Inflação, risco imediato, editorial do Estadão deste sábado

Publicado em 05/03/2011 15:38

A inflação continua sendo a maior ameaça ao consumidor brasileiro e o principal desafio imediato para o governo. Há sinais de arrefecimento da atividade econômica, mas não do consumo. Em fevereiro os índices de preços aumentaram pouco menos que em janeiro, mas não há razão para otimismo. O custo da alimentação continua em alta no atacado, a inflação dos serviços ganhou impulso e o mercado internacional de alimentos, petróleo e outras commodities permanece aquecido, espalhando pressões inflacionárias por todo o mundo. 

"Estamos extremamente preocupados com a alta de preços dos alimentos, em especial por causa de seu impacto nos mais pobres e mais vulneráveis", disse em Washington a diretora do Departamento de Relações Externas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Caroline Atkinson. Ela se referia principalmente às populações dos países menos desenvolvidos e mais dependentes da importação de comida, mas ninguém - mesmo nos grandes países produtores, como o Brasil - é imune aos desajustes no mercado global. 

Em fevereiro, o índice de preços de alimentos da FAO, a agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, ficou 2,2% acima do nível de janeiro e atingiu o ponto mais alto desde sua criação, em 1990. O aumento dos índices é explicável pelas condições mais apertadas de oferta (já conhecidas no ano passado), pela especulação financeira, favorecida pelos juros muito baixos no mundo rico, e pela corrida de alguns governos para formação de estoques. 

A crise política no Oriente Médio empurrou para cima os preços já elevados do petróleo, criando um duplo risco inflacionário. Além da pressão imediata sobre os preços dos combustíveis, o encarecimento do petróleo serve de base para a projeção de custos mais altos de produção agrícola neste ano. 

Diante desse quadro, a pequena melhora dos indicadores nacionais de inflação parece bem pouco significativa. 

No mês passado, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), produzido pelo IBGE e usado como referência para a política oficial, subiu 0,80%, pouco menos que em janeiro (0,83%). A maior parte do aumento resultou das despesas com educação, um problema sazonal. O custo de alimentos e bebidas subiu menos que no mês anterior. Houve uma evolução favorável, mas sobra pouco espaço para otimismo quando se examinam os preços ao produtor pesquisados pela Fundação Getúlio Vargas. 

Mais alguns números podem dar uma ideia mais clara da situação. O Índice de Preços ao Produtor Amplo aumentou 1,23% em fevereiro. No mês anterior havia subido 0,96%. A maior pressão veio do grupo "alimentos in natura", com variação de 6,28%, depois de uma taxa negativa de 1,33% em janeiro. As matérias-primas brutas encareceram 2,21%, pouco menos que no mês anterior (2,46%), mas em ritmo ainda acelerado. Somando-se a esse quadro os dados internacionais e a avaliação da FAO, ninguém poderá apontar um bom motivo de tranquilidade. 

Mas falta adicionar as condições particulares da economia brasileira. Os números do trimestre final de 2010 mostram uma clara tendência para o desequilíbrio entre oferta e demanda. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,5% ao longo do ano, mas sua expansão perdeu impulso nos meses finais. Entre outubro e dezembro o PIB foi apenas 0,7% maior que no trimestre anterior. Isso equivale a um crescimento anualizado de apenas 2,82%. Mas no mesmo período o consumo privado foi 2,5% maior que no terceiro trimestre, ritmo equivalente a 10,38% ao ano. 

Os dados parciais da indústria e do comércio no primeiro bimestre de 2011 mostram um mercado consumidor ainda aquecido, com o poder de compra das famílias fortalecido pelo alto nível de emprego, pelos ganhos salariais e pelo crédito ainda farto. No mês passado, a produção e as vendas de veículos foram recordes para os meses de fevereiro. Mesmo com a desaceleração econômica já perceptível em alguns setores, dificilmente o Banco Central poderá evitar novas altas de juros para frear os aumentos de preços. Nesse quadro, o Executivo tem justificativa muito mais que suficiente para conter seus gastos e contribuir para um pouso suave da economia. 

Governo terá dificuldades para reduzir a demanda

No ano passado foi dada prioridade para a demanda doméstica que, pelos dados do PIB, cresceu 7,0%, ante 4,2% no ano anterior. Aumento dos rendimentos, especialmente no setor público, crédito mais fácil e consignado e prazos largos de prestações impulsionaram essa expansão.

O inconveniente é que a produção industrial não conseguiu acompanhar a expansão, que foi atendida essencialmente por um aumento da importação numa economia de pleno emprego, o que favoreceu as pressões inflacionárias.

Existe um consenso: a economia brasileira não pode continuar mantendo uma taxa de 7,5% do PIB sem criar uma inflação que se tornaria incontrolável. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, admite um crescimento do PIB entre 4,5% e 5,0%, o que exige um forte afrouxamento da demanda doméstica.

A questão é de saber se, no contexto econômico atual, será possível controlar a demanda. Diversos fatores indicam que será uma tarefa muito difícil, embora a presidente Dilma Rousseff pareça firme nesse objetivo.

Já em fevereiro, com um aumento emblemático de 12,0 % nas vendas de automóveis, tivemos um aviso das dificuldades para conduzir a demanda doméstica a menores níveis.

O programa de austeridade fiscal agora lançado, mesmo implementado com firmeza, não será capaz de levar os gastos do governo federal para muito abaixo dos do ano passado. Temos um aumento do salário mínimo que se traduz em majoração das aposentadorias, uma elevação dos salários dos funcionários públicos, um peso maior das despesas com juros da dívida mobiliária interna e externa, e os desembolsos para a construção civil continuarão elevados.

Mesmo admitindo um aumento do desemprego, esse será pequeno e não afetará os trabalhadores especializados, cuja demanda continuará forte.

Está se verificando que as medidas tomadas em dezembro para esfriar a demanda têm um efeito muito limitado e que nem o aumento das taxas de juros, depois de dois aumentos sucessivos da Selic, está contribuindo para reduzir a demanda. O afrouxamento dessa é notado apenas nos gastos correntes (alimentação), pela elevação dos preços que, ao que parece, deverá persistir. No entanto, para os bens de valor mais elevado as famílias levam em conta apenas o montante da prestação mensal que permite adquiri-los. Somente uma regulamentação severa das vendas a prestações conseguiria reduzir realmente a demanda, medida que dificilmente o governo deverá adotar.

‘Alta de juros segura a inflação em 5,9%’

Avaliação é de Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central


A elevação dos juros nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) é apontada pelo ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola como chave para que o teto da meta de inflação não estoure neste ano.

Na avaliação do economista, com taxas mais altas será possível trazer a inflação para o centro da meta já em 2012. Ele alerta, porém, que a política econômica continuará sob pressão, em grande parte por causa do aumento previsto para o salário mínimo no ano que vem.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Por que as medidas adotadas pelo governo para desaquecer a demanda ainda não refletiram no consumo?

Os efeitos dessas medidas, principalmente do aumento de juros, não são imediatos. Por outro lado, os efeitos das medidas de contenção de crédito já são percebidos, basicamente sobre veículos e outros bens duráveis. Porém, na realidade, vemos que a pressão inflacionária está em serviços, e demora um pouco mais para essas medidas impactarem o setor.

Há mais o que fazer, além de medidas de restrição ao crédito e de aperto monetário?

Se o Banco Central (BC) mantiver a trajetória de alta dos juros nas próximas duas ou três reuniões do Copom, e isso significa subir os juros mais 1,5 ponto porcentual, a tendência é a inflação convergir para o centro da meta em 2012 e não estourar a meta este ano. Nossa previsão de inflação para este ano, se o BC continuar essa política, é de 5,9%, abaixo do teto da meta.

Os investimentos feitos na indústria nos últimos dois anos foram suficientes para aumentar a capacidade e atender a demanda sem pressionar a inflação?

Nitidamente a demanda está crescendo muito mais do que a oferta no Brasil nos últimos anos, mas isso não minimiza o grande fluxo de investimento que houve depois da recuperação da crise do Lehman Brothers. As empresas têm investido, têm procurado expandir a oferta, mas a expansão da demanda ainda é muito forte.

O avanço dos preços das commodities no mercado internacional deve pressionar mais a inflação?

Não espero que haja uma alta de commodities nos próximos meses semelhante ao que vimos no ano passado e início deste ano. Essas cotações já estão num patamar bastante alto e dificilmente esse ritmo se mantém. Evidentemente há questões mais recentes que complicam um pouco o cenário, como o petróleo. Se isso for mais breve e não afetar a capacidade de oferta, não deve haver grande impacto por parte das commodities, mas é cedo para se ter um diagnóstico mais claro.

O corte de gastos previsto pelo governo terá efeitos no controle da inflação?

Terá. Tendo em vista a velocidade de expansão do gasto, ele mostra uma desaceleração importante. Se me perguntar se é o ideal, eu diria que não. Falta ao Brasil um programa fiscal de médio e longo prazos. O maior problema que vejo nesse corte é que ele pode até resolver este ano, mas para o ano que vem está encomendado um problema muito sério, que é essa política do salário mínimo. O PIB do ano passado avançou 7,5%. Isso vai jogar uma pressão muito grande sobre a política econômica no ano que vem. A política do salário mínimo é equivocada nesse aspecto.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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