Muitos estão na praia, de férias."

A Polícia Militar não tinha, até a tarde deste domingo, 16, dados sobre todas as ações. No Pontal e na Alta Paulista, os comandos regionais contabilizavam 12 invasões, mas o levantamento na região de Araçatuba deve ser divulgado hoje. As primeiras reintegrações de posse para a retirada dos invasores foram dadas ontem para donos de fazendas em Monte Castelo, Rinópolis, Iacri e Tupã, na Alta Paulista. Rainha disse que os sem-terra vão cumprir as ordens judiciais.

Rainha quer terras para assentar 8 mil

Sem-terra querem áreas que a Justiça já considerou devolutas; total chega a 200 mil hectares



O líder da ala do Movimento dos Sem-Terra (MST) que turbinou o "janeiro quente" com uma onda de invasões no oeste paulista quer que o governo assente 8.000 famílias na região. O foco principal de José Rainha Júnior e grupos aliados são as terras que, segundo ele, a Justiça já considerou devolutas. Somadas, as áreas chegam a 200 mil hectares. Ele reclama que a justiça só é rápida "para um lado".

Qual o objetivo das ações do chamado "janeiro quente"?

Só a nossa base, que inclui os movimentos aliados, tem 8.000 famílias cadastradas no Incra à espera de um lote. Muitas famílias estão acampadas há seis, sete anos. Enquanto isso, tem terras devolutas que, somadas, chegam a 200 mil hectares. São os 92 mil do 15º Perímetro que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já julgou e as terras de outros dois perímetros que serão julgadas agora. Eu não tenho dúvida de que a Justiça também vai reconhecer como terras públicas. O que o governo estadual precisa fazer é se entender com o governo federal e antecipar a obtenção dessas terras. Pode ser através de acordo com o fazendeiro. No caso das usinas que estão sobre as áreas, não sou a favor de fechar uma usina que gera emprego e renda, mas os empresários podem comprar outra área e destinar para a reforma agrária.

O que pode ser feito para resolver esses conflitos na região?

Arrecadar terras, mas isso depende do governo e da Justiça. O governo estadual precisa acelerar a arrecadação das terras públicas. O federal precisar rever os índices de produtividade, pois com os atuais não se arrecada nada, e mudar a lei para pagar em dinheiro pelas benfeitorias. A Justiça também precisa ser mais rápida. Hoje, ela é rápida só para um lado. Veja que, mesmo no fim de semana, alguns juízes já deram liminar para despejar os sem-terra. Se a Justiça for sempre rápida assim, parabéns.

UDR culpa governo por ações no Pontal

Ruralista afirma que reforma agrária virou uma forma de ganhar dinheiro e que o MST está à procura de um mártir

16 de janeiro de 2011 | 15h 45

Para o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan Garcia, as invasões na região do Pontal do Paranapanema são "crimes anunciados". Ele culpa o governo federal por incentivar indiretamente as ações do MST e o estadual por questionar na justiça a legitimidade da posse dos produtores rurais que colonizaram a região. Diz que a reforma agrária virou uma forma de ganhar dinheiro e que o MST está à procura de um mártir.

Como os fazendeiros estão reagindo às invasões?

Estão orientados para agir dentro da lei, pedindo na justiça a reintegração de posse imediata e a identificação dos invasores. Pedimos que não reajam, não façam nada, pois o MST está em busca de um mártir. Agora, essas invasões são um crime anunciado e premeditado. O líder deles avisou que faria e nenhuma autoridade se movimentou para impedir. A impunidade é que gera essa situação. O governo federal apoia esses grupos, abre os cofres. A reforma agrária virou uma maneira de ganhar dinheiro, basta ver quantas cooperativas do MST estão envolvidas em desvios.

Existe uma forma de acabar com esses conflitos?

O governo do Estado teria de parar com essa história de dizer que as terras aqui são devolutas. Tira a terra do produtor que trabalha nela há 150 anos e entrega para quem não produz. É inaceitável expulsar quem comprou, pagou os impostos e está produzindo e entregar para foras da lei. Nas terras que eles dizem ser devolutas tem usinas, resultado de um investimento de R$ 3 bilhões, que geram 10 mil empregos diretos e indiretos na região. Vão tirar as usinas também?

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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