Oportunismo ambiental, por Denis Lerrer Rosenfield

Publicado em 01/02/2011 06:32

Se um extraterrestre aterrissasse no Brasil após a tragédia no Rio de Janeiro, lendo certos jornais e notícias de algumas ONGs ambientalistas, não hesitaria em considerar o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) um criminoso, responsável pela morte de mais de 780 pessoas. Espantado com a enormidade da tragédia, logo diria, sem hesitar, que a revisão do Código Florestal fora a grande culpada pelo acontecido.

Mas, curioso, o extraterrestre procuraria informar-se melhor, acessaria o site do Greenpeace e depararia com uma matéria intitulada A receita da tragédia, na qual a "turma da motosserra" seria, também, a verdadeira responsável por tudo. Ou seja, os ruralistas, o agronegócio e o deputado Aldo Rebelo seriam os culpados pela ocupação desordenada do solo nas regiões urbanas! Em apoio, a matéria cita ainda dois membros da mesma ONG com opiniões balizadas sobre o assunto. Isso seria o equivalente a pedir a uma mãe judia ou italiana uma opinião isenta sobre o seu filho. A parcialidade seria manifesta!

O extraterrestre, no entanto, não seria uma pessoa politicamente correta, que embarcaria em qualquer história que lhe fosse contada. Há muito se teria vacinado contra tal tipo de posição. Seria apenas uma pessoa interessada na verdade, atenta aos fatos e informando-se nas mais diferentes fontes.

Atento, começaria ele por se indagar sobre conexões causais mínimas, que devem, logicamente, seguir um critério de temporalidade. O efeito, por exemplo, deve ser - esta é uma condição lógica - posterior à causa. A filha não pode ser a causa do nascimento da mãe. A revisão do Código Florestal está em discussão na Câmara dos Deputados, não tendo sido ainda aprovada. Uma vez aprovada, deverá seguir para o Senado e, depois, para a sanção presidencial. Logo, se ela não vigora, como poderia ser a causa da tragédia? A causa deve ser necessariamente outra, que obedeça, pelo menos, a um nexo lógico e temporal.

Cidades têm uma legislação específica, que é a Lei de Parcelamento e Ocupação do Solo Urbano. É essa a lei que vigora nas áreas devastadas. Aliás, o próprio deputado Aldo Rebelo já se manifestou a respeito, declarando que seu parecer não introduz nenhuma alteração na lei em vigor, destinando-se à área rural. Uma questão sensata, portanto, é a de indagar se a lei foi seguida, a saber, fiscalizada, obedecida, nas cidades atingidas por essa tragédia. Talvez aí esteja a verdadeira receita da tragédia, e não em causas fantasiosas. Aliás, a quem interessa esse ataque despropositado à revisão do Código Florestal?

Tomemos um exemplo para melhor expor o absurdo do "argumento". Segundo alguns defensores ambientalistas, deveria ser proibido construir em topos de morros, aqueles que o tenham feito devendo restaurar a mata ou vegetação nativa. Tal medida valeria, ainda segundo eles, para cidades e para zonas rurais. Isso significa, então, que o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor deveriam ser removidos. O "argumento", levado a sério, leva a essa conclusão. Ainda do ponto de vista urbano, isso significaria, em muitas cidades brasileiras, como São Paulo, a remoção de casas e edifícios construídos à margem de rios, córregos e em várzeas. Ruas e avenidas de muitos centros urbanos simplesmente desapareceriam. Algumas cidades deveriam, mesmo, ser parcialmente reconstruídas.

Pessoas mais sensatas poderiam contra-argumentar que o que já foi feito, segundo a legislação vigente na época, deveria ser reconhecido como legalmente válido, não comportando nenhuma alteração. Ora, é isso que o deputado Aldo Rebelo defende em seu relatório, voltado, aqui, para a questão rural, atingindo agricultores familiares, pequenos, médios e grandes produtores, todos se encontrando numa mesma situação.

A sensatez, no entanto, não é um bem compartilhado pelo mundo do politicamente correto. Os seus defensores mais acerbos sustentam que, no que diz respeito ao direito ambiental, não há direito adquirido nem legislação que se contraponha a ele. O direito ambiental teria efeito retroativo, o que é uma enormidade, só defendida pelo nazismo.

O extraterrestre, além de afeito às leis da lógica, da temporalidade e causalidade, teria particular sensibilidade para fotos e imagens. Lendo jornais e vendo televisão, verificaria que áreas particularmente atingidas pelos deslizamentos são de mata nativa. Isso mesmo, mata nativa, e não áreas desmatadas. Talvez o problema tivesse origem, conforme essa ótica, num fenômeno natural, isto é, numa grande precipitação pluvial que teria encharcado uma terra de pouca espessura e densidade, sobre um terreno rochoso. A terra, encharcada, teria perdido a sua estabilidade e levado consigo a vegetação nativa.

As vítimas seriam pessoas cujas moradias foram irregularmente construídas abaixo dessa área instável, tendo sido levadas de roldão. Analogamente, isso seria o equivalente a "permitir" a construção dos mais diferentes tipos de moradia no sopé de vulcões ativos. Em consequência, a responsabilidade seria basicamente dos prefeitos e de suas equipes, que deixaram que essas construções fossem erigidas.

Primeiro, populações pobres começaram a levantar moradias em áreas de risco, com o beneplácito do poder público, graças a governantes populistas que pretendiam com isso faturar politicamente. Há discursos feitos em nome dos pobres que matam pobres. Segundo, moradias de ricos também foram construídas em algumas dessas áreas, graças, provavelmente, à venalidade da administração - e da fiscalização, em particular. Não há nenhuma relação com a revisão do Código Florestal.

Dotado de bom senso, o extraterrestre se perguntaria por que nenhum sistema de alerta funcionou a contendo. Já precavido, não culparia o deputado Aldo Rebelo, os ruralistas e o agronegócio, ainda que isso fosse "lógico", segundo o oportunismo ambiental. Saberia que projetos anunciados não foram realizados nem verbas federais, liberadas. Certos terráqueos têm cada uma!

PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS.

E-MAIL: [email protected] 

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Fonte:
O Estado de S.Paulo

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1 comentário

  • Giovanni Rezende Colinas do Tocantins - TO

    A ocupação do solo urbano deveria ser fiscalizado pelas prefeituras, pelas secretarias ou orgãos ambientais, ou pelo Ibama? Uma coisa é certa, Carlos Minc era secretário estadual do meio ambiente carioca antes de ser ministro. Quando ministro praticou o terrorismo que havia aprendido em sua juventude. Perseguiu produtores de alimentos, principalmente na Bahia, Mato Grosso, e Pará. Há tempos não ouve-se falar em deslizamentos em Salvador. Incompetente, mentiroso, terrorista, defensor da maconha, dentre outros, são bem conhecidos de sua personalidade e capacidade intelctual. Não vi nenhum comentário do ex-ministro sobre suas obrigações nas gestões estaduais e federal, em relação ao desastre ocorrido no RJ. Talvez seja melhor assim, pois toda vez que disse, ou fez alguma coisa relacionado a meio ambiente, foi um desastre. Não sei o que esse homem faz sa frente de uma "pasta" tão importantes para os cariocas, para os brasileiros, e para a humanidade. Infelizmente a Constituição não permite a pena de banimento, mas o Código Penal prevê pena para má aplicação de recursos públicos, e para improbidade administrativa. Cadê o Ministério Público para dar um jeito nele. Seria bom começar, por ele a responsabilização do ocorrido, para servir de exemplo a governantes inescrupulosos, afinal, uma das funções do direito penal é a preventiva.

    Conclamo a todos os brasileiros, que não se esqueçam de Carlos Minc, e ao Ministério Publico que tome as providências cabíveis.

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